27 DE NOVEMBRO DE 1970 1013
das aulas a nitidez de propósitos, a refrescante segurança, a precisão das regras de conduta que acabavam de surpreender o País.
Fomo-nos fazendo miais homens enquanto renascíamos para a esperança e logo a trocávamos por claras certezas de acção profícua; vendo novas perspectivas alargarem-se-nos ante os olhos, em verdade «atónitos e felizes, de tanto noa haver a decadência habituado a tê-las por impossíveis»; abrasados no andor sadio da luta conífera velhas fraquezas e no calor, dos êxitos; costas voltadas à apagada e vil tristeza de longos anos, conscientes das forças reavivadas, tomávamos Salazar por guia e fiávamos dele os anseios de mais e melhor! Os sedentos de seriedade e justiça, princípios de ordem a parte, verdadeiros contestadores desse tempo, em grande número se tornaram seus adeptos; e nem admira, pois a escassa dignidade da vida pública não fora para atrair espíritos idealistas.
Doutrinariamente já inclinado a aderir aos seus princípios, o êxito prático deles confirmava-me a autoridade de homem tão excepcional como fonte de bem público, e depressa me prontifiquei a apoiá-la, vencendo o pouco gosto da opção política, como seu remoto colaborador em postos modestos, mas não repousados, onde procurei, muito por essa intenção, ser prestável durante quase exactamente trinta e três anos.
Se o desfecho mão procurado foi a honra de me sentar perante VV. Ex.as, tão francamente como suputei, certo dia, que sob a autoridade do Presidente Salazar não teria subido a esta cadeira - presunção imodesta que não exprimia tanto desapego do governante como um conceito da sua informação-, do mesmo modo confessam que apenas a dedicação ao essencial da sua obra, culminando na esperança de a ver renovada na continuidade, me trouxe tão perto.
Estas retrospecções, mero testemunho pessoal oferecido à instrução do processo riquíssimo, não as tomem, como nostalgia de quem antolha o declive da vida e procura remoçamento ou desculpa em passados entusiasmos; são, sim, os fundamentos da declaração, que ora faiei, de que olhar para trás não me torna repeso nem da confiança inicial, nem da fidelidade subsequente.
Decerto afrouxou a corrente primeira de reformas enérgicas e ousadas que com perfeita propriedade autorizaram o Professor Salazar a qualificar-se de chefe de uma revolução; era isso fatal, pois a administração da causa pública, como dos negócios privados, lançadas as directrizes, não se foz a golpes quotidianos de novidades. Estabilizada a marche no caminho escolhido, o que cumpre é estar atento aos incidentes ou acidentes, do percurso, e manter as condições de atingir as alvos fixados, ou corrigidos; e o que importe é a capacidade de vencer aqueles e conservar o fito nestes.
Decerto, também, em tão longo percurso, não faltaram ocasiões de duvidar, até de temer, e mesmo de discordar; mas, ou os factos dissiparam apreensões, ou a razão mostrou prevalecerem os motivos de aplauso. Já está dito: o saldo positivo é enorme!
Consoante as inclinações dos espíritos, os pontos de observação, o desenvolvimento das análises, na obra que estamos evocando muitas e diversas facetas merecem enaltecimento, e por distintas avaliações se poderá concluir.
Porém, sendo essa obra de estadista, e estadista investido no mando supremo, sobrelevará considerar como se houve ele nas decisões máximas da governação.
Pela longura do exercício e acidentado dos tempos, é demais sabido, Salazar foi repetidas vezes chamado a resolver, na contingência de desastres irreparáveis, quando do seu bom juízo dependeriam os mais essenciais destinos do País e a própria segurança física da população. Crises desta gravidade, qualquer enumerará várias, logo as ligando a estados de guerra que nos circundaram ou feriram; mas quantas outras se terão apresentado no silêncio dos gabinetes, isso será reserva que só o tempo quebrará, se n fio ficou com quem a morte já levou.
Publicadas ou não, crises tais requereram decisão sob pressões as mais fortes, informações as mais inseguras, perspectivas as mais obscuras, urgências as mais imperativas, contra vontades dos mais exigentes e entre choques de pareceres os mais opostos. Que em tão temíveis conflitos de alma e de inteligência a visão se toldasse, a coragem vacilasse, e a conclusão finalmente errasse, seria apenas humano; e dez, vinte, trinta anos depois poderiam os mestres de obra feita, julgando descansadamente os acontecimentos, emitir displicentes suas críticas, que nem então todos os escrupulosos as subscreveriam, por respeito às dificuldades dos casos.
Mas que dez, vinte, trinta anos depois de tomadas opções tão difíceis, em circunstancias tão desfavoráveis, nem uma só dessas decisões cruciais do Presidente Salazar se não haja confirmado senão como lúcida e prudente; que nenhuma haja, no domínio, comprometido a integridade nacional e os destinos portugueses, aqui haveremos de marcar, Srs. Deputados, porventura o máximo direito do estadista ao apreço e reconhecimento da nossa e das vindouras gerações.
Virtude transcendente também é de atribuir ao efeito da sua gerência habilíssima que foi restituir ao País confiança nas forças próprias, fazendo-o exercitá-las.
Quem releia os comentadores da vida nacional dos três quartos de século que mediaram da consolidação do constitucionalismo monárquico à queda do democratismo republicano, ainda que ponha de lado as páginas dedicadas à crítica de políticas absorvidas no manejo das máquinas eleitorais, quando não de arruaças complementares, para se esgotarem em influências de baixo alcance, encontra invariavelmente o fio do desalento geral a entretecer-se na saudade das glórias passadas, que só alguns heróis da ocupação africana lá longe repetiam; e a pintura de uma sociedade sem posses a deliquescer na morneza de uma vida sem horizontes. Eça, Ramalho, Oliveira Martins, Fialho, João Chagas, quantos mais? O que nos deixaram foram histórias de ilusões perdidas, de sonhos abafados pela mesquinhez ou vacuidade dominantes, de degradação do património artístico e moral, escrevendo-as com penas molhadas no desgosto e na reprovação.
Veio Salazar; e, se a ganga das fraquezas humanas não foi eliminada, todavia a habilidade da sua gerência e a pertinácia da sua vontade souberam concentrar o País em acções positivas; mostraram-lhe recursos despercebidos e fizeram-no aproveitá-los; realizaram aspirações que durante decénios, se não séculos, haviam sido veleidades; propuseram-lhe temas exaltantes: do saneamento das finanças e estabilização do Governo à criação de infra-estruturas do progresso económico, criaram-lhe as condições de tomar terras mais avançadas já não como as miragens inauferíveis de outrora, mas como modelos que se impacienta de não igualar. E se os escritores de hoje não são mais apologéticos do poder constituído do que foram os seus antigos, tiveram de transferir para domínios menos concretos o forte das discordâncias.
Este reencontro Ida Nação com os suas energias profundas é outro grande legado do Presidente Salazar, que assim lhe terá deixado, com a integridade salva de conflitos tremendos, confiança em si mesma.