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31 DE JANEIRO DE 1969 3059

A ideia não é nova e o Simpósio chamou-a a si como anseio generoso e construtivo de encontrar o meio adequado a uma disciplina, mais consentida do que imposta, idónea e capaz de persuasivamente velar, orientando, pela pureza do idioma comum a portugueses e brasileiros.

Que a força de uma idoneidade se abra à compreensão, boa vontade e portuguesismo de quantos hajam de transmitir em actividade para o público a língua falada ou escrita; e a capacidade para os fiscalizar, sempre que o seu uso 6 comunicação pertença ao domínio do Estado ou de titulares de direitos exclusivos.

A ideia não é nova, insisto. Andou, por exemplo, nas colunas da revista Língua Portuguesa, mas pertence de direito e de justiça ao Sr. Deputado José Manuel da Costa, que ainda há dias no-lo recordava, por ocasião do seu notável discurso no aviso prévio sobre a difusão da língua em Moçambique.

E o que lhe dá maior significado: a ideia foi publicada no momento deveras singular da ratificação por esta Assembleia do diploma que aprovou o acordo luso-brasileiro para a unidade ortográfica, já lá vão mais de vinte anos.

Pois faremos bem em a retomar. Ratifiquemo-la no final deste aviso prédio e nos precisos termos em que ela foi posta nesta tribuna:

Que se crie, urgentemente, quando e como o Sr. Presidente do Conselho o tiver por possível e eficiente e sob a sua égide, directa inspiração e patrocínio, um organismo que superintenda com real autoridade e competência em todos os assuntos respeitantes à defesa e à expansão da língua portuguesa, por ser ela o bem maior da Nação e o fundamento primeiro da unidade e da continuidade de Portugal e da universalidade da sua cultura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Vou terminar. Essas belas palavras valem mais do que tudo que para trás pude dizer, e que teve apenas a pretensão de recordar um problema sobre o qual a Assembleia já se debruçou muitas vezes; mas falar dele, no magno problema da língua pátria, será sempre pouco - a língua, não nos cansemos de repetir, confunde-se com a pátria, condiciona porventura a sua existência. Ela nasceu com a própria nacionalidade, precedeu-a mesmo. Muito fez o invasor estrangeiro para destruir a nossa individualidade de nação, faltou aos compromissos tomados nas Cortes de 1958, as regalias prometidas foram-se perdendo pouco a pouco. Nunca, porém, foi capaz de atingir a língua, e foi ela então quem deu aos Portugueses a força para se libertarem do domínio intruso.

Direi mais apenas, com António Ferreira, este que nunca escreveu noutra língua que não fosse a língua portuguesa:

Floresça, fale, ouça-se e viva
a portuguesa língua, e já onde for
senhora vá de si, soberba e altiva!
Se até aqui esteve baixa e sem louvor
culpa e dos que a mal exercitaram,
esquecimento nosso o desamor!

E só peço perdão de a haver mal exercitado, mas foi para seu bem.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Henriques Mouta: - Sr. Presidente: Requeira a generalização do debate sobre o presente aviso prévio.

O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento e portanto, generalizado o debate. E dou desde já a palavra a V. Ex.ª

O Sr. Henriques Mouta: -Sr. Presidente: Será preciso justificar a. apresentação de um aviso prévio sobre a defesa da nossa língua? Tal justificação está feita, e muito bem, por quem da direito. Aliás, o problema da língua sempre foi momentoso. E não apenas delicado. Hoje, porém, mais que nunca. Basta pensar no estruturalismo. novidade recente, vinda de Moscovo, irradiando para Praga e destas duas cidades para a Europa e América. E pretende infiltrar-se mesmo na ... teologia.

Mais uma vez e cada vez mais, n, língua casada com as ideias e os problemas filológicos volvidos em ideológicos. Não se estranhará, por isso, que o estruturalismo seja considerado: nova versão do positivismo, filosofia do conceito, uma teoria do conhecimento, uma nora interpretação do Mundo, princípio de explicação universal do homem, nova leitura de Freud. Em si mesmo uma teoria. como "método" pretende ser uma análise, observação e indagação das estruturas, linguísticas primeiro e sociais depois . . . de uma transferência ou extensão, com refluxos na antropologia e noutros campos, nomeadamente no da filologia, pois de filologia se trata, radicalmente.

Filologia, mas sem considerar a palavra como estrutura, silábica, antes como sinal do pensamento e, sobretudo, como espelho do "ser" ou "não ser" do homem. Põe o homem em causa, não um propósito de promoção, mas de degradação e dissolução. Já se afirma que o homem passa e as estruturas permanecem ... que o mundo começou sem o homem e realizar-se-á sem ele ... Já se fala mesmo do homem desagradecido, como se falou da morte de Deus. A própria estrutura da palavra. Escaparia ao domínio do homem. A língua seria uma estrutura a observar, para averiguar e descrever estruturas sociais e, através delas, descobrir a motivação das relações humanas e surpreender as suas determinantes psicológicas no inconsciente. No político, o homem deixa de existir, porque cessa de ser indivíduo ou pessoa, para ser "conjunto", conjunto de relações que, somadas, dão apenas relação e colectivo.

Já se escreveu que o estruturalismo arrancou o marxismo do economismo. Parece-me, porém, que trazendo Marx pelo braço o larga no labirinto mecanicista do inconsciente e do ... materialismo, na companhia de Freud e de Hegel. Nestas emanações de Marx, Hegel e Freud, não trago para esta tribuna um tema literário ou filosófico, apenas documento actual e vivo do aproveitamento da língua para alcançar objectivos que ultrapassam as fronteiras científicas e artísticas. E será sob este ângulo, sobretudo, que entrarei no debate. E, a propósito, seja-me permitido dizer que, para mim, o debate não está, essencialmente e menos ainda exclusivamente, no colóquio, simpósio, mesa-redonda; não consiste em tiradas de retórica, ou logomaquias; não é torneio, nem justa, nem teia de apartes, graciosos ou chistosos. Estes poderão entrar no debate, como o sal nas comidas. Mas não deve ser com eles que se há-de alimentar a atenção desta Câmara. Ela não é sala de espectáculos, mas de formulação de sínteses ou juízos, que são críticas, e de sugestões ou aplausos. A urdidura de um debate é constituída pelos aspectos essenciais e complementares dos problemas propostos e submetidos a uma análise séria, independente e construtiva.