13 DE DEZEMBRO DE 1968 2813
gilância económica, vieram juntar-se conhecidos factores internacionais que obrigam a reforçar esse clima de parcimónia. Aceitam-se, portanto, com toda a compreensão as regras de cautela e prudência na aplicação dos dinheiros públicos. E estranha-se até que na redacção do competente artigo, o 4.º da proposta, se não haja feito, como conviria e em tempos se fez, a indicação de algumas rubricas em que importe tomar cuidados especiais. Tal indicação não me parecia uma superfluidade, pois vincularia mais rigorosamente os serviços aos preceitos da poupança e constituiria uma premonição muito eficaz para os responsáveis pela distribuição das despesas.
Falando mais concretamente, saliento o problema da instalação dos serviços públicos, por me parecer cada vez mais digno de atenção. Recordo que só em Lisboa, no ano de 1965, o Estado pagou de rendas 31 616 378$, pela ocupação de 346 prédios, no total de 706 andares, e os organismos de coordenação económica, 1 714 184$, por 24 prédios com 52 andares. Portanto, o sector público pagou naquele ano alugueres no montante de cerca de 33 000 contos, o que, estimado ao juro de 5 por cento, equivale ao rendimento de 600 000 contos. Por outras palavras: se o Estado orçamentasse 600 000 contos para a construção de edifícios próprios, enriqueceria o seu património, resolveria muitas deficiências provenientes da má ou péssima acomodação das suas repartições, proporcionaria aos funcionários e aos contribuintes uma larga economia de tempo e dinheiro e, além disso, contribuiria, de maneira muito sensível, para atenuar a crise de habitação, pois 800 andares não são uma insignificância no problema habitacional de uma cidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sempre tenho defendido a erecção de uma cidade dos serviços públicos, não apenas porque isso corresponda a um estilo de trabalho outrora praticado em Portugal, como se vê nas edificações monumentais do Terreiro do Paço, onde funcionavam todas as secretarias do Estado, mas, sobretudo, porque tal estilo satisfaz a vários imperativos do nosso tempo: celeridade de comunicações entre as repartições e entre estas e o público, adequação funcional dos serviços e consequente aumento de produção, sem contar com a repercussão no referido problema habitacional. Creio mesmo que a tão almejada Reforma Administrativa nunca poderá alcançar pleno êxito sem a prévia resolução deste problema.
Outro aspecto que, a meu ver, se insere ainda com maior justeza no preconizado clima de austeridade é o respeitante à importação de mercadorias, que continua a ser uma das faces mais sombrias da nossa actividade comercial. Lê-se no relatório da proposta de lei que, não obstante a apreciável redução registada em 1967 no comércio importador com o estrangeiro, ele ainda se computou nesse ano em cerca de 11 milhões de contos e no 1.º semestre de 1968 em 5123 milhões de contos. Sabe-se também que este defluxo foi compensado com um aumento de exportações e com a habitual cobertura dos chamados «invisíveis». Mas a verdade é que não podemos confiar indefinidamente no afluxo de capitais através do turismo e da emigração para o equilíbrio da balança de pagamentos, visto tratar-se de fenómenos hipersensíveis a conjunturas de mutação subitânea.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Além disso, a tendência para igualar os consumos vulgarizados em países ricos, bem como a precisão de bens de equipamento e de matérias-primas, suscitará a importação em volumes cada vez mais amplos, não podendo nós contar com a contrapartida da colocação dos nossos produtos nos mercados estranhos em nível e ritmo equivalentes aos das importações. A isto junta-se a problemática resultante da inserção da nossa economia nos grandes espaços internacionais: nem protecção aduaneira, nem restrições quantitativas, nem pragmáticas de uso e consumo. Para ocorrer a essas dificuldades têm-se apontado algumas medidas de política, tais como: concessão de crédito aos exportadores, tratamento fiscal favorável, assistência técnica à indústria, aceleramento na formação de mão-de-obra e facilidades no aprovisionamento de matérias-primas.
Ora, todo este aparelho táctico me parece muito certo e de aplicação inadiável, mas, raciocinando com todo o realismo, não se me afigura suficiente. As coisas nem sempre obedecem às boas intenções. E, no caso da indústria nacional, as realidades têm demonstrado que o seu arranque e desenvolvimento são impossíveis sem formas mais directas de protecção perante as concorrentes estrangeiras. Têm-se fundado, nos últimos anos, entre nós empresas de elevado índice técnico e sólida estrutura fabre-económica. Mas, como não existem restrições à importação, elas encontram, quando começam a produção, o mercado interno saturado de mercadoria estrangeira, porque o fornecedor de fora, solerte e bem avisado, precaveu-se a tempo, alagando tudo com os seus produtos. E é assim, na fase mais delicada do seu lançamento, que a empresa nacional encontra a praça inacessível às especialidades do seu fabrico.
Por isso, e porque os processos modernos de concorrência são extremamente poderosos, subtis e impiedosos, não podemos, dêem-lhe as voltas que derem, possuir, já não digo empresas prósperas, mas razoáveis, sem que o Estado as defenda com os processos do velho mercantilismo. Por outro lado, não me parece certa a afirmação, que aí muitas vezes se ouve, de que não pode pensar-se em utilizar os deficits comerciais como argumento efectivo para forçar a maiores aquisições no mercado português; não me parece certa, porque há pelo menos um consumidor que pode -e deve ser coagido a adquirir o produto nacional. Refiro-me, evidentemente, ao Estado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devia ser interdito às organizações estatais, às autarquias administrativas e aos organismos corporativos o uso e consumo de produtos estrangeiros quando os haja nacionais. Porque, se há coisa que impressione e até escandalize, é ver utilizados nos serviços públicos e nas grandes empresas manufacturas e artigos de marca estranha, quando a indústria portuguesa luta com falta de clientes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim como também impressiona ver as montras e estabelecimentos cheios de artefactos e produtos de fora, desde bebidas a tabacos, alimentos e máquinas, dando tudo a impressão de que somos um país predominantemente de importadores. Temos a convicção de que a nossa economia registará um notável progresso quando se acabar, numa grande percentagem, com a parte parasitária do comércio de importação.
Quando compramos ao estrangeiro cerveja, massas alimentícias, ovos, manteiga, carnes, peixe e milhentas coisas mais de que em absoluto não necessitamos, porque as temos cá dentro iguais ou superiores, não é só dinheiro