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10 DE FEVEREIRO DE 1968 2419

O artigo 2.º, glosando o anterior, afirma ter o ensino liceal por objectivo:

Preparar para a sequência de estudos e ministrar a cultura mais conveniente para a satisfação das necessidades comuns da vida social, a par dos fins de revigoramento físico, de aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, de formação do carácter e do valor profissional e do fortalecimento das virtudes morais e cívicas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será deste ensino que se há-de formar, num futuro mais ou menos próximo, a grande maioria da sociedade portuguesa, sobretudo a sua camada média. E será deste ensino que hão-de sempre viver as nossas escolas superiores. E nesta célula mater que mais decididamente e com maior nitidez se inicia o processo formativo daquilo que poderia chamar-se tronco e cérebro do Portugal de amanhã. E isto, sobretudo, se se enveredar pelo alargamento da escolaridade obrigatória até aos 17 anos, e, por outro lado, não vier a minguar nem a coragem dos grandes empreendimentos, nem os meios necessários para a correspondente gratuitidade.
Tanto aquela obrigatoriedade como a liberalização do ensino liceal, pelo menos até ao 2.º ciclo, podem, dentro de anos, vir a concretizar-se em legislação oportuna e apropriada. Uma e outra constituem fenómenos consecutivos ao ritmo de mutações de que é susceptível o mundo de hoje. E encontram suficiente justificação na importância intrínseca do ensino liceal e nas grandes vantagens que daí advêm para a Nação.
Nesta matéria, meus senhores, as experiências precursoras de outros países, como a França, a Alemanha, a Suécia, a Inglaterra e, no Oriente, a Austrália e a Formosa, são indicativas do que é realizável entre nós.
E tudo isto se apresenta plausível, quando se parte da convicção legítima de que o ensino liceal é efectivamente o principal factor de qualificação da nossa camada média, cujo valor percentual, relativamente a toda a população portuguesa, se eleva cada vez mais.
Mas se o ensino liceal se reveste de tanta importância, teremos de convir em que será pelo critério desta mesma importância que se há-de aferir tudo o que, de algum modo, se relacione com aquele ensino. Por outro lado, teremos de reconhecer que o grau de aferimento da competência e idoneidade dos professores, da qualidade dos programas de estudos, dos compêndios e livros de texto, dos exames, não poderá ser outro senão o da superlatividade. E o ponto de referência de tudo o que se legisle ou se diga ou se venha a fazer em toda a problemática do aviso prévio em discussão não poderá ser outro senão o de uma formação integral e superlativa a dar à juventude que acorre aos nossos liceus e que assume para a Nação as mesmas proporções de relevância que as pedras de um edifício em relação a este.
Daqui se poderá mensurar todo o cuidado em situar convenientemente o aluno no espaço e no tempo. Primeiramente no espaço. Situá-lo no espaço cósmico, no espaço-Nação e, dentro dos limites nacionais, no espaço-região.
O espaço cósmico tem por fronteiras a imensidade do firmamento e a vastidão dos mares. Cabem aqui, numa fraternidade universal, todos os povos da Terra e todas as culturas humanas. É perante esta universalidade, que não discrimina, que os espíritos e os corações novos se dilatam em rasgos de generosidade e de heroísmo e se elevam a sublimes altitudes do pensamento.
No espaço-Nação, aprenderão os nossos rapazes e raparigas a chamar "nosso" ao cruzeiro que projecta a silhueta nas velhas paredes do templo de Deus; "nossos" aos gran-monumentos de pedra ou mármore - Alcobaça, Batalha, Jerónimos, Torre de Belém; "nosso" ao trigo humilde que punge do chão rasgado pela relha do arado e loureja nas searas.
Finalmente, no espaço-região são os longes do nosso ultramar que se vislumbram, um ultramar imenso e disperso. Tão diverso nos costumes e raças, nos mitos e nos falares dialectais, mas tudo tão uno, ao mesmo tempo, no palpitar dos corações e no sentimento de família, da grande família lusíada! Gabe aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma sugestão. O respeito e o carinho que de todos nós merecem as vastidões humanas do nosso ultramar recomendam um melhor aproveitamento das suas características e valores locais, não só na feitura de livros de texto, como ainda na inserção de um ano de antropologia social na formação de professores que se destinem ao ensino liceal no ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O ineditismo da sugestão é apenas parcial, dado que muitos funcionários administrativos dos quadros ultramarinos documentam já as suas habilitações literárias com aquela cadeira, além de outras.
Mas importa ainda, meus senhores, situar o jovem dos liceus no tempo. No tempo-transcendência, no tempo-história e tradição, no tempo-vida.
Antes de tudo, no tempo-transcendência do diálogo com Deus; dos sãos princípios e das convicções profundas; do conceito da honra e do dever; da noção do sacrifício e do heroísmo.
Em seguida, no tempo-história e tradição, que não é mais do que aquele misterioso metabolismo que transmite aos vindouros as lágrimas, os suores, o sangue de gerações passadas; lendas e factos de luto ou de glória; crenças e língua, costumes e leis; monumentos e terras, tudo seiva imortal de velhas raízes, mergulhadas no tempo, a oito séculos de profundidade! ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A palavra oportuna aqui não pode ser outra senão que as fontes da nossa vitalidade histórica se mantenham puras e sempre vivas, nunca poluídas, traiçoeiramente conspurcadas. Traiçoeiramente e quantas vezes impunemente! ...
Resta-nos o tempo-vida, em que devemos situar o jovem dos liceus. Define-se pela velocidade, pela vertigem, em que pensamento e acção se atropelam, o presente se precipita sobre o futuro e quase com este se identifica. Pensa-se em termos de futuro. Fala-se, escreve-se, canta-se, reza-se, pensa-se, trabalha-se, vive-se ao ritmo do devir e numa tonalidade que se não conhecia quase no pretérito. Quanta firmeza e equilíbrio a contrapor a tudo isto! ... A opor à vertigem das grandes tentações do cientismo e do tecnicismo que materializa: números, foguetões, satélites! ... Corre-se o risco de mutações constantes e imprevistas, da imaturidade permanente, da instabilidade que ameaça a alegria de viver e construir. O homem desencadeou forças e liberdades que já não pode ou ainda não conseguiu disciplinar. Cumpre ao mestre, num esforço inteligente e dedicado de contrabalançar este pendor, cultivar no jovem aquilo a que G. Marcel chama "les puissances d´émerveillement", Albert Dondeyne "les facultes métaphysiques" e o Vaticano II, na Constituição Gaudium et Spes, define como "capacidade de admiração, de introspecção, de meditação, de formulação de