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15 DE FEVEREIRO DE 1968 2441

Assim é que, com a falta extraordinária e angustiosa de professores, a disciplina de Português tem sido, não raras vezes, ensinada por professores que não são da especialidade e por quem não possui os conhecimentos necessários da língua nesta fase escolar.
Mas o defeito vem de muito mais longe!
Os próprios professores diplomados não tiveram nunca durante os cursos universitários uma cadeira que ensinasse o português como língua viva, pois que nas Faculdades de Letras os estudos de língua portuguesa que se fazem são de natureza filológica, histórica ou linguística. Não há propriamente uma cadeira de Língua Portuguesa.
Este facto é mais uma razão da necessidade de uma reforma na formação dos professores do ensino liceal e também da necessidade de se criar uma escola normal para professores do ensino secundário ou um instituto de ciências pedagógicas, onde os jovens que quisessem seguir a carreira do professorado liceal pudessem aprender a didáctica das matérias que iriam leccionar no futuro.
De outro modo, haverá sempre um desajustamento entre o que se aprende nos cursos e o que se ensina.
Há, entre outros aspectos, a necessidade de se fazerem estudos da língua portuguesa para o espaço português, no sentido de se criar um português básico ou fundamental para um ensino mais rápido e adequado da nossa língua, sobretudo no ultramar.
No ensino das línguas nos liceus não nos podemos atrasar em relação ao que se vai fazendo lá fora no estudo das línguas vivas.
Sei que alguns professores dos liceus da metrópole têm sido enviados como bolseiros aos principais centros estrangeiros de línguas, para aí se familiarizarem com a didáctica moderna no ensino das línguas vivas, trazendo para o nosso país uma experiência que se reflectirá benèficamente no ensino das línguas nos liceus.
Seria de desejar que estas medidas se tornassem extensivas aos professores dos liceus do ultramar ou, então, que os professores dos liceus da metrópole já actualizados nesse campo pudessem levar os seus conhecimentos aos do ultramar em cursos que se poderiam realizar durante as férias grandes. Para tal seria também necessário que se apetrechassem os liceus nesse sentido.
No curso geral dos liceus, a disciplina de Português, que no 1.º ciclo se chama Língua e História Pátria, é ensinada, actualmente, em cinco tempos lectivos semanais no 1.º ciclo e em três no 2.º ciclo. E de convir que, com os actuais programas sobrecarregados e com turmas de 30 alunos ou mais, os três tempos semanais no 2.º ciclo são insuficientíssimos.
Bastará dizer que no 5.º ano, ano de exame, o professor terá de ensinar aos alunos todo um programa que consiste em excertos de Os Lusíadas, parte da Lírica camoniana, o Auto da Alma, de Gil Vicente, textos da Selecta Literária, extraídos da literatura medieval e clássica, desde Fernão Lopes aos historiadores quinhentistas, além da gramática, em que se incluem breves noções da língua latina, que os professores dão, segundo a sua preferência pela língua do Lácio, uns mais, outros menos.
Devo dizer que estas noções de latim, desarticuladas, com palavras explicadas aos alunos como curiosidade, segundo o próprio programa, pouco adiantam no ensino do português neste ciclo, embora eu creia que o latim possa vir em auxílio do português para seu melhor conhecimento, mas não ensinado deste modo.

Vozes: - Muito bem!

À Oradora: - O professor de Português tem, pois, de explicar toda esta matéria do programa, fazer chamadas aos alunos para inquirir dos seus conhecimentos, corrigir os pontos escritos e classificá-los, e ainda fazer revisões da matéria dada nos anos anteriores, visto que, tratando-se de ano de exame, as provas incidirão sobre toda a matéria ministrada nos três anos do ciclo. E tudo isto em três tempos lectivos, que não chegam a ser três horas reais por semana!
E evidente que não pode sobrar tempo ao professor para conversar com cada um dos seus alunos, para com eles trocar ideias, desenvolvendo-lhes o vocabulário, corrigindo-lhes a dicção, criando-lhes hábitos de reflexão, em suma, para lhes ensinar a elocução, que tanta falta faz no ensino do português.
Por sua vez, ao aluno, sobrecarregado com os pesados programas de nove disciplinas, que certos professores com zelo excessivo ainda dificultam, não lhe sobeja tempo para fazer leituras de obras literárias para além dos textos dados nas aulas.
De tudo isto resulta que os alunos saem, muitas vezes, dos cursos dos liceus sem saberem expor as suas ideias, quer oralmente, quer por escrito, atribuindo-se a culpa, geralmente, ao professor de Português.
Muito mais haveria a dizer sobre o ensino do português nos liceus, mas não quero abusar da paciência de VV. Ex.ªs entrando em pormenores sobre o seu ensino, nem é esse o único propósito deste aviso prévio. Não posso, porém, deixar de focar, muito sucintamente, mais três aspectos desse ensino nos liceus que reputo essenciais e que são: a falta do Português nos cursos complementares de Ciências, a necessidade de uma profunda reforma no ensino da gramática e os livros de textos.
Ao primeiro aspecto me referi já aquando do aviso prévio sobre educação em 1964, e vários Srs. Deputados, no presente debate fizeram também sobre ele pertinentes considerações que coincidem com a minha opinião de que o ensino do português no 3.º ciclo deveria ser comum aos alunos dos cursos de Letras e de Ciências, embora, quanto a mim, com programas diferentes, dando-se mais desenvolvimento, como é óbvio, aos dos cursos de Letras, ainda que os actuais programas devam ser reformados, visto que, pela sua extensão, não permitem que os alunos tenham tempo para ler mais demoradamente obras literárias tão necessárias nesta fase pré-universitária.
Com o Português nos cursos de Ciências, os alunos teriam a possibilidade de se habilitarem melhor ao uso da língua falada e escrita, ao mesmo tempo que poderiam conhecer um pouco mais da literatura do seu país.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - Repito o que também já disse sobre a incongruência de um aluno poder tirar um curso superior sem nunca ter tido aproveitamento na disciplina de Português, enquanto noutros países os alunos não podem sequer ingressar em qualquer Universidade sem aprovação na língua materna.
Quanto à reforma gramatical de que há uma necessidade urgente, já foram feitos estudos sobre a unificação gramatical, tendo-se até publicado um livro nesse sentido, mas não me consta que as gramáticas tenham sido remodeladas, nem que os professores de Português se estejam a actualizar nessa matéria, e importa que o sejam, visto que se continua a ensinar a gramática portuguesa de uma maneira tradicional já ultrapassada, ao gosto de cada professor, alguns dos quais fazem dela um fim e não um meio para o entendimento mais perfeito da língua,