DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145 2658
à sua maior intensidade e do consequente volume dos prejuízos resultantes, pois podia dar-se o caso de serem mais numerosos os incêndios e, todavia, serem menores a sua intensidade e os danos. Mas, infelizmente, não tem sido esta a realidade. Quanto às perdas de vidas, basta recordar a horrorosa tragédia da serra de Sintra, onde morreram asfixiados mais de duas dezenas de jovens soldados com o seu comandante.
É certo, porém, que o mesmo não sucedo com referência a incêndios em prédios urbanos, pois, na realidade, deve ter diminuído acentuadamente a sua frequência nesses prédios, especialmente quando não se trata de fábricas, oficinas, depósitos, armazéns, etc.
E é compreensível que assim aconteça, dada a simples razão de serem cada vez mais numerosos os edifícios em cuja construção não são empregadas madeiras e outros materiais de fácil combustão, mais sim tijolo, cimento, vidraça e ferro e outros metais.
É certo que se dá o caso de terem sido pasto das chamas algumas casas de espectáculos em curto espaço de tempo; mas trata-se de casos esporádicos constituídos por edifícios antigos e guarnecidos com material facilmente inflamável.
Quanto aos incêndios em propriedades rústicas dos particulares, o flagelo é cada vez maior, apesar dos esforços que se empregam para os combater. Mesmo já antigamente a sua frequência levou a dizer-se que o conde de Santa Maria, alarmado com o grave problema, reclamara no Parlamento que fosse colocada uma bomba ao pé de cada incêndio antes de este deflagrar! . . .
Aliás, mesmo relativamente à propriedade rústica, há que fazer distinção, pois, longe de aumentar, tem diminuído acentuadamente o número de incêndios nas matas do Estado a cargo dos nossos excelentes serviços florestais, que já abrangem uma área de cerca de 350 000 ha e estão a aumentar numa média anual de 12 a 15.
Sucede assim graças aos cuidados de limpeza e ao aperfeiçoamento dos serviços de vigilância e de defesa, efectuados mediante brigadas de guardas florestais e com colocação de numerosos postos de alarme, munidos de telefones e de outros sistemas de alerta, e ainda, nalguns casos, a formação de talhões separados por arrifes e aceiros.
Ora, nada disto se verifica geralmente nas propriedades rústicas particulares, especialmente nas Beiras - das quais a Beira Alta é porventura a maior vítima. Haja em vista o que se passa, por exemplo, nas encostas do Leste do distrito de Aveiro.
É certo que no que sucede deve, sem dúvida, influir o aumento substancial da área de plantações de arvoredo, formando matas ou florestas por vezes muito extensas.
Influência se pode também atribuir um pouco ao aumento das sementeiras de cercais nos declives ou encostas dos montes, que, depois de maduras, se tornam inflamáveis, bem como, depois, o são os respectivos restolhos.
Mas isto não é tudo. Melhor, não é o principal. É que, infelizmente, nas plantações particulares existe geralmente o grande perigo dos fogos originados no desenvolvimento de matos, de tojos, de fetos, de carqueja, enfim, de tudo o que seca no Verão e, portanto, se torna facilmente inflamável.
Sim. Aí se encontra, sem dúvida, o rastilho, talvez o mais propício de todos, para a deflagração dos incêndios e seu rápido e incentivei incremento.
E, assim, o começo concretiza-se na negligência, ou mesmo em simples imprudências. Uma fogueira, ou "queimada", mal extintas, uma ponta de cigarro, ou um fósforo, ainda acesos, as faúlhas de chaminés, etc., são algumas das origens mais frequentes. Ainda que lhes pese, os fumadores são grandes responsáveis, dado o seu péssimo costume do arremessarem as pontas dos cigarros ou os fósforos acesos, especialmente quando o fazem pela janela do seu automóvel em andamento.
Há também os casos de fogo posto por malvadez ou vingança, geralmente difíceis do determinar; e, portanto, ficam impunes.
Nas circunstâncias que, por brevidade, resumidamente deixo esboçadas, o grave problema dos incêndios tem de ser contemplado pelos serviços e entidades competentes, e pelos próprios interessados; e estes não só por dever de solidariedade e auxílio mútuos, mas também por interesse próprio.
E para grandes males, grandes remédios.
Assim, julgo que se impõe a obrigatoriedade de, sob pena de multa, os próprios donos das propriedades procederem periodicamente à limpeza e retirada de todas as plantas secas, nomeadamente matos, tojos, fetos, carqueja, etc. Isto de dois em dois anos, pelo menos, ou porventura todos os anos, numa faixa marginal das estradas, dos caminhos, dos atalhos ou picadas e demais pontos de acesso e trânsito público.
Nos parques de campismo, deviam ser aturadas a vigilância e a limpeza.
Certo é que os matos e outras plantas são muito aproveitados para camas do gado, ou para, curtidos ou não, adubarem as terras. Mas o interesse geral e a segurança da vida e fazenda próprias e alheias sobrepõem-se.
Em resumo e conclusão:
Estamos manifestamente em presença de um assunto que exige estudo e providências drásticas e urgentes da parte não só dos particulares, mas também do Estado e das autarquias locais, pois é necessário que aquele e estas compreendam que se truta de um problema cada vez mais importante e sério, que reveste aspectos do maior vulto, mesmo de autêntica calamidade, com projecção na economia nacional .
Faz-se mister uma constante recomendação dos cuidados contra os incêndios, nas escolas, nus igrejas, mediante cartazes, pela rádio, etc.
É certo que alguma atenção se lhe dedicou desde recuados tempos. Assim, por exemplo, datam de 1395, pelo menos, as precauções oficiais contra incêndios, pois, por Carta Régia de D. João I, foi estabelecido que "os pregoeiros da cidade saíssem de noite pelas ruas a avisar, em voz alta, os moradores de que deviam tomar cuidado com o lume em suas casas"; e através dos tempos, não faltou nunca o socorro e o auxílio das próprias populações.
Extraordinária e relevante costuma ser a sua colaboração activa em todos os trabalhos de extinção ou de redução das proporções dos incêndios e dos rescaldos, com o emprego de todos os meios possíveis, já acarretando água transportada de longe em toda a espécie de vasilhas, já empregando ramos de árvores e arbustos, ou abrindo clareiras isoladoras, etc.
Antigamente, e creio que mesmo hoje, ainda em muitas povoações, os sinos tocam a rebate ou, mediante o número das suas badaladas, indicam o local do incêndio; e toda n população válida acode, percorrendo léguas, se necessário for, extenuando-se no serviço do próximo.
As mulheres, se não podem acorrer, gritam ao fogo, postadas nas portas ou janelas das suas casas, espavoridas, desgrenhadas, alertando toda a gente; e fazem-no tão aflitivamente que, especialmente de noite, apavoram as populações.
E especialmente nos horríveis transes que a nossa gente dá mostras da sua bondade, revela quanto é capaz de sacrificar-se pelo seu semelhante, dá tudo por tudo para