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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 160 2910

tando a evolução social; finalmente, a hospitalização, assistência médica, saneamento geral, imposição de práticas higiénicas, evitando o depauperamento da raça, entendem ao campo fisiológico a sua benéfica acção.

A influência das missões tem de ser simultaneamente religiosa e educativa, e quando elas não realizem este fim, que é a própria justificação da sua existência, são inteiramente dispensáveis.

É incontestável que o valor económico do trabalho adquire proporções maiores que o elemento dignificador - o ideal cristão - que sempre esteve na base da acção portuguesa.

Consequentemente, ao homem novo africano, deslocado do meio tradicional, depara-se na cidade uma escala de valores inteiramente desconhecida, e falta-lhe, em primeiro lugar, a protecção que a vida em comum lhe assegurava sem necessidade de luta individual pelo pão.

Ele, que nascera numa organização de base marcadamente colectiva, passa a ter que depender apenas de si. Ainda não afeito à técnica da utilização da moeda, o salário apresenta-se-lhe como um fim, e não apenas como meio relacionado com objectivo preciso. Quando verifica o limitado alcance do seu provento e as barreiras intransponíveis que o separam das possibilidades fáceis de o ampliar, logo perde o incentivo do trabalho na desilusão da exiguidade da recompensa. As obrigações assumidas, as necessidades que o contacto com o novo mundo lhe cria e o prestígio da sua posição em relação à tribo ou à família impedem o seu regresso à terra. Ao fascínio da prosperidade fácil, que o trouxera à cidade, sucede-se, o conformismo fatalista da sua condição actual: germina, mais do que muita, a semente da revolta contra as classes superiores, que no seu espírito se identificam com o homem branco. A pouco e pouco quebram-se os laços com a família legítima: as ligações ilegais são a consequência fatal do seu afastamento. A disciplina, a moral, a ordem, próprias do agregado - deficientes que fossem - limitavam-lhe a conduta; desligado delas, o homem nada tem que lhe entrave a marcha para o caminho da degenerescência da sua qualidade humana: o vício e a libertinagem.

A educação que vai recebendo confunde-o, não o esclarece: a educação passa a servir o processo de reivindicação, mais do que a ânsia do progresso económico e social. Se era cristão, o afastamento da missão religiosa enfraquece-lhe a fé: se o seu credo divino era o avito, dilui-se na venalidade da vida das cidades africanas ou exacerba-se nos cultos animistas e nos novos messianismos que ali proliferam. O contacto com o Europeu passa a fazer-se em condições geradoras de ressentimentos. A autoridade que se lhe impõe directamente deixa de ser o agente da Administração para ser o patrão ou capataz, ou pior ainda, o trabalhador europeu, exercendo funções idênticas, mas realçado por privilégios. A tensão racial generaliza-se: o vírus político entra em cena. O destribalizado fornece o campo ideal para a semente dos nacionalismos e da luta Contra o Europeu.

Propus-mo, porém, falar da língua. Se me desviei por um momento do meu tema, foi porque me traiu a circunstância de, no caso de que hoje me ocupo, a aquisição da língua portuguesa representar, só por si, um real, e sobretudo potencial, factor de valorização cultural e de revigoramento nacional.

O conhecimento da língua, das artes, da ciência, da tecnologia, devem ser comuns. O que é necessário, acima de tudo, é que os Ocidentais estejam aptos a um esforço de imaginação para reconhecer e compreender o carácter especifico da cultura africana, que tem a sua raiz na vida. O Africano tem uma consciência original das relações do homem e da Natureza e um sentido profundo da comunidade. O problema é essencialmente de compreensão humana.

O Sr. Barbedor, que foi ministro de Cooperação da França, num colóquio sobre a difusão da língua francesa declarou o seguinte:

Nada nos permite duvidar de que a África possa aceder ao bem-estar e à força que as técnicas modernas, de produção oferecem: mas a primeira etapa nesse sentido é a do aumento da produção agrícola e a integração progressiva dos pequenos grupos, vivendo ainda em economia de subsistência numa rede de troca de bens e de informações, sem a qual nenhum progresso é possível para a formação de uma sociedade industrial.

Plenamente de acordo com a opinião do ilustre estadista, que julgo completar-se com o problema que estou focando: assim, a prática de uma língua principal de comunicação - no nosso caso, o português - facilitaria o processus. Torna-se mesmo indispensável a partir de um certo nível de tecnologia, porque as línguas africanas não são actualmente capazes de os encaminhar para certas noções.

Para a maioria dos territórios portugueses onde coexiste um grande número de línguas vernáculas, sem o predomínio do qualquer delas, o português pode ser considerado como a língua de unificação administrativa, moral e intelectual.
Como já atras, o disse, não obstante dispormos de princípios assentes sobre o tema, a política ultramarina portuguesa oscilou no tempo entre a assimilação e a evolução diferenciada. E as vozes da experiência voltam a pôr em causa o acerto do princípio da assimilação, ou, pelo menos, a sua actualidade em face dos sismos políticos que vêm abalando as premissas que historicamente foram tomadas em conta.

Ainda recentemente tive a oportunidade de ler num livro de Manuel Belchior, Fundamentos para Uma Política Multicultural em África, o seguinte e elucidativo passo:

As grandes ambições que hoje se abatem sobre a África inscrevem no seu programa a rápida transformação das estruturas tradicionais, e decerto também muitas pessoas de intenções generosas pensam que isso pode fazer-se sem perigo. Por nós supomos que, na maioria dos casos, vão deparar com uma resistência insuspeitada, produto do bom senso das populações, E, se assim for, a miséria e o sofrimento que daí resultarão serão imensos.

E mais adianto:

O respeito pelas culturas tradicionais tem de ser considerado como um dos maiores objectivos que deve visar uma política ultramarina verdadeiramente nacional ...

Tenho para mim que talvez a alternativa não seja tão terminante e que a virtude há-de encontrar-se no respeito do que deve ser respeitado e mantido e na substituição do que pode e deve ser substituído.

Basicamente, deve a evolução efectuar-se, tanto quanto possível, dentro ou a partir dos quadros das culturas tradicionais africanas. Mas não raro o progresso tem de ser procurado, não na evolução, mas, na revolução ou subversão de certos valores tradicionais. Não encontro melhor exemplo do que o de facultei às massas africanas o acesso a uma língua veicular com projecção mundial, madura na forma falada, sedimentada na forma escrita, comunicante com inesgotáveis reservas de cultura.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!