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10 DE JANEIRO DE 1969 2911

O Orador: - O elemento mais importante de compreensão, e portanto de amizade e colaboração, dos povos é a língua. Se uma personagem de Eça de Queirós pôde perfeitamente viajar no estrangeiro sem dificuldade e ignorante do falar de outros países, pelo simples recurso à mímica ou no desenho, já a comunicação de ideias abstractas ou rigorosas não é praticável por esses meios. É pela linguagem que se faz a revelação de toda a cultura.

Quando um país dispõe de um instrumento dúctil de comunicação humana, a um tempo musical e viril, adequado às exigências da sensibilidade, como é a língua portuguesa, deve chamar a si a preocupação fundamental de irmanar no seu conhecimento a totalidade dos seus filhos.

A língua portuguesa será, pois, para os africanos, um meio de acesso, não somente à cultura portuguesa, mas também a toda a tradução cultural da Europa que, contudo, repito, não deve opor-se às culturas tradicionais africanas, mas sim completá-las, fertilizá-las, pondo em relevo o que elas têm de original em comparação com as europeias.

Conhecem-se, é certo, países bi ou plurilingues, sem quebra de unidade política. Mas trata-se em geral de coexistência de línguas igualmente evoluídas, e ao observador atento não escapará, na maior parte das vezes, o que há de convencional nessa unidade.

Poderíamos ser tentados a pensar que estamos mais próximos de um estrangeiro que fale português do que, de um português que só fale línguas que não compreendemos.

Não é segredo para ninguém que a esmagadora maioria dos portugueses africanos de raça negra não fala nem entende o português.

E, como acontece, salvas raras excepções, que o português europeu residente ou mesmo nascido em África não fala as línguas nativas na maior parte dos casos o diálogo é impossível, e, com ele, a palavra de fraternidade, que evitaria equívocos, ou de explicação, que pouparia melindres, incompreensões e até ódios.

É doloroso verificar que no extenso mato africano, ou mesmo na periferia das povoações, ao português negro e ao português Branco está, geralmente, interdito desejarem-se sequer bom dia.

O problema, de resto, repete-se com igual acuidade entre dois negros que falem diversas línguas nativas, com a agravante de que, em regra, a diversidade da língua corresponde à diversidade da tribo, com todas as conhecidas sequelas no plano das rivalidades tradicionais. Em Moçambique, que eu saiba há dezasseis línguas e oitenta e cinco dialectos. A generalização da língua, portuguesa surgiria assim, e além do mais, como traço de união entre regiões e grupos diferenciados, como denominador comum ou ponto de encontro de culturas tradicionais estanques, como expediente de arbitragem de dissídios e vindictas.

A experiência, africana dos nossos dias, com as suas sucessões ou tentativas dela, sempre caras em sangue humano e, pelo menos a curto prazo, inúteis, constitui a melhor demonstração dos riscos a que se sujeitam os territórios separados pelo fosso de línguas não comunicantes.

É esse, afinal, o sentido último do bíblico episódio da Torre de Babel. A quem, como eu, nunca acalentou quaisquer pretensões políticas, e sempre se manteve independente, de correntes ideológicas ou agrupamentos políticos de qualquer espécie, não se estranhará uma preocupação dominante de procurar para os problemas soluções alheias às contingências políticas e capazes de os resolver, qualquer que sejam.

Nessa medida, um programa de difusão, em larga escala e acelerado ritmo, da língua que me orgulhe de falar entusiasma-me e enternece-me.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tal programa abriria as portas à utilização das técnicas sociais ao serviço do progresso e constituiria, só por si, um factor de valorização humana que teria o efeito de uma redentora aurora na noite milenária, dos tabus africanos.

A verdadeira guerra que travamos em África não é contra inimigos conscientes dos valores portugueses, mas sim contra a ignorância desses valores. Uma ideia, qualquer que seja, só se combate eficazmente com uma ideia melhor. É esse o sentido último do espírito de evangelização da nossa acção missionária. É esse ainda o ensinamento a colher do triunfo do cristianismo primitivo em face do supermilitarizado Império Romano.

Dizem-me que o factor de aliciação mais usado pêlos inimigos da soberania portuguesa consiste na oferta de acessos culturais nos mais exóticos centros de doutrinação subversiva. O português africano, como se sabe, arde em ânsia de aprender. É este hoje um facto fora de toda a controvérsia.

o Sr. Veiga de Macedo: - É assim mesmo.

O Orador: - E eu penso não só nas almas que alienamos, negando ou mesmo só dificultando o que outros, com inconfessados propósitos, prodigalizam, mas ainda no mais que perdemos pelo facto de alguns de entre os mais dotados dos nossos nativos terem atingido a cultura através de línguas estranhas, as quais, até onde a sua capacidade directiva lhes permita, tentarão impor como futuras línguas veiculares.

Casualmente, assisti um dia a um confronto entre um maconde e um landim, a propósito de pequeno esclarecimento de um delito de que ambos eram presumíveis autores. Verifiquei que a, ponte de ligação entre as respectivas versões era o intérprete, que falava também o português. E fiquei a pensar se aquele pequeno episódio não seria uma lição ao dispor de quem quisesse e pudesse interpretá-lo.

Não creio, afinal, que valha a pena insistir na conveniência, e até na necessidade, de se programar uma invasão dos nossos imensos territórios africanos por um exército, mas de soldados de paz, de soldados da língua pátria.

É essa uma "guerra" sem dúvida grata ao coração de todos os portugueses, sem excluir os que actualmente a não falam.

Não representará, porém, tudo isto uma bela utopia, fora de todo o sentido das realidades mais comezinhas, visão de lunático, de idealista, de poeta?

Creio já ter dado nesta Assembleia provas de que conheço as limitações que a realidade impõe aos idealistas. Sei que é inútil programar belas epopeias sem viabilidade prática. E não desconheço ,até que ponto se torna difícil planear maciças campanhas, de fomento. Por esta razão já alguém, com irrecusável humor, me apelidou de "arauto das soluções baratas". Convenho no epíteto, que sumamente me lisonjeia e agrada, até porque entendo que o Africano recebe como humilhação todo o auxílio que revista a forma de uma doação pura, ao qual profere a oferta de condições de auto-emacipação.

Sei, pois, que todos os obstáculos são difíceis de vencer numa tal campanha e que o seu vulto é quase desani-