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2446 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 136

tantas outras coisas perniciosas e deseducativas, estranhas à nossa índole, sensibilidade e necessidades culturais.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Alguém poderá perguntar-me - e praza a Deus o não façam - o que pode ter isto que ver com o ensino liceal a cargo do Estado ...
Pois é aí mesmo que está a raiz do problema. É que o Estado acaba, afinal, por ser, ou parecer, o grande responsável por tudo que corre mal, na educação como em tudo o resto, e como educação é tudo e o Estado tem por assim dizer o rígido privilégio dela, tire cada um as conclusões que entender!
O meu falecido mestre e querido amigo professor Agostinho de Campos, que no seu tempo encheu de luminosa audácia, alegria e competência os altos escalões do Ministério da Educação Nacional (ao tempo, da Instrução Pública), escreveu no Comércio do Porto em 1933:

A língua nacional é das maiores riquezas que nos são próprias, consubstanciada com a nossa própria existência ... Por perguiça de organizar uma defesa necessária e urgente, por inconsciência da perigosa ameaça que sobre nós pende, estamos ressequindo, alegre ou distraìdamente, o nosso carácter, e cultivando sem peias a abdicação e a decadência.

Pois essa perguiça e tudo o mais que tão profeticamente dizia Agostinho de Campos, ainda disso não acordámos em 1968, e eu creio não errar se disser que uma das grandes crises dos nossos quadros docentes do ensino médio será precisamente a de professores de Língua e de Literatura Pátrias, hoje quase disciplina de complemento a preencher horários, à falta de titulares especializados e competentes. Voltámo-nos para as línguas anglo-saxónicas, como se daí nos viesse algum bem!
De ideia em ideia venho à questão do latim, que não desejo ressuscitar, mas dentro do meu tema é matéria de primeira grandeza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Três leves anotações:
a) Nunca percebi, e creio que não é de perceber, ter o latim sido expulso, do plano dos estudos liceais, por homens de extraordinária categoria pessoal e de formação nitidamente humanística;
b) Um ministro brasileiro da Educação, creio ter sido o Dr. Gustavo Capanema, ao dar as razões pormenorizadas de uma reforma do ensino liceal no plano pedagógico e técnico, ao referir-se ao latim, disse:

Não carece de mais prolongadas razões: é um título de dignidade da civilização ocidental.

c) O meu querido amigo, colega e companheiro Flávio Resende, professor insigne da Faculdade de Ciências de Lisboa, recentemente falecido, contou-me um dia o seguinte: chegou à Alemanha como bolseiro do Instituto de Alta Cultura (Ciências Naturais) e procurou o sábio mestre que havia de encaminhar-lhe o trabalho e o estudo. Este inquiriu da sua preparação científica em todo o pormenor, do seu conhecimento da língua alemã e do seu possível saber na disciplina de Latim. Flávio Resende, intrigado com a última pergunta, lá foi respondendo que passara pelo liceu durante dois anos na cadeira de Latim, mas que seguira depois a carreira das ciências e o latim lá ficara sepultado na tumba das coisas inúteis, esquecidas e aparentemente desnecessárias. O sábio mestre alemão disse então ao seu pupilo estagiário, já professor efectivo de Ciências Naturais dos liceus portugueses e candidato a títulos universitários, que alcançou brilhantemente: «Pois, meu senhor, o seu primeiro ano de bolseiro vai ser ocupado apenas e só no estudo do alemão, para que nos entendamos todos, e no estudo do latim, que é a disciplina indispensável à formação do espírito de todo o homem culto, e depois veremos o resto!»
Não quero insistir mais e passo adiante ... deixando a VV. Ex.ªs os comentários adequados.
Sr. Presidente: Tenho mais que dizer e vou abreviar este capítulo da minha intervenção. Não quero, porém, deixar de chamar a esclarecida atenção da Câmara, direi melhor, a responsável obrigação desta Câmara, para um passo de um discurso recente do Sr. Ministro do Ultramar na primeira reunião do Gabinete de Estudos da Direcção-Geral da Educação do seu Ministério. Disse então o Prof. Silva Cunha:

Porei em especial relevo o que respeita à intensificação do uso da língua portuguesa, pois é este o meio mais poderoso de reforçar os laços entre todos os que integram a Nação. É aqui que mais deve insistir a nossa acção. É neste ponto que devemos ser mais intransigentes com os desvios, mais pertinazes no esforço, mais insatisfeitos com os resultados obtidos.

E não foi por acaso que o ilustre Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, dias antes, se referia ao mesmo assunto nos seguintes termos:

Mas quando se cultiva o amor à Pátria, colocamos logo na sua base, como factor de decisiva importância, a Língua.

E acrescentou, com um saber de experiências feitas:

Também com especial apreço atentei neste ponto por se dever ter em conta que o emprego das línguas vernáculas ou dos dialectos está reservado exclusivamente aos fins estabelecidos em acordos ou previstos na lei, a observar, portanto, em sua letra e espírito, tanto mais que o avanço da cultura e da própria evolução social e económica ficariam seriamente abalados se o idioma nacional não fosse posto ao seu serviço.

O idioma nacional ao serviço integral da existência da Pátria!
Estará a Câmara conscientemente responsável da gravidade deste problema que lhe estou pondo e que bem merecia ele as honras de um aviso prévio?
Batem-se os soldados, a consciência nacional foi dinamizada por um homem que resolveu «agir rapidamente e em força», ouvido por uma juventude que tem necessidade e capacidade para ouvir e entender essa palavra «força» e de ser impelida por acontecimentos transcendentes para cumprir todo o seu dever, e de que modo ela o tem feito!

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Mas a língua-mãe é uma arma moral que tem de ser o alicerce da vitória militar, e aqui recordo o que venho dizendo para pedir que se ouça um clamor vindo de longe e atinente à criação de um instituto da língua portuguesa, para o qual estão já traçadas linhas gerais de acção, postos alvitres, colhidas adesões!

Vozes: - Muito bem!