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1 DE FEVEREIRO DE 1969 3071

exprima a integridade do pensamento de que brota como a torrente da fonte cavada na montanha. O pensamento não é inteiramente exprimível pela linguagem, o que exige um permanente esforço de aperfeiçoamento da palavra para a tornar mais dócil e rica. Ela tende a degradar-se, a que requer um continuado esforço de superação e crescimento.

A grande e primeira dignidade do homem reside no misterioso poder do pensamento. Como ser corporal é uma poeira perdida na torrente do tempo e na vastidão do espaço. Alas como ser pensante é capaz do sondar os mistérios do destino e as profundidades abismais do Universo. E é pelo pensamento e pela palavra que o homem poderá realizar a suprema finalidade do seu destino no acordo e no encontro com Deus.

Para os Gregos, o pôr o nome às coisas é dar-lhes a existência.

O Génesis diz-nos que Deus fez o Universo pela palavra, e o Evangelho de S. João revela-nos o Verbo de Deus como sendo a Fonte primeira e o Fim último o transfigurador de todas as realidades criadas.

Também o nosso pensamento, no sentido mais amplo, ou seja o nosso estado mental, as nossas ideias, nossas emoções e sentimentos. percepções e imagens, se comunica e transmite pela linguagem que necessita do ser adequada, límpida e pura para ser fecunda e eficaz.

Basta pensar na misteriosa acção exercida sobre as multidões pelos grandes oradores para sentirmos a força contida nas palavras.

O poder do pensamento e da palavra faz-se igualmente sentir nas grandes correntes da sociologia e da história. É bem patente o fenómeno social, maciço e avassalador, do mundo moderno, desencadeado pelo pensamento e pela dialéctica marxista.

A palavra possui um maravilhoso poder de criação e comunicação, mas é indispensável pensar bem e exprimir-se claramente para que o pensamento se associe com a acção e esta seja criadora no domínio da arte, da ciência e de todas as actividades humanas.

A sociologia estabeleceu que na ciência contemporânea da linguagem, a par dos fenómenos psíquicos e fonéticos, se evidencia uma terceira categoria, a dos fenómenos sociais.

A linguagem como sistema de comunicação é essencial para a formação da pessoa, e será tanto mais fecunda quanto mais puni e expressiva for como instrumento de transmissão do pensamento. A vida é comunicação a sociabilidade que se realiza através do misterioso e vital fluido da linguagem. Sem a palavra os espíritos permaneceriam enclausurados no isolamento e na esterilidade.

A finalidade da palavra é designar as coisas, mas è igualmente sua missão estabelecer a comunicação entre os seres. Mas, se a linguagem é instrumento de comunicação, pode ser igualmente agente de separação e de equivoco, se a expressão não for clara e pura. Há palavras que podem separar ou unir os homens, suscitando divergências ou proporcionando acordos.

Por isso o seu uso se reveste de uma dramática responsabilidade, e daí a necessidade de ser límpida, verdadeira e precisa como o fio acerado de uma lâmina. "Que a tua palavra seja sim, sim ou não, não", disse Cristo.

É tão forte o seu poder e fascinação que a linguagem, quando é pura, eterniza a memória dos homens. Quem poderá, jamais, esquecer os nomes de Dante e de Virgílio, de Homero ou de Camões?

A vida é uma incoercível fuga. deixando um rasto de inquietação e sofrimento. E a palavra é a tentativa de eternização dos momentos criadoras em que o homem se- realiza e exalta.

Como afirmou o pensador e pedagogo Delfim Santos:

É pela palavra que se opera o trânsito do ser possível para o ser real. E nos nossos dias a importância da palavra não é desconhecida, pois somos herdeiros de uma concepção que afirma que no princípio era o Verbo. Tais são as palavras de S. João do respectivo Evangelho.

Assim a nossa ascensão espiritual e a nossa maturação humana realiza-se pelo exercício e domínio da palavra.

A evolução da linguagem da criança é dos capítulos com maior interesse para a compreensão da formação do homem o génese da sua personalidade.

Da palavra depende a sorte e o destino dos homens nos condicionalismos sociais e políticos do tempo e também na eternidade; por uma penetrante palavra de humildade e amor o bom ladrão, num relâmpago, conquistou a vida eterna.

Depois de Cristo, a palavra assumiu definitivamente um valor sagrado ao realizar o que significa, através do milagre que demove a natureza, e dos sacramentos que operam, sobrenaturalmente, as realidades que simbolizam e exprimem.

Pelo contrário, os desvios e a corrupção dal linguagem acompanham todas as outras formas de degradação.

E a época em que vivemos está semeada destes perigos, razão por que se impõe estar cuidadosamente atento.

O homem revela-se pelo estilo, que é a marca da pessoa, e como diz o filósofo Louis Lavelle, "o desprezo do estilo, hoje tão frequente, é o sinal da baixeza da alma".

Na luta pela exaltação e promoção da dignidade do homem há pois, que considerar a necessidade de defender a língua e o estilo como condições de evolução e progresso do homem e da civilização.

Sobre esta meditação, e a seriedade do problema da pureza da linguagem que dela ressalta, poderemos construir uma validai metodologia de acção. Para ela vamos volver a nossa atenção, para solicitar medidas práticas e concretas que possam conduzir à valorização da língua que vivifica um povo e uma história.

Assim, seria de todo o interesse, promover o maior número possível de traduções de livros técnicos, utilizando sensata e bem escolhida terminologia portuguesa, tal como a praticam os Espanhóis e Brasileiros, para evitar a nossa forte dependência do estrangeiro, sobretudo marcada em relação às publicações francesas.

A nossa linguagem está contaminada por estrangeirismos, como árvore frondosa, mas tocada por corrosiva doença.

Entraram no uso corrente e irreflectido palavras, que já não se contestam, como drop, snack-bar, charcuterie, boutique, bouther, drag-store, entre outras, que podíamos e devíamos substituir por palavras genuínas e expressivamente portuguesas.

No aspecto positivo, apontarei exemplos que deviam ser seguidos, como certas marcas de cigarros com nomes portugueses sugestivos, tal como Tamariz, Sintra, etc.

Quando passamos ao longo de uni areal onde repousam barcos de pesca ao sol, pudemos avaliar, pela beleza ingénua e poética de muitos nomes encontrados, os inesgotáveis recursos da imaginação do nosso povo. Por que usar, então, nomes estrangeiros (Louvre, Miami, etc.). quando dispomos de inumeráveis possibilidades próprias da nossa língua?

E, como não é possível registar nomes estrangeiros no registo civil, por que não estender esse impedimento a todas as restantes nomenclaturas?