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15 DE FEVEREIRO DE 1968 2447

O Orador: - Só falta fazer o que é preciso, e os passos dos discursos dos Srs. Ministro do Ultramar e Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina bem realçaram a importância, a gravidade, a oportuna imprescindibilidade de também neste caso «agir rapidamente e em força», não subestimando um problema que, a não se resolver, fará de nós um país subdesenvolvido nos domínios da cultura e nos próprios destinos essenciais e existenciais da Nação.

O problema da formação dos professores:

Sr. Presidente: Vão já passados cerca de 40 anos, passei pelas «forcas caudinas» dos examentes de admissão à Escola Normal Superior e do Exame de Estado.
Não fiz na vida académica coisa mais difícil e aparentemente mais desnecessária, com imensos e soleníssimos júris, dos quais, aliás, não tenho razão de queixa sobre a maneira como me trataram.
Mas o que me marcou profundamente como professor de ensino liceal foi o estágio profissional no Liceu de Gil Vicente, orientado e dirigido por um homem com quem tive durante toda a vida as mais contundentes divergências políticas, mas que- era um pedagogo de excepcional categoria, pelo amor. aos alunos, sensibilidade educativa, habilidade de tratamento com jovens das mais variadas idades, saber ordenado e sistemático das matérias a ensinar e objectividade na linha de condução dos alunos-mestres, que nós então éramos, sob a sua orientação, vigilância e ensinamentos.
Refiro-se ao professor Luís da Câmara Rego, um metodólogo de primeira plana com quem aprendi a ensinar, mau grado as divergências ideológicas que sempre nos apartaram.
Vem isto a dizer que se aprende a ensinar como o engenheiro aprende a lidar com obras e com máquinas, como o médico aprende a observar doentes, como o advogado aprende a advogar e o farmacêutico a distinguir os símplices e drogas de quem dependem a saúde e a vida das pessoas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se aí muito em «vocação» para o ensino, e ela existe sem dúvida nenhuma, e é necessário espevitá-la, mas é rara, é mesmo raríssima, e em certo momento da nossa vida escolar foi na «vocação» que pusemos a nossa confiança, porque isso era mais fácil e mais barato, e chegámos ao cúmulo de extinguir as escolas do magistério primário durante vários anos, o que nos privou de uma classe profissional e social que sempre foi em toda a parte elemento de influência cultural nos pequenos agregados humanos, onde poucos mais havia cio que o sacerdote e um ou outro autodidacca que pontificava no café ou na farmácia, com a volubilidade de quem fala por falar, com pseudo-autoridade e sem real noção de responsabilidades sociais ou morais. E daqui advieram várias circunstâncias calamitosas: a decadência dos estudos pedagógicos, a consciência da sua utilidade e necessidade, o rebaixamento do nível do ensino e o desprestígio do professorado, que deixou de ser uma classe social e profissionalmente qualificada e se tornou em sucedâneo ocasional e mesquinho -e mal pago- do que devia ser uma pequena elite das pequenas sociedades, organizações em todo o território nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sofreu o ensino, e do mesmo passo sofreu a vida social orgânica, o conjunto harmónico dos pequenos aglomerados humanos, o sentido cívico das nossas vilas e aldeias de aquém e de além-mar, sofreu o produto líquido racional e fomo-nos deixando cair num inconsciente materialismo de que somos legitimamente acusados e que era precisamente o inverso dos princípios que nortearam a parte séria e doutrinária da Revolução Nacional. O problema da carência de professores é efectivamente um problema de remuneração de funções, pois ninguém vive sem o necessário à dignidade da vida própria, das necessidades familiares e do respeito humano a que cada um se sente com legítimo direito. Mas eu julgo ver uma outra causa, porventura mais significativa e mais profunda: o desprestígio crescente do pessoal ensinante, a diferença radical de tratamento em comparação com outras actividades menos responsáveis socialmente, a milícia ocasional e constantemente variável desse eventualismo pedagógico que não teve coragem nem necessidade de enfrentar as dificuldades de uma orientação profissional, porque na lei da oferta e da procura de professores importa deitar mão ao que aparece a fim de que os alunos tenham, se não quem os ensine, ao menos quem os aguente, como quer que seja, até porque os familiares, regra geral, só se dão conta da gravidade dos acontecimentos no final do ano, no desastre dos exames e às vezes na liquidação pura e simples dos meninos amimados e abandonados em quem o dinheiro de algibeira substituiu comodamente a constância da autoridade paterna e a vigilância diária dos seus trabalhos próprios e actividades escolares. A família deixou de ter paciência para aturar os filhos! Creio que o mal é grande e costuma dizer-se que para grandes males grandes remédios. E quais podem ser esses grandes remédios?
Pois prestigiar moral e materialmente os verdadeiros profissionais do ensino, limitar as peias que lá conduzem, abolir exames abstrusos de dispensável reduplicação, permitir e impulsionar o acesso dos professores de ensino secundário ao ensino superior, deixar que professores do ensino superior, aos quais não é exigida qualquer preparação pedagógica, desçam até aos liceus e neles façam as suas experiências de ensino e aí tomem contacto com o material humano que hão-de vir a receber depois nas escolas de que são mestres.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nivelar por cima, já que tão maus são os resultados de se ter nivelado abaixo da linha de terra, que é, como quem diz, abaixo do mais mediano interesse cultural da Nação. Anda aí agora em voga uma forma de actividade educativa e pedagógica a que por certo se não hão-de negar determinados méritos e possíveis efeitos úteis: o ensino pelos meios áudio-visuais, de que será padrão a telescola e instrumento a Radiotelevisão Portuguesa. Mas a televisão é uma espécie de teia de Penélope: destece à noite o que de dia vai urdindo e por outro lado ver é só observar e ouvir será, simplesmente, informar-se, mas ler é outra coisa, ler é escolher, é entender, é recolher no espírito, é compreender, é, no fim de contas, trabalhar de conta própria e em profundidade, é queimar as palavras, como diziam os Antigos, ou «puxar aos varais da gramática», como dizia um velho latinista meu conhecido.
Mas tudo isto é, afinal de contas, um remendo ocasional, é um recurso confiante e hábil às aquisições brilhantes,