6 DE FEVEREIRO DE 1969 3107
Quando é que em vez de um pôr do Sol - tema que aqui ou mais além ainda surge como assunto para dissertações -, passará a surgir nas nossas aulas somente um nascer do Sol: assuntos com aplicação na vida prática, que não puros devaneios líricos?...
O Sr. Elísio Pimenta: - Muito bem!
O Orador: - Pois tudo isto - isto que, pela força das circunstâncias, é uma pálida amostra de muito joio a ceifar, tudo isto se impõe renovar, para além de muito mais, por certo: aumentar mesmo as exigências nos exames - desde as ideias ao léxico, tão pobre, por vezes -, aumentando, primeiramente, como diremos já, as exigências de cada aula.
Renovar os programas, sim, bem como a respectiva didáctica da língua - nos casos em que é de renovar! - mas logo a seguir, se não concomitantemente, renovar os professores.
Segundo Marouzeau "lê secret de la réussite, pour l'enseignement du français, c'est la formation dês maitres". Pois o segredo de êxito no ensino do Português não é outro em 90 por cento dos casos, ao menos.
A situação actual não pode manter-se, urgindo, como dizia Costa Marques em O Ensino do Português nos Liceus, e separata da Revista de Portugal (série A, "Língua Portuguesa"), Lisboa, 1958:
Lutar contra a tendência generalizada para ver no ensino do Português uma actividade acessível a qualquer pessoa medianamente instruída.
Se queremos ver resultados, e temos de vê-los, torna-se necessário exigir, tendo primeiramente criado condições materiais e de prestígio social para o professor, que só agora, diga-se de passagem, se começam a vislumbrar.
Senhora vá de si, soberba e altiva...
Fazendo como dissemos, a língua passará a andar, por certo, mais soberba e mais altiva, mas não por completo ainda, dado que, de fora, liça tudo quanto ultrapassa as barreiras necessariamente limitadas da escola.
Poucos serão os países sem um instituto que vele pela pureza, correcção, clareza e beleza da sua língua. Na Itália existe desde o século XVI (1585), na Alemanha e França desde o século XVII (1617 e 1635, respectivamente), na Espanha desde n século XVIII (1713)...
Em Portugal têm-se encarregado da sua defesa a Academia das Ciências - para publicar um dicionário e uma gramática - e o Centro de Estudos Filológicos, para além dos esforços vários, mas desconexos, de uma Emissora Nacional, Rádio Clube Português - quando não faz o contrário! -, boletins ou revistas de filologia, a própria Liga de Profilaxia Social Portuguesa, simples particulares, como Gonçalves Viana, Carolina Michaelis, Cândido de Figueiredo, Leite de Vasconcelos..., para não falar dos vivos, com receio de vir a esquecer algum.
A ideia de um instituto que congregasse os cultores do idioma pátrio de todo o território nacional data de alguns tempos já. Referiu-se-lhe, embora com respeito ao Brasil, Rebelo Gonçalves, em 1935, e logo Sá Nogueiro, em 1936, para além da Revista de Portugal (série A, "Língua Portuguesa") , que, anos mais tanta, quis ouvir sugestões e opiniões de várias individualidades sobre tal ideia.
Semelhante instituto, que, no dizer de Brunot, se deveria compor de "techiiiciens, d'hommes de lettres et aussi d'usageurs, simples gens de goût et de bon sens"", sem, segundo o mesmo À., constituir "un bureau de police, donnerait de consultations, serait un instrument de progrès règlé, dont en apprécierait vite lês bienfaits".
No dizer de Vasco Botelho do Amaral, ele teria por objectivo "concentrar os esforços dos que, afinal, são conservadores, guardas e zeladores do tesouro espiritual que se chama língua portuguesa", e se um dia viesse a formar-se "grandes realizações" - continua - "se poderiam conseguir, como, por exemplo, a de estudos directos à língua popular, a de análise à escrita dos mais vernáculos autores portugueses, a de junção de materiais para um digno dicionário geral da língua, a de orientação da escrita da imprensa e das falas da rádio, etc. A expansão da língua portuguesa no Mundo constituiria indispensável intento desse organismo, visto que o nosso instrumento de expressão não deve ficar subjugado perante o poder crescente de outras línguas cultas ...".
Se um tal instituto viesse um dia a formar-se ... Mas um tal instituto tem de se formar um dia!
E urgente o estudo ordenado, científico, da linguagem popular, tesouro em vias de se perder.
O seu léxico é extraordinariamente rico, como bem o demonstrou Paiva Boléo ao reunir, apenas no continente, quarenta designações para "doninha", cem para "baloiço" e nada menos que duzentas para "agulha seca de pinheiro".
Porque assim é; urge levar a bom termo o seu esforço e, aproveitando os resultados do inquérito por correspondência que há anos realizou, lançar um novo inquérito, de lês a lês de Portugal (metropolitano, naturalmente, e, quando muito, insular), de modo a tornar uma realidade o atlas linguístico por que tanto, e com razão, os estudiosos da língua aspiram, como indispensável instrumento que é para o estudo da mesma.
É urgente o estudo da linguagem popular, mas não o é menos orientar a imprensa, a rádio, etc. Referimo-nos, essencialmente, à pequena imprensa - pequenos jornais da província, cartazes, etc.
Naturalmente prestará atenção tal instituto - qual novo Mulherbe - aos variadíssimos problemas que se lhe hão-de deparar: uso e abuso das siglas - nova "língua" a quebrar-nos a todos a cabeça ; os estrangeirismos - praga pior que as pragas bíblicas, porque quase que não há barreiras que valham; o velho problema da ortografia...
Se bem que haja erros de ortografia mais lindos... que as estrelas:
São mais lindos que as estrelas
Teus erros de ortografia
dizia Gonçalves Crespo - iniciais minúsculas que... não vemos nenhuma estética justifique, e tantos mais que; por todo o lado surgem - no simples anúncio e na grande reportagem, no cinema e na rádio, na televisão, etc. - , bem seriam de evitar e só a um instituto do género será possível reunir em tal sentido os necessários e múltiplos esforços.
É urgente depurar e conservar, como tal, a língua, está certo. Mas se o seu estado não é demasiado caótico - talvez seja este o caso! - , parece ser possível estabelecer outras prioridades e, deste modo, surgir-nos-á, logo em primeiro plano, a clamar justiça, a premência do estudo da difusão da língua portuguesa no Mundo.
Dissemos acima que a nossa língua a fio devia ficar subjugada perante o poder crescente de outras línguas, a merecerem dos, respectivos governos o maior interesse, como mostrou Vasco Botelho do Amaral em Defesa Oficial da Língua, aqui diremos que ela não pode - "não pode" é mais que "não deve" - ficar subjugada.
Não conhecemos ao certo a estatística da sua expansão no Mundo, mas valia bem a pena, como já por mais de uma vez fez notar o ilustre catedrático de Coimbra citado, que nos Ministérios da Educação Nacional, dos Negócios