DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 177 3170
A primeira das alterações que agora se preconizam é a do artigo 272." do Código de Processo Penal, aditando-lhe três parágrafos, que constituem os elementos indispensáveis à sua rigorosa aplicação.
O corpo deste artigo já tinha a expressão de que:
Ninguém será conduzido a prisão, ou nela conservado, se oferecer caução idónea, quando a lei a admite, ou provar a sua identidade e assinar o respectivo termo, nos casos em que pode livrar-se solto sem caução.
Normalmente, só é permitida a detenção do arguido depois de organizado o respectivo processo e do nele estar proferido o despacho de pronúncia, este baseado nos elementos colhidos durante a instrução, pelos quais o juiz pode aquilatar das probabilidades de uma condenação ou prisão efectiva, e nestes casos existe a culpa formada contra o arguido, que justifica a sua detenção ou prisão preventiva.
Além disso, a lei admite a detenção em flagrante delito, e também sem culpa formada fora de flagrante delito, nos muitos casos mencionados nos && 3.° e 4.° do artigo 8.º da Constituição Política e artigos 250.° e 254.º do Código de Processo Penal.
Em qualquer das hipóteses referidas, quer a detenção ou prisão preventiva se efective em flagrante delito, quer fora dele quando n lei a admite sem culpa formada, quer depois de proferido o despacho de pronúncia, quase sempre é permitido ao indivíduo livrar-se solto, com caução idónea ou mesmo sem ela, conforme os casos, que sem prestada perante a autoridade competente.
Mas acontece muitas vezes que essa detenção ó levada a efeito nas vésperas ou nos próprios dias de domingo ou feriado, quando os tribunais se encontram legalmente encerrados, obrigando assim os detidos a aguardar sob prisão, durante um ou mais dias, o primeiro dia útil, para prestarem caução ou provarem a sua identidade, sem que se possam livrar daquele vexame, especialmente nos casos em que se pode verificar a sua inocência ou a possibilidade de cumprirem em liberdade a pena que porventura lhes possa vir a ser aplicada.
Para evitar tais inconvenientes, e porque só pretende assegurar a imediata libertação do detido, nos casos em que o pode ser, a proposta em discussão vem aditar três parágrafos àquele artigo 272.°, ficando assim assegurada a imediata libertação do detido, nos casos mencionados de infracções culposas, e até dolosas de reduzida gravidade.
Exceptuam-se, como não podia deixar de ser, os delinquentes de difícil correcção, os vadios ou equiparados, os libertados condicionalmente, de identidade desconhecida ou os indocumentados para o exercício da actividade de que resultou o facto ilícito, que não serão libertados com a mesma facilidade.
Determina o § 2.ª que só pretende aditar que antes da libertação do detido deveria proceder-se à apreensão do instrumento que serviu à prática da infracção, mas tal expressão não se ajustava a todos os casos, e por isso mereceu, e muito bem, a sugestão da Câmara Corporativa, dando-lhe uma nova redacção em que se emprega a expressão "poderá proceder-se à apreensão", prevendo as muitas hipóteses em que tal apreensão não deverá realizar-se.
Na verdade, são frequentes os casos de acidentes de viação em que nem sempre se poderá averiguar desde logo o grau de responsabilidade de cada um, razão por si só suficiente para não ser obrigatória a apreensão do veículo, até porque algumas vezes as consequências do acidente não justificavam essa apreensão.
De igual modo, pretende-se com esta proposta de lei acelerar a justiça no sentido de a tornar mais perfeita, mais adequada a época em que vivemos, indo ao encontro da vontade dos arguidos e dos ofendidos, que vivem em permanente ansiedade de que lhes seja feita justiça com a maior brevidade.
De certo que a máquina judiciária tem sido aperfeiçoada e ampliada pelo Governo, de modo a poder ser considerada como eficiente e rápida na aplicação da lei, mas o excesso de serviço que sobre ela impende, resultante do aumento da população e de vários factores da actual vida social, não permite satisfazer as exigências sempre crescentes da sociedade humana.
Torna-se por isso necessário e útil simplificá-la ainda mais na sua actividade quotidiana, já que não será fácil por agora ampliar mais os seus quadros c criar novas comarcas, como se fez ainda há pouco tempo.
Os magistrados dos tribunais são competentes e dignos, profissionais incansáveis que não limitam as suas horas de trabalho ao horário legal do qualquer funcionário público, mas sim as exigências do serviço, que os ocupa de dia e de noite. Para que continuem a dignificar a justiça, com a sua experiência e bom senso, não podemos improvisá-los, mas sim dar-lhes o tempo necessário para adquirirem os conhecimentos indispensáveis ao exercício da alta função de julgar o seu semelhante, c daí o não ser fácil ampliar desde já os seus quadros.
O disposto no artigo 501.º do Código de Processo Penal não satisfaz a celeridade da vida processual, com a exigência de quesitos separados para cada um dos réus, quando a verdade é que existem muitos casos nos tribunais em que se julgam simultaneamente dezenas de indivíduos acusados no mesmo processo, em que há factos comuns a vários ou até a todos eles, razão por que não deve obrigar o juiz a repetir os mesmos quesitos, que por vezes são em número elevado, mas sim dar-lhe a faculdade de os formular em conjunto, relativos a factos comuns a vários réus.
Evita-se deste modo uma repetição inútil de serviço e ganha-se muito tempo aos magistrados e aos funcionários, que podem ir trabalhar noutros processos, com a vantagem para o réu de diminuir o tempo e o sofrimento em que se encontra à espera de uma sentença, que não sabe se irá absolvê-lo ou em que medida o condena.
Dentro desta mesma proposta, outra alteração satisfaz a nossa boa índole de portugueses cristãos, ao serem elevados ao dobro os valores referidos nos artigos 427.º e 430.º e § 1.° do artigo 472.º do Código Penal, e ao décuplo os valores referidos nos n.ºs 1.º a 4.º do artigo 472.º do mesmo Código.
Na verdade, já não era admissível que o arguido pudesse ser condenado, a prisão até um ano por ter furtado uma coisa de valor inferior a 3000$, quando é certo que esto quantia já não tem a mesma correspondência que tinha em 1946, quando ali foi fixada.
O autor do furto de um objecto que em 1946 tinha o valor de 5000$ estava sujeito nessa data à penalidade máxima de um ano de prisão, enquanto que hoje poderia ser condenado cm dois anos de prisão correccional ou em mais de dois anos de prisão maior, em relação ao mesmo objecto, que hoje seria avaliado em 20 000$ ou em maior quantia.
O mesmo acontece em relação ao crime de dano previsto pelo artigo 472.º do Código Penal, em que os valores fixados como limite mínimo são de tal modo insignificantes que o arguido pode ser condenado na pena de prisão até dois anos se o valor do prejuízo for superior e 1 000$ e na pena de prisão até três meses se for inferior a 100$.