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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 173 3108

Estrangeiros e do Ultramar encarregassem uma equipa de investigadores, nacionais e estrangeiros, do levar a cabo duas tarefas complementares: indagar da expansão da língua portuguesa no Mundo, na época moderna, e fazer a história dos estudos de língua e literatura portuguesa em centros estrangeiros. Assim só preencheria uma grave lacuna nessa obra monumental, que é a História da Expansão Portuguesa no Mundo.
Assim se preencheria uma grave lacuna nessa obra, disse ele . . . ; assim diremos nós, saberíamos onde e como manter a chama que há-de preservar cada um dos pedaços deste Portugal que se repartiu pelo Mundo - o que ó imperioso fazer-se junto de tantos e tão numerosos núcleos do portugueses existentes no estrangeiro, muitos deles já com filhos que, desgraçadamente, para além do mais, já não sabem falar português. Para esses bom seria criar-lhes escolas que lhes dessem língua e, naturalmente , cultura; o para os outros estrangeiros simples amigos de Portugal, possivelmente dar maior incremento aos leitorados . . .
Que floresça e se fale ... E a língua portuguesa floresceu e falou-se. Ela está ainda, sentinela alerta em todos os continentes, a falar desta "gente ousada mais que quantas nu mundo cometeram grandes coisas".
Que senhora vá de si, soberba e. altiva ... E sempre mais ou menos soberba c altiva tem andado, que os pequenos senões que se lhe poderão atribuir em pouco nu nada a deslustram, até porque são comuns a todas as mais. E se não, veja-se, o que a respeito da francesa dizia há dias ainda Georges Pompidou, ao pedir aos funcionários públicos que não corrompessem, abastardassem ou de qualquer forma maltratassem a sua língua materna (cf. artigo sobre a "Língua Portuguesa", no Diário Popular de ontem).
Mas o passo dado tem de ser hoje, como foi sempre, incentivo e ordem para um mais além em todos os campos, e não são os problemas da casa alheia que nos devem preocupar.
Assim, que aquele seja, aqui pelo menos, obrigação bastante para não perder terreno, em pureza e em grandeza:
Língua batida na forja dos combatentes, rezada no horror dos naufrágios, língua de dor e de amor, que tem a eternidade da pedra nos padrões dos navegadores, o toque de bronze na voz imperial de Albuquerque, a humildade das pombas na lírica de João de Deus - como não havemos nós de a amar, se ela é feita do melhor do nosso sangue e da nossa glória; se ela é a mais viva expressão da nossa imortalidade; se - obra laboriosa de séculos! - tia viveu antes de nós e viverá para além um de nós; se ela é, enfim, o vínculo imortal que nos une e a voz dos mortos que nos fala?
Amor significa desvelo, devoção o fé. Assim, à razão da pergunta de um dos seus maiores cultores - Júlio Dantas - a única resposta possível é a junção de todos os nossos esforços no sentido de que, como queria o Poeta de Quinhentos tantas, vezes citado, esta "llengun de las flores", como parece ter-lhe chamado Cervantes, hoje como ontem, e amanha como sempre, por toda a parte e cada vez mais:

Floresça, fale, cante, ouça-se e rica. . .

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Vaz Pires: - Sr. Presidente: Permita V. Ex.ª que antes de dar início às minhas brevíssimas palavras sobre a defesa da língua portuguesa apresente a V. Ex.ª os meus mais respeitosos cumprimentos e signifique a V. Ex.ª todo o meu apreço, toda a minha consideração , e toda a minha estima.
Quero agora cumprimentar os ilustres Deputados avisantes, Dr. Elísio Pimenta e José Alberto de Carvalho, que em boa hora trouxeram à discussão nesta Assembleia um assunto que certamente interessa a todos os portugueses conscientes da posição singular de Portugal no Mundo, da sua história de longos séculos, da sua literatura de projecção universal e da sua língua de riqueza invulgar, veículo do pensamento e instrumento da acção que tornaram possível aquela posição única de Portugal no concerto das Nações.
Defender a língua portuguesa significará, pois, defender Portugal, amparar a sua literatura, contribuir para o seu prestígio e acautelar o destino da Nação com história tão bela que provoca a inveja do potências que se dizem grandes, mas que, inevitavelmente, se sentem pequenas perante nações pequenas de história grande.
Defender a língua portuguesa será, pois, não sujeitá-la u moldes rígidos - isso seria negar-lho a vida -, mas, pelo contrário, amparar e orientar a sua evolução como realidade viva que é, em permanente mutação, adquirindo elementos novos de significado palpitante e deixando perder elementos já gastos e desbotados, os quais, por terem perdido o poder de expressão, se tornaram perfeitamente dispensáveis; é que os fenómenos "neologismo" e "arcaísmo" são comuns a todas as fases da evolução de uma língua viva.
Defender a nossa língua será, pois, orientar a sua evolução como realidade viva que é, com uma fonética que faz lembrar, até ao mais pequeno pormenor, a vida de uma sociedade organizada, constituída por elementos que lutam constantemente pela defesa dos seus interesses. Sim, porque uma língua viva é um perfeito convívio de sons, nas fortes, outros fracos, uns dominadores, outros dominados. Neste convívio há sons que se atraem; há sons que se repelem; há sons que influenciam; há sons que sofrem influência; há sons que se casam; há sons que só separam; há sons que se atacam; há sons que se aniquilam; há sons que se engrandecem; há sons que enfraquecem; há sons que se perdem; há sons que mudam do posição: há sons que se dividem; há sons que se dilatam; há sons que permutam: há sons que se gastam; há sons que se tomam ásperos; há sons que se tornam brandos; há sons que se alongam: há sons que se abreviam: há sons que nascem; há sons que morrem.
Defender a língua será assistir a este convívio multifacetado de sons e ampará-lo na sua realização, na certeza de que uma língua, enquanto for viva, progredirá sempre, evoluirá sempre e caminhará sempre para a simplificação, pois as palavras no uso de todos os dias têm destino igual ao das pedras que a corrente arrasta: em permanente movimento, desgastam-se, perdem arestas, adquirem formas novas cada voz mais simples e mais pequenas.
Daí a sem-razão de alguns brasileiros que afirmam que nós pronunciamos mal o português e pretendem que a palavra "esperança", por exemplo - assim pronunciada "Isprança" -, deve ser "êsspêrança", amarrando-a ao seu estado primitivo e impedindo-lhe a evolução; talvez na suposição de que a palavra existe nu escrita e que a sua pronúncia dependerá da grana, quando é certo que, como é evidente, a palavra vive ao ser falada ou cantada, e a escrita não passa de um registo sem vida o mais ou menos imperfeito. Tal atitude assemelha-se aquela outra