DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 170 3056
Ouçamo-lo, ainda:
Já agora, terminados os trabalhos das duas Academias e empenhada na oficialização dos seus resultados a palavra do Governo Português e a do Governo Brasileiro, as vozes; com que se exprimem os dois povos terão uma grafia única. sejam do origem latina ou árabe, tupi ou banto, embora cada português, ou brasileiro, dos confins da sua terra beiroa ou do sertão paulista, continue a abrir ou fechar vogais, suprir ou alongar sílabas. O musculoso corpo da língua é bastante sadio para suportar essas diferenças climáticas de expressão prosódica.
A Assembleia Nacional ratificou o instrumento diplomático. O Brasil ainda não o fez. Mas passado o perigo de uma cisão da língua, só resta formular o voto por. que as relações de amizade que reinam entre os dois povos irmão e os dois Governos favoreçam, sem demora, a solução de uma questão de tão grande transcendência para o futuro cultural e civilizador das duas pátrias.
Desculpem VV. Ex.ªs, Sr. Presidenta e Srs. Deputados, esta passagem longa por terrenos bem conhecidos de todos, mas, ela teve dois, objectivos primários: a formulação daquele voto pela indestrutível unidade da língua portuguesa, cujo condomínio pertenço inseparavelmente às duas nações atlânticas, e a afirmação de que nos cumpre, mais do que nunca, sobretudo a partir de 1945, o dever de a defender sem condescendências que afectem a sua pureza ou comprometam a sua expansão cultural, até pura provarmos a justiça da causa e o peso das nossas razões.
Estamos, na verdade, a defender a língua e a zelar polo seu prestígio ou queremos-lhe tão pouco que os remendos de que falava o prosador já não deixem ver o pano forte de que foi feita?
Sr. Presidente: Muitas e variadas vezes, no decurso das suas, legislaturas, a Assembleia Nacional ouviu falar da língua e da sua defesa. Outras tantas vezes se denunciou "de quanto ela anda abastardada do falar comum, nas traduções de livros e notícias, no papaguear de faladores da radio e da televisão, nas legendas das fitas cinematográficas, nas obras de minicultura recebidas do Brasil". como o fez aluda não há muito tempo o Sr. Deputado José Manuel da Gosta, cum títulos, de direito e de facto para ser ouvido e atendido, mas ao que conste e se veja, nem foi ouvido, nem atendido.
Já na presente legislatura tratou aqui da questão com vigor e autoridade, mas da mesma firma tudo ficou como dantes, sem se compreender a razão de um lavar de mãos que continua a entregar a dignidade da língua ao primeiro malfeitor, ignorante nu propositado, que apareça a pervertê-la.
Apoiemos tudo quanto se alvitre ou promova para a difusão do português entre, os portugueses de todas as latitudes. Mas, cautela: transmita-se-lhes o verdadeiro português falado e escrito, e não aquele que, por vezes, lhes dão no pequeno receptor de rádio ou em determinada literatura interna na de importação ou até em publicações do Estado.
A Assembleia discutiu dois avisos prévios, nos quais só visaram aspectos, da defesa da língua e formularam votos sobre essa defesa.
Com o Sr. Deputado Braamcamp Sobral votou a urgência de definição de uma política de juventude, particularizando, entre outros, o aspecto do fomento da literatura, das bibliotecas e dos espectáculos, bem como dos programas de rádio e televisão destinados à juventude de harmonia com a alta função que desempenham como meios de cultura popular.
No aviso prévio do Sr. Deputado Martinho Vaz Pires emitiu um voto no sentido de o estudo de português ser ministrado a todos os alunos do 3.º ciclo liceal.
Voltarei a estes assuntos, mas devo deixar desde já formulada a opinião de que os votos implicaram necessàriamente o reconhecimento do primado da língua pátria na instrução, no ensino e na educação e a preocupação da Assembleia em o defender.
Pois, tal como acontece com outros votos e sugestões, não há notícia, até agora, do seu seguimento.
Mas a preocupação da Câmara pelo prestígio da língua atingiu um ponto alto por ocasião da reforma constitucional de 1951.
Recordo, e alguns dos Srs. Deputados o poderão também recordar, o interesse provocado pelo projecto do lei apresentado pêlos Srs. Deputados Américo Cortês Pinto, Carlos Moreira, João Ameal e outros, no sentido do sor introduzido na Constituição Política um novo artigo, pela qual o listado tomaria as providências necessárias tendentes à protecção e defesa da língua, como instrumento básico da cultura, lusíada e da projecção do nome português.
A Câmara Corporativa reprovara o projecto, por considerar desnecessária a inovação. Não quero aqui reproduzir a vivacidade da discussão, nem disso seria capaz, e a longa e brilhante argumentação produzida.
A Assembleia, no entanto, rejeitou o projecto pela maioria de dois votos, em votação nominal. Por mim, fiquei com pena. Continuo a pensar na vantagem política de uma afirmação formal sobre a língua na lei fundamental do País.
Não tira daí mal ao mundo e só virá bem à língua e ao seu prestígio.
Recordei o facto, sobretudo porque dispondo a Assembleia Nacional, dentro de algum tempo, de poderes constituintes, pode acontecer que alguém, nessa altura, esteja em condições, e queira, de retomar o projecto apresentado há alguns anos por pessoas reconhecidamente qualificadas, como são os seus autores.
E por isto se verifica que a defesa da língua nem sempre anda fora das preocupações de muitos e bons portugueses.
A Semana do Ultramar de 1968 teve precisamente por tema "A Língua Portuguesa no Mundo", e no seu decorrer a história da língua recebeu valiosa contribuição dos estudiosos. Ela foi estudada com a preocupação de demonstrar o seu contributo excepcional para o exercício da nossa locação permanente e, portanto, actual do povo civilizador e o seu papel cultural no futuro como língua do uma comunidade atlântica.
E poder-se-á deixar de falar da Sociedade, da Língua Portuguesa, e das actividades que vão dos estudos da linguística à assistência e orientação às empresas tipográficas, às agências do notícias, à imprensa periódica, aos postos de radiodifusão, aos estabelecimentos comerciais e industriais, às empresas de espectáculos, para a correcção dos erros do linguagem?
E que dizer da benemérita Liga Portuguesa do Profilaxia Social e das suas campanhas para a dignificação do idioma, através de conferências, de publicações e da própria acção directa no sentido do persistentemente despertar as consciências dos responsáveis e educar civicamente o povo?
Aqui fica a homenagem que lhes é devida pelo muito que fazem pela defesa e dignificação do idioma pátrio.
Sr. Presidente: Na sessão inaugural da Semana do Ultramar o Sr. Prof. Herculano de Carvalho proferiu uma notável lição sobre a língua portuguesa no Mundo, conforme se disse o tema escolhido para 1968.
Depois de falar das duas tarefas fundamentais e urgentes que nos cabem neste momento, como ocidentais,