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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 173 3102

pedirem ajuda o terapêutica eficaz para o mal que assustadoramente nos invade.
Seja-me permitido, antes de mais, evocar aqui as saudosas memórias de dois grandes mestres e paladinos da língua: o sábio filólogo insigne mestre que foi o Dr. Agostinho de Campos, que, na Emissora Nacional, durante tanto tempo nos deliciou com as suas palestras primorosas sobre as virtualidades da língua pátria e tanto pugnou pela sua correcção e pureza, e o reverendo Dr. Raul Machado, com as suas charlas linguísticas, sempre aliciantes, embora por vezes cáusticas e mordazes, mas sempre conduzidas com a recta intenção de nos ensinar a bem falar, como é nossa imperiosa obrigação. Se a língua é o espelho do povo, nenhum de nós gostará, certamente, de nele se ver esbatido, deformado e ridículo por o mantermos embaciado ou sujo, riscado ou torcido pelo nosso próprio bafo ou por nossas próprias mãos.

Injustiça grave que não quero cometer seria esquecer aqui uma palavra de sincero aplauso e viva gratidão que todos nós devemos, a esse grande e sempre remoçado jornal, que é O Primeiro de Janeiro, que, gloriosamente festejou este ano o seu centenário e a quem o País deve assinalados serviços pela verdade e independência da sua informação e pelo acrisolado carinho posto na elaboração das suas preciosas páginas culturais. A sua secção, dedicada à defesa da língua, pequena no vulto, mas grande na essência, dirigida desde há longos anos, primeiro, pela autoridade incontestada do grande pedagogo e mestre da língua, que foi o Prof. Augusto Moreno, e agora pelo não menus ilustre e sábio Prof. Cardoso Júnior, é, com certeza, daquelas que o leitor, ávido de saber, procura, pressuroso, ao abrir as páginas do magnífico periódico. De louvar o cuidado com que o autor de "Como falar . . . como escrever . . .", se dispôs a publicar, em volumes, sob título Em Prol da Língua Portuguesa. essa preciosa colectânea de nótulas filológicas, ortográficas!, sintácticas e lexicográficas em que, magistralmente, tem respondido a dádivas e rectificado erros a milhares de consulentes que se lhe dirigem, para melhor praticarem o nosso rico e colorido idioma.

Merece aqui também uma palavra de louvor o cuidado boletim Escola Portuguesa, que ao ensino da língua, nomeadamente para consulta dos agentes, do ensino primário, vem prestando relevantes serviços. Injustiça maior cometeria se não lembrasse nesta Assembleia os altos préstimos dedicados à causa da língua pela Sociedade da Língua Portuguesa, organismo que bem merece a homenagem, do nosso respeito, simpatia gratidão pela intensa actividade desenvolvida com a edição de obras notáveis sobre filologia e pelo precioso boletim mensal que insere sempre produções magníficas do profunda erudição, completada por um dicionário dos mais completos e cuidados que é possível organizar. Com armas desta natureza e lutadores da garra de um professor Vasco Botelho do Amaral ou de um Dr. Teixeira de Aguiar e outros que, certamente, deixarei de referir, é caso para perguntar por que razão alastra e campeia, infrene, o aviltamento do sagrado dom que, fazendo parte integrante, do património espiritual da Nação, tem no Brasil o seu empório máximo e é ali mais respeitado e protegido, como se o filho tivesse maior obrigação de guardar e conservar aquilo que o pai esbanja e adultera?

Não será muito difícil responder à interrogação. A nossa incúria, o nosso desamor pelas coisas que mais devíamos estimar, a tolerância com que nos dispomos a desculpar o indesculpável e até o vício já inveterado de infringir e deixar infringir as leis e os regulamentos e desrespeitar a autoridade sempre que estamos mais ou menos, certos de ficar impunes por deficiente fiscalização e policiamento, estão certamente na base do problema. Sendo assim, poderei afirmar que se a fala, como diz o Prof. Gonçalves Viana, reflecte os transes da vida do homem e da sua personalidade, a linguagem actual, desqualificada e despersonalizada, é a consequência lógica do desregramento moral a que aludi no início da minha intervenção. A culpa no final de contas é de todos nós. Ao falarmos mal, ensinamos os nossos filhos a falar mal. E cabe aqui lembrar que, se a criança naturalmente começa por ter dificuldade em articular devidamente certos vocábulos e só ao fim de muito treino e à força de os repetir, consegue pronunciá-los com precisão quantos pais e mães se deliciam em imitar a dicção errada de seus filhos e os ajudam a persistir no erro por vezes bem difícil de corrigir quando atingem a idade escolar. E não será injustiça afirmar que, nos tempos que correm, possa haver professores e particularmente professoras que imbuídos já da influencia nefasta da muda, inoculam na criança o vírus maléfico da linguagem yé-yé, como sói hoje apelidar-se tudo quanto é ultra-moderno sem carácter, sem tradição, sem alma e sem pátria. E acabamos sempre por cair no mesmo ponto: os vícios de educação forjam-se no lar e continuam-se na escola. Culpados, sempre, os pais e os mestres, que somos todos nós.

Uma das grandes causas da perda da vernaculidade e dos desvios do idioma foi sem dúvida a redução ou quase eliminação do Latim no ensino secundário, pois o que ficou, em certos cursos de obrigatório quanto a esta disciplina para pouco ou nada serve. Com que saudade recordo os já longínquos anos de menino e moço, no Colégio Internato dos Carvalhos, e as aulas do grande mestre que foi o P.º António Almeida, que a morte há pouco ceifou e que manteve, até aos últimos tempos de uma invejável longevidade, o ar austero que não era incompatível com uma bondade inata, que muitos ignoravam aulas que só ele sabia tornar atraentes numa matéria que, para muitos, era motivo de tortura e desespero! ... Os conhecimentos ministrados que o P.º António Luís Moreira, o grande pedagogo e latinista, de vez em quando se permitia fiscalizar, mostrando assim o interesse desta disciplina para a formação humanística dos alunos confiados à sua direcção e orientação, furam de capital importância para puder entender cm profundidade a linguagem que a carreira médica, que abraçei, me deparou. E abro aqui um parêntesis para lamentar que sendo a classe profissional a que pertenço aquela que sem dúvida, mais numerosa o qualificada contribuição tem dado às letras pátrias, nos tempos que correm, mercê, certamente do vazio que o desconhecimento do Latim cavou na pureza da língua, os médicos portugueses já por vezes, se não entendem, pois é diferente a linguagem usada de Faculdade para Faculdade.

Outra séria razão e talvez a mais importante de todas para a corrupção e desvios linguísticos é sem dúvida, a falta de gosto pela leitura, nomeadamente pela boa leitura, ou a impossibilidade manifesta de a efectuar. É de facto incomensurável o número de alunos que terminada a sua aprendizagem no ensino primário ou mesmo médio ou secundário, se divorciam dos livros, como se eles não fossem os nossos mais leais e proveitosos amigos. Bem andou por isso a grande e benemérita Fundação Calouste Gulbenkian em espalhar por esse Portugal inteiro as suas bibliotecas fixas o itinerantes que tão relevantes serviços vêm prestando à cultura, mas que precisavam de ser ainda mais procuradas e conhecidas um certos, meios, pois é desolador verificar-se o reduzido número de leitores, apesar do cuidado posto na substituição e renovação das suas valiosas colecções, na escolha dos autores e dos assuntos versados e na gama imensa das matérias oferecidas. O que