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2444 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 136

aspectos do problema em causa; julgo errada uma grande parte da problemática de todo o nosso ensino; e, na minha idade, já se vai estando carecido daquela audácia, de imaginação criadora que é indispensável no conceito, na acção e nas ambições da vida educativa, sem estreiteza de ânimo e sem subordinação à rotina, viciosa ou forçada, das circunstâncias contingentes.
Por outro lado, entendo que o aviso prévio do meu querido amigo e colega Dr. Vaz Pires é .exaustivo, concludente e esclarecedor, inserido no estado actual das coisas, mas algum tanto circunscrito aos aspectos técnicos e administrativos, que lá irão direitos a quem tem obrigação de os atender mas que, de certo modo, escapam à natureza, índole e competência desta Câmara.
Somos uma Câmara política, e serão assim as grandes linhas do problema da educação aquilo de que devemos ocupar-nos Paulo majora canamus! É o que pretendo fazer, bastando, quanto à essência do aviso prévio, dar-lhe todo o meu apoio e adesão no geral das suas alegações, necessidades, exigências, exposição de soluções e desenvolvimento de pormenores expostos com tanto saber e experiência.
Quanto ao mais, seguiremos por outros caminhos ... se a Câmara estiver disposta a ouvir-me e V. Ex.ª mo consentir.
Em matéria de educação, o que está em causa em Portugal é o próprio conceito da educação no seu aspecto global, nesta cruz dos caminhos em que proclamamos revolucionàriamente uma educação eminentemente nacional e nos vimos depois forçados a atender uma situação de facto, de desorientados nortes na instrução necessária e suficiente e de situação caótica, por excesso de alunos, falta qualitativa e quantitativa de professores, ausência de espírito e de saber pedagógicos, elenco de matérias atrofiadas e não aferidas às realidades, horários forçadamente possíveis e não humanamente estabelecidos, divórcio da escola e da família e ansiedades e aspirações novas das gerações que se encontraram perante um mundo, ao mesmo tempo admirável e apocalíptico, no qual se consideraram, sem culpa, mas viram nos seus antecessores a dramática responsabilidade de lá se terem encontrado.
Quando o departamento governamental adequado se designava de Ministério da Instrução Pública, a instrução lá ia seguindo seus trilhos normais, sem excelência de grandezas nem afrontosas misérias de incapacidade e impotência.
Havia um regime de estudos baseado no trabalho - trabalho de saber e de aprender a saber -, havia mestres profissionalmente habilitados e socialmente respeitados, em quantidade suficiente, modestos nas aspirações, honrados e prestigiados no agregado humano em que viviam e na dignidade e na honra da sagrada profissão que exerciam. Não existia então o clima de desagregadora desconfiança entre os vários ramos do ensino; todo o sistema escolar, toda a ligação educativa e todo o pessoal ensinante eram potencialmente qualificados e competentes e, porque assim era, cada um assumia as suas responsabilidades próprias, para ser digno delas perante os escalões superiores, uma vez que os tinha e lhes eram reconhecidos expressa e tacitamente.
Mas já no campo ideológico e filosófico se passavam as coisas de modo diferente. O País sofria uma crise moral, social, política e cívica, crise orgânica da vida colectiva portuguesa, da qual seria responsável, sim, um certo escol da Nação, mas não o era o decurso normal e habitual da vida da escola, tomada esta no seu sentido de pura actividade profissional.
Mudaram as circunstâncias políticas, a Nação procurou refazer as suas estruturas sociais e reavivar conceitos ancestrais que só poderiam ser válidos se desde logo a audácia dos cometimentos nascesse e se lançasse adiante, no âmbito do ensino, por ele acreditando e reavivando o espírito novo da vida pública portuguesa e nele alicerçasse uma mentalidade nova que fosse penhor da Nação restaurada e sopro transcendente daquela sagrada «oficina das almas» que devia ser, no sentido da Revolução Nacional, a suprema ambição da escola ao serviço da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Da Instrução Pública se transitou para a Educação Nacional, e lá se foi ao Garrett buscar a frase - aliás de não muito respeitável construção -, e, assim, o Ministério da Educação Nacional nasceu sob o lema terrivelmente responsabilizante de que nenhuma educação poderia ser boa se não fosse eminentemente nacional.
Já, porém, era mais difícil de saber ao certo o que isto queria em verdade dizer, e mais complicado ainda era escolher os justos caminhos para consegui-lo!
Houve então luminosos e promissores lampejos de entusiasmo e de audácia, ambiciosas e salutares medidas de renovação de instituições, de exaltação de valores nacionais, de revolução do espírito e de virilização da juventude, e, por ela, de revigoramento dos próprios fundamentos vitais da grei.
Tudo estava em saber se o Ministério assumia ou não uma responsabilidade harmónica com as suas capacidades, se o binómio instrução-educação viria a ser real ou artificioso, se uma preponderância do educativo sobre tudo o demais seria possível, viável e eficiente no clima em que a Revolução Nacional nascera e se ia desenvolvendo nos seus ímpetos, aspirações e ... hesitações!
Ser-me-ia doloroso tirar, agora à distância dos tempos, a conclusão exacta do êxito ou do fracasso daquele condicionalismo que deixei exposto. Teremos alcançado, na realidade, uma educação verdadeiramente nacional? Terão sido atingidas as aspirações implícitas nas linhas mestras em que se desenhou a fisionomia nova do departamento do Estado responsável pela educação?
Aqui, na Assembleia, já têm sido dadas várias respostas a estas perguntas, e não se diga, em rigor, terem elas sido francamente optimistas e daqui resulta, como parte de um todo, a gravidade do tema de que nos estamos ocupando e o ponto em que se situa o problema do ensino liceal. Se quiséssemos dar uma síntese de fácil apreensão diríamos: «Lá íamos cantando e rindo, mas a verdade é que a escola havia deixado de ser risonha e franca», isto é, não conseguíramos levar a cabo com conscienciosa audácia uma revolução educativa eminentemente nacional e víamo-nos a braços, pela evolução das circunstâncias, com um problema técnico, concreto e absorvente nos puros domínios da instrução pública, pela avalancha explosiva da frequência escolar, pela incapacidade de formar mestres que fossem ao mesmo tempo educadores e instrutores, pela falta ideológica de um binómio educação-instrução que conjugasse os ideais da Revolução com as aquisições científicas e técnicas da pedagogia e da didáctica, para as quais não estávamos preparados e a que não soubemos aderir e adaptar-nos, por nossa estreiteza de nacionalismo político e desconfiança e medo dos progressos educativos que se iam alcançando noutras latitudes, onde os estudos das ciências da educação iam evoluindo, acompanhando as exigências dos tempos, a marcha da civilização e o espírito da cultura.