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2452 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 136

E óbvio que a minha intervenção aqui nada contribuiu para a decisão do Governo, nem as minhas diligências pessoais terão sequer elevado o número das solicitações recebidas no Ministério e que, como se diz no preâmbulo, foram consideradas. Pouco importa! Congratulo-me com a publicação do Decreto-Lei n.º 47 713, e como pai felicito o Governo.
Por capricho do destino, a nova disposição entrou em vigor precisamente no ano em que deixei de ter filhos matriculados no ensino primário.
Não deixo, por isso, de estar feliz, até porque não necessitei, como Jacob, de cumprir mais sete anos de trabalho.
Pelo facto recordado, é de admitir que a possibilidade da criação de uma associação de pais, nos moldes que noutra ocasião já aqui defendi, surja, também, de um dia para o outro.
Deus queira, pois continuo a considerar indispensável que os pais, através de uma representação adequada e legal, possam dar o seu testemunho autorizado e insubstituível sobre questões fundamentais que aos filhos dizem respeito.
E tal testemunho tem muito particular importância, como decerto concordarão, nas questões de educação, entre as quais se inclui a que está sendo objecto de apreciação nesta Câmara.
Sabemos que os pais, por falta de tempo, recursos ou competência, não podem, pessoalmente, desempenhar-se da missão que lhes cumpre por direito indiscutível de educar os seus filhos.
É, pois, natural e lógico que a família chame em seu auxílio alguém apto para dar o ensino educativo que compete à acção dos primeiros responsáveis. E este auxiliar da família é a escola. A escola é, por conseguinte, uma instituição originariamente saída da família e não deve nunca perder esta sua índole de auxiliar e sucursal da família.
O professor, que é a alma e a vida da escola, é, pois, um mandatário da família que nele parcialmente delegou a educação dos seus filhos.
A própria origem etimológica da palavra professor - profari- indica que ele fala em nome de outrem.
Até alguns dos mais audaciosos defensores da escola laica (como Ferry e Briand, por exemplo) concordaram nesta reivindicação dos direitos educativos da família.
Ora, pelo que me tem sido dado observar, esta doutrina, apenas esboçada (pois o seu desenvolvimento ficaria aqui deslocado), ou é ignorada ou caiu no esquecimento da maioria dos agentes de ensino.
E, nos liceus, muito mais que nos estabelecimentos de ensino particular, faz-se especialmente sentir que o exercício da função docente se processa à margem daquela doutrina. E assim é, em grande parte por virtude das enormes dificuldades que se opõem ao necessário e frequente contacto entre os professores e os encarregados de educação; em muitos casos sem grande responsabilidade para aqueles, e por culpa apenas do errado condicionalismo imposto à actividade docente.
Desde 1954 que filhos meus se encontram frequentando liceus nesta cidade de Lisboa.
No decurso destes catorze anos, uma única vez, e bem recentemente, um professor manifestou interesse e desejo de conversar comigo acerca da actividade escolar de um dos meus filhos.
É claro que acorri prontamente ao seu encontro. Como era de prever, foi extraordinariamente proveitosa e construtiva a conversa, e dela muito beneficiámos todos três.
De minha iniciativa, algumas vezes me pareceu extremamente conveniente estabelecer contacto com professores dos meus filhos, mas a circunstância de só poderem estabelecer-se por intermédio de directores de ciclo ou de turma, e segundo horários estabelecidos, a horas a que as minhas obrigações profissionais me impedem normalmente de me deslocar aos liceus, fui forçado a reduzir as minhas diligências a casos excepcionais que me não deixaram, aliás, grande vontade para repetir.
Numa dessas iniciativas fui recebido por um director de ciclo, em audiência colectiva, na companhia de mais dez encarregados de educação.
Com uma paciência nada superior àquela que, na actividade comercial, costumamos ter para os angariadores de publicidade, aquele professor (tido por muitos por um bom pedagogo) despachou em cerca de meia hora todos os consulentes, tomando por vezes vagas notas e mostrando-se sempre apressado.
Em determinada altura, como resposta a um pai que pedia para melhor controlarem a atenção do seu filho nas aulas, pois sabia que ele, por estar numa das últimas carteiras, se distraía na leitura de livros de quadradinhos, respondeu tranquilamente que já tinham desistido de lutar contra essa doença e que os professores não podiam estar a preocupar-se com isso.
E, escolhidos ao acaso, relato agora dois episódios de natureza muito diferente, para decerto modo ilustrar a minha afirmação de que o ensino requer frequente contacto dos pais dos alunos com a escola.
Certo dia, uma das minhas filhas mostrou-me um caderno diário onde uma sua professora tinha escrito uma judiciosa observação sobre o seu aproveitamento e da qual eu devia tomar conhecimento.
Li, apreciei a observação e escrevi no mesmo caderno uma curta e correcta nota, que pensei constituir um esclarecimento útil para a autora da observação.
Pois a dita professora disse simplesmente à minha filha para riscar ou apagar o que eu tinha escrito, ao que a minha filha respondeu que o não faria por considerar essa atitude uma falta de respeito para com o seu pai.
Convocada, dias depois, a meu pedido, para uma reunião comigo, no gabinete da directora de ciclo, a professora em causa não compareceu.
A directora de ciclo, que lastimou as duas atitudes da professora, apresentou-me desculpas e disse-me que trataria do caso e que não me preocupasse mais.
No final desse ano, o caderno diário, onde foram escritas aquelas curtas frases, foi pedido à minha filha, sob pretexto banal, e devolvido no dia seguinte, dele não constando já nem a minha resposta nem a minha assinatura, por terem sido apagadas pela zelosa professora.
Noutro liceu, uma senhora professora, reconhecida muito justamente como uma profissional de bom nível, chegou certo dia com atraso à aula e com aspecto cansado.
Durante largos minutos, e para explicar o atraso, desabafou com os alunos as suas infelicidades, pois estava sem criada e tinha de fazer muitos trabalhos caseiros antes de ir para o liceu.
E tão bem viveu o seu drama que terminou as suas considerações oferecendo, seriamente, um valor suplementar na nota do período ao aluno que lhe arranjasse uma cozinheira.
Não me parece, nos tempos que vão correndo, que tenha sido generosa, mas meu filho, ao contar-me a rir o episódio anedótico, sempre foi insinuando se não seria possível arranjar-se uma cozinheira para a professora, o que me levou a recordar-lhe quais eram os métodos honestos de melhorar as classificações no liceu.