3220 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180
Começou a trabalhar na cartografia ultramarina em Timor, no ano de 1898. Tarefa difícil em si mesma e mais difícil ai]ida pelo ambiente em que decorria.
Em Moçambique procedeu à delimitação das fronteiras entre a província e a British Central África, demarcando a fronteira de Tete e efectuando a triangulação geodésica desde a fronteira sul até ao Barotse.
Nos seus trabalhos em Angola tem particular interesse a demarcação da fronteira entre a província e a Rodésia, que então abrangia a actual Zâmbia.
Finalmente, ocupou-se do arquipélago de S. Tomé, onde fez a triangulação geodésica com o habitual rigor.
Gago Coutinho prestou serviço durante vinte anos nas províncias ultramarinas, demarcou mais de 2000 km de fronteiras, com duas travessias da África Central. Este sumaríssimo relato representa, evidentemente, uma ténue imagem do que foi o seu labor de geógrafo. Mas se no? lembrarmos daquela África de selvas densas e bravias, povoadas de animais selvagens e de tribos primitivas; daquela África de desertos, pântanos e savanas sem fim; daquela África de chuvas diluvianas e secas abrasadoras; laqueia África do paludismo e da doença do sono, sentiremos melhor o que foi a epopeia de Gago Coutinho calcorreando milhares de quilómetros a pé, sob um sol ardente, ou envolvido em neblinas geladas, marchando em aveias escaldantes, ou atascando-se em tremedais, dormindo em barracas e ao relento, para que as sagradas fronteiras portuguesas ficassem ao abrigo de apetites alheios insaciáveis:.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: No âmbito da aviação, quando se fala de Gago Coutinho temos logo de nos referir a Sacadura Cabral, pois os dois nomes ficaram indissoluvelmente ligados pelo feito assombroso do voo transatlântico.
Sacadura Cabral sabia bem qual era a grande cultura matemática e astronómica do seu prestigioso camarada e reconhecia-o entusiasmado com a aviação desde que em 1917 lhe proporcionara o baptismo do ar.
Ambos pensavam que a navegação aérea só teria sentido prático se fosse efectuada cientificamente. A altura a que norma mente se voava, o horizonte do mar não poderia ser utilizado nas observações astronómicas. Era preciso resolver este problema. E Gago Coutinho resolveu-o, adaptando um nível de bolha de ar a um sextante naval. Surgira assim o embrião do que viria a ser o sextante Gago Coutinho, depois utilizado nas grandes viagens aéreas, tanto de dia como de noite, em dirigíveis e aviões.
Com o seu espírito de verdadeiro homem de ciência, Gago Coutinho não se satisfez com a descoberta e a construção do seu sextante. Procedeu a sucessivas e numerosas experiências em terra, no mar e no ar, em curtas viagens, antes de afirmar categoricamente a sua eficiência. A navegação aérea marítima tinha, porém, outras exigências que levaram Gago Coutinho a estudar com Sacadura novos métodos do «cálculo do ponto» e destes surgiu o «corrector de rumos». Para provar a eficácia dos seus instrumentos e processos efectuou-se a viagem oceânica Lisboa-Funchal, onde se comprovaram com rigor prático os métodos ensaiados.
As águias (estavam agora preparadas para desferir mais largos voos. Sacadura Cabral e Gago Coutinho passaram a estudar objectivamente o sonho acalentado havia anos - a travessia atlântica de Lisboa ao Rio de Janeiro. A travessia apresentava-se de um alcance extraordinário, pois a viagem, na hipótese de êxito, traria para o País posição de prestígio no campo internacional, concorreria para cimentar a amizade luso-brasileira, dado o campo emocional criado, e serviria ainda de agente dinamizador de entusiasmo e energias internas.
As esferas governamentais auxiliaram o empreendimento, autorizando a compra do hidroavião, a que foi dado o nome de Lusitânia, e em 30 de Março de 1922 Gago Coutinho e Sacadura Cabral erguiam-se no espaço.
Descrever a façanha épica? Para quê, se ela ainda vive na memória dos já idosos que a ela assistiram é dos mais novos que não podiam ficar indiferentes ante os relatos escutados e as vibrantes páginas que a historiaram!
Mas há pontos capitais que devem ser recordados. O motor do avião, contra a expectativa resultante das experiências iniciais, consumiu durante as primeiras etapas mais gasolina do que a calculada, tornando impossível o percurso directo de Cabo Verde à ilha de Fernando de Noronha. Nestas condições, ou tinham de desistir da viagem ou procurar um ponto recuado da rota para o reabastecimento. Só havia os Penedos de S. Pedro e S. Paulo, que, pelas suas reduzidíssimas dimensões (cerca de 200 m), não davam qualquer abrigo e, consequentemente, o reabastecimento carecia de ser feito por um navio.
Procurar encontrar em pleno Atlântico um ponto perdido na imensidade, afastado mais de 900 milhas, após horas e horas de voo, com base numa navegação aérea ainda em fase experimental, constituía jogar decisivamente a vida.
Mas Coutinho e Sacadura confiavam nos seus métodos. Puseram superiormente a questão e o Ministro da Marinha deu-lhes inteiro apoio, pelo que o cruzador República foi mandado para os Penedos de S. Pedro e S. Paulo, como base móvel logística.
Gago Coutinho e Sacadura Cabral haviam partido de S. Tiago em 18 de Abril de manhã cedo e chegado aos Penedos de S. Pedro e S. Paulo após 11 horas e 21 minutos de voo, percorrendo 908 milhas, só com mar e céu à vista, baseando a navegação em dezenas de observações astronómicas!
A excelência e o rigor dos métodos estavam sobejamente comprovados. Os aviadores só consentiram em abandonar o avião, que, pelo estado do mar, se afundava, depois de salvarem os instrumentos, a documentação e Os Lusíadas!
Novos meios foram postos à disposição dos heróis, que, depois de grave perigo na etapa dos Penedos a Fernando de Noronha, amararam triunfalmente na baía de Guanabara em 17 de Junho de 1922.
Sr. Presidente: Desnecessário é encarecer o entusiasmo, a vibração popular que despertou a primeira travessia do Atlântico de norte a sul, de Lisboa ao Rio de Janeiro, em Portugal e no Brasil.
Recepções, espectáculos de gala, sessões solenes, manifestações populares, que enchiam ruas e praças, num trovejar de vivas e no tremular de centenas de bandeiras, consagraram os heróis do épico feito, aquém e além Atlântico.
A grã-cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito foi-lhes concedida. A Academia das Ciências de Lisboa fez. de Coutinho e de Cabral seus sócios efectivos e as Universidades de Lisboa e Porto conferiram-lhes o grau de doutor honoris causa.
Dada ainda a grandeza do seu feito, que, além da coragem revelada e do mérito científico, trouxera para o País prestígio, foi o capitão-de-mar-e-guerra Gago Coutinho promovido por distinção ao posto de contra-almi-