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15 DE FEVEREIRO DE 1968 2445

E acabámos por cair num ciclo vicioso: nem educação eminentemente nacional, de que perdemos o aparatoso conteúdo viril, nem instrução adequada ao tempo e às exigências de uma época de profundas transformações na formação do homem, na finalidade do saber e na técnica do convívio entre professores e alunos e, de ambos, nas estruturas sociais do País e do mundo contemporâneo.
E entrámos, assim, num estatismo pouco esclarecido, não definimos princípios filosóficos que fossem base da acção educativa, fizemos, sim, códigos escolares, necessariamente acrescidos de uma espantosa burocracia de circulares e de regras menores que meteram a educação e a instrução numa verdadeira camisa de forças, da qual estavam ausentes as sempre ansiosas inquietações da pedagogia, o sagrado culto do ensino, o nobilíssimo sacrifício de ensinar e de aprender, o amor, que é a mais perfeita fonte da comunicabilidade entre mestres e alunos - e não seja eu quem o diga, mas esse grande pedagogo que foi Pestalozzi quando asseverou, marcando um caminho novo à arte e aos métodos de ensinar: «Eu sou o que sou, pelo meu coração ...»
Na educação moral e cívica, onde o coração teria de cantar mais forte, até os melhores parece terem falhado, e aí direi que raros se poderão sentir em paz com a sua consciência, designadamente quando atentarem em que uma grande parte das novas gerações teve de procurar o seu bem onde o encontrou e não raros foram achá-lo fora das concepções do verdadeiro ideário nacional.
Da organização política e administrativa se fez um pesadelo, se não mesmo uma traição, onde só algumas raras excepções de mestres esclarecidos terão conseguido vencer uma livresca sistemática política, lá onde se devia ter pretendido dar ao homem português em formação uma consciência nova da nacionalidade e das suas reais e intrínsecas instituições civilizadoras e históricas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Olhe-se também aí aos resultados coletivos da educação física e repare-se em como ela, por virtude da escola, pouco ou nada tem que ver com a formação integral do homem na força do seu corpo e do seu carácter, destreza e agilidade físicas, e como ela em muito pouco contribui para o surto das actividades desportivas, que em certas modalidades tão intensamente se vivem no nosso país, mais ainda por espírito clubista do que por entusiasmo e amor à pureza e à fortaleza do corpo e da alma.
Não quis deixar de fazer alusão a estas disciplinas do elenco educativo, tantas vezes consideradas disciplinas de rodapé, mas de tão grande influência e importância na formação global do homem, mais integral e complexa do que o própio currículo tradicional e clássico dos estudos.
Mas outras são as minhas intenções ao interferir neste aviso prévio, ao qual têm sido já trazidas informações e sugestões utilíssimas que o transportam muito para além do seu âmbito demasiadamente circunscrito. Muito haveria que dizer sobre o ensino particular, não a cargo do Estado, como ele devia ser, prestigiado na essência e na forma, liberto da garra e da similitude do ensino estatal, fonte de experiências novas e de opções possíveis que arrancassem o Estado daquelas obrigações assumidas no plano cultural e no próprio plano financeiro e que, ao fim de contas, não pode honrar suficientemente, o que afinal só contribui para seu desprestígio e desorientação.
Mas isso daria azo a grandes cogitações e eu venho agora aos três pontos fundamentais que desejo abordar, e são eles: a) O problema da língua materna; b) O caso da formação de professores; c) O ensino no ultramar e suas implicações com o ensino metropolitano.

A língua pátria.

Este tema é fundamental onde e quando quer que se trate de ensino e de educação. Eu li há dias, escrito pela pena de um jornalista francês que não blasona de nacionalista e antes penso que «joga um pouco a ponta-esquerda». Pois dizia ele:

Perverter uma língua, e perverter o espírito, é renegar a alma da nação no que ela tem de mais íntimo e de mais precioso.

E sabem VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, a que propósito isto vinha? Pois pela oportuna circunstância de o Sr. Pompidou, primeiro-ministro de França, e o Sr. André Malraux, ministro da Cultura, terem proposto e feito adoptar pelo Conselho de Ministros uma decisão criadora de um alto-comissariado para a defesa da língua francesa.
Pois em Portugal, não obstante o nosso nacionalismo, universalidade idiomática da metrópole, ultramar e Brasil, da nossa tímida preocupação com o ensino da língua junto dos núcleos dos- portugueses residentes em países estrangeiros, aqui, na metrópole e no ultramar, é possível a um aluno liceal chegar ao termo do seu curso sempre «cortado» por deficiência na disciplina da língua pátria! Quando digo que é possível, quero dizer que já tem acontecido.
E que dizer do quanto ela anda aí abastardada no falar comum, nos livros estrangeiros que se lêem traduzidos, na literal e apressada versão das notícias das agências noticiosas, no papaguear barbarizado, estrangeiro e impreciso, ignorante, de tantos faladores da rádio e da televisão, nas legendas de películas cinematográficas importadas, nas obras de minicultura livremente recebidas do Brasil e escritas, não direi já apenas em mau português, mas mesmo em má linguagem brasileira do próprio Brasil?
Isto que estou dizendo cabe dentro do aviso prévio, e de certo modo o excede em amplitude, mas tenho a preocupação de me desprender da rotina da minha profissão e de, nesta Câmara política, falar precisamente em termos de política, o que sempre tenho feito contra ventos e marés! Perdoem-me se estou errado!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tempos houve em que quase toda a imprensa mantinha uma secção de divulgação linguística u todos nos lembramos de um Cândido de Figueiredo, um Agostinho de Campos, um Artur Bivar, um Manuel Múrias, um Rodrigo de Sá Nogueira e muitos outros, e mais recentemente, através dos aparelhos de televisão, das doutas e tão comunicativas palestras do saudoso Dr. Raul Machado!
Hoje a asneira anda mais livre, e não há muito tempo um programa humorístico da nossa radiotelevisão tinha como estribilho da personagem central este mimo: «Tá-se mêmo a ver, non tá-se?»
Dir-me-ão que é isto um pormenor cómico sem relevância, mas é aí que está o erro e o grave é que ninguém o remedeia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estas coisas entram no ouvido de centenas de milhares de pessoas, muitas delas com notável tendência para o ordinário, como entram pelos olhos