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6 DE FEVEREIRO DE 1960 3101

Tão grande é a tua valia que Camões, o épico imortal, ao colocar Vénus como representante da civilização ocidental, na defeca da gente lusitana, não hesitou em o teu prestígio aos fortes corações, à grande estrela que os nossos maiores mostraram na Terra Tingitana. E, para justificar o seu afecto às nossas, gentes, equipara o mérito das nossas armas à língua, na qual, quando imagina, com pouca corrupção crê que é a latina.

Língua portuguesa, última flor do Lúcio, inculta e bela... tuba de alto clangor lira singela... em que Camões chorou no exílio amargo ... assim te chamou Olavo Bilae, príncipe dos poetas do Brasil irmão! . . . Eu te bendigo eu te venero!...

Sr. Presidente. Srs. Deputados. Ao exaltar as virtudes da nossa língua, apetecia-me repetir aqui os versos do poeta da raça ao exaltar as nossas glórias: "Cesse tudo quanto a antiga musa canta que outro valor mais alto se alevanta mas não tenho o engenho ardente, nem pobre pigmeu, a coragem para invocar as musas para me darem o som alto e sublimado para entoar o cântico que a língua pátria merecia e que outros entoarão com melhor arte e maior talento.

Direi, porém que se a língua materna, a nossa língua, é efectivamente a última flor do Lácio, é deveras confrangedor que ela a doce geração da nossa gesta, ande por aí desfolhada e espezinhada, vilipendiada e adulterada, como se fora um trapo desprezível que se atira ao lixo e ao monturo. Sempre as flores foram objecto de requintada atenção, de carinho e amor, porque nos dão alimento para o corpo e enlevo para a alma. Zelas se consubstancia toda a beleza e toda arte, com elas se honram os vivos e os mortos, se glorificam os heróis e os santos, de adornam os altares quando prestamos o culto a Deus. Respeitemos, coma merece, a maravilhosa flor que é a nossa língua!...

Entretanto o que vemos nós?

Se nos dispusermos a observar os tratos a que quotidianamente a sujeitamos, treinemos de pavor, vergonha e indignação perante a inconsciência com que a palavra oral ou escrita é desrespeitada no mais íntimo do seu ser. E não queiram ver só na incultura a razão de ser de tal fenómeno, pois que as pessoas mais qualificadas já se não apercebem das repetidas afrontas que lhe dirigem. Os erros de pronúncia, de ortografia e de sintaxe sucedem-se com apavorante frequência e a moda essa força ditatorial que impera em tantos sectores da nossa vida. impõe-lhe novos figurinos que a desfeiam e despersonalizam. Os estrangeirismos se hoje moeda corrente na boca e mi pena de cultos e incultas, e esta devam por aí em público e raso em documentos vivos e gritantes, que ficarão a atestar a marca desta época de dessoramento de costumes.

Os órgãos de informação, salvo raras excepções, não desdenham acompanhar os vícios de linguagem e com eles os transmitem com a velocidade que hoje possuem, atingindo já pessoas e lugares ato há pouco imunes à grave endemia. Os neologismos de importação deram assim lugar aos provincianismos que ajudaram a nossa língua e que hoje são considerados anacrónicos e obsoletos. A linguagem falada e até já escrita por alguns jovens é feita quase exclusivamente por monossílabos e interjeições que lembram os grilos gentílicos que os mais velhos não entendem e que se casa perfeitamente com o gosto animalesco dessa mesma adolescência, que delira e enlouquece com os silvos, da música a que chamam moderna o que tem o som e o ritmo dos uivos da selva. E o grande mal é que as pobres das crianças, que tudo imitam e macaqueiam já começam a utilizar
a mesma linguagem, ante a tranquila passividade dos pais que por sua vez se deixam contagiar por tilo inverosímil forma de expressão.

chego por vezes, a lembrar-me que nesta era dai viagens espaciais, o homem, na sua ânsia incutida de subir, está a construir uma nova torre de Babel e vamos ter mesmo entre nós um novo castigo na confusão das línguas.

A escrita está a passar por estranha transformação, de tal forma que, u não se opor um forte dique à corrupção que a invade, nau é difícil aceitar que a gramática soja eliminada como disciplina, pois que a obediência às suas regras não se aceita nem se admite. A minuscivilização e hoje corrente até nos sectores mais responsáveis como manifestação de estética e invadiu já os próprios cartões de visita de pessoas de projecção na vida social c cultural, e. o que c mais grave, folhetos, programas e cartazes dimanados das próprias estações oficiais da informação e turismo.

A chamada poesia moderna ou abstracta, abstracta no verdadeiro sentido de distraída ou separada de qualquer ideia válida, adapta correntemente esta forma de escrita e nega-se à pontuação que efectivamente nada vale quando essa forma de pretensa poesia não passa de um amontoado de caracteres gráficos dispostos em fileira, como arremedo de vocábulos. A estética, que é por definição, a ciência que determina o carácter do belo nas produções naturais ou artísticas. Pois de não ler leis nem limitações, a não ser as impostas pela moral, mas a gramática é, um código de leis que obriga a todos, mas particularmente aos escolares, que por sua infracção. estão sujeitos a severas e por vezes, desmedidas punições. Parece não ser ousada ver em certos casos na minuseulizacão e na desordem ortográfica, que é sua companheira dilecta, propósitos subversivos, já que esta forma de escrita ofende, muitas vezes, os princípios da disciplina e do respeito pela hierarquia, valores essenciais numa sociedade devidamente estruturada.

Não valerá a pena escalpelizar por mais tempo, até porque a matéria é inesgotável, todos os vícios e mazelas de que a nossa língua enferma. Para a prevenção e tratamento destas mazelas se têm erguido as vozes mais autorizadas, propugnando medidas drásticas mas expurgo, de limpeza, higiene e profilaxia, mas tem sido até aqui em vão os gritos, de alarme e ignorados e desprezados os meios de combate ao mal epidémico.

De entre as pessoas singulares e colectivas que mais se tem debruçado sobre o magno problema c travado o mais rijo combate - guerra santa e generosa que merece o nosso incondicional apoio justo é salientar a Liga Portuguesa de Profilaxia Social, a benemérita associação nortenha criada e mantida quase exclusivamente pelo apostolado intemerato, nobre e alevantado dos meus ilustres colegas de profissão Drs. António Emílio de Magalhães e Gil da Costa, os quais, não se furtando a sacrifícios de toda a ordem, tom levado, desde há longos anos, à tribuna do prestante organismo o vivo clamor de pensadores, críticos
filólogos e mestres da literatura da estirpe dos Profs. Gonçalves Viana, Pereira Tavares e Carlota de Carvalho, Drs. Eduardo Moreira e Oscar Lopes e Adolfo Simões Müller e publicado, em separatas, a que tem dado a maior divulgação, as suas conferências, que são, todas elas, magnífico repositório de ensinamentos e remédios para a luta em que estamos empenhados,. Além disso. os directores da Liga. num trabalho que não conhece descanso, batem à porta das pessoas mais em evidência nos meios culturais do Pais e dos próprios responsáveis, num constante alerta, para