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DIÁRIO DAS SESSÕES N. 51 1060

guês, sentindo na própria carne as afrontas e as injustiças cometidas contra Portugal.

Sabe-se que nunca fui patrioteiro, que não aderi nem adiro a psicoses nacionalistas mais ou menos doentias, que não aceito monopólios de verdade, nem "unidades nacionais" fabricadas a custa de mordaças ou imposições. Amo o meu país com a paixão própria de um filho, mas com o discernimento forjado pela inteligência, pela cultura e pelo enquadramento na sociedade e na época em que vivo. Amor ao País tão firme, mas tão consciente que não é de molde a que se obnubile a clareza do raciocínio, se afrontem as regras da lógica, se deturpem os próprios factos, se escamoteie a realidade, no intuito de poder extrair conclusões somente válidas para deleite próprio ou mistificado consumo interno. Amor ao País que torna possível - uma vez proclamado o estado de espírito que me domina - partir de um contexto em que os factos sejam respeitados e as premissas não se apresentem adulteradas capciosamente, de molde a demonstrar que a razão de Portugal, tão escassamente reconhecida, pode ser validamente oposta e sustentada face a maioria que domina o areópago internacional.

Afigurou-se-me que teria de começar assim, porque devo a todos quantos me elegeram e àqueles que se sentam nas bancadas da Representação Nacional o testemunho autêntico do meu esquema de pensamento e actuação. Cícero haveria de acrescentar: a vós, agora, de me condenar ou absolver l

Sr. Presidente: A Câmara há-de sentir um mínimo de curiosidade na audição do depoimento de quem terá surgido em determinada altura aos olhos de uns tantos como incómodo arauto de rumos diversos daqueles que oficialmente houve por bem seguir-se.

Perdem-se, todavia, na poeira das minhas recordações as injustiças de que possa ter sido vítima, a ponto de sentir o necessário à - vontade para solicitar que me seja consentido voltar a página definitivamente, na certeza irreversível de que não podem ter estado nunca validamente em causa o meu amor a Portugal e a minha dedicação ao ultramar português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Ao decidir-me a solicitar a palavra, com o fim de versar o tema "Portugal e as Nações Unidas", interroguei-me sobre qual deveria ser a maior incidência das minhas considerações. E concluí que talvez tivesse algum interesse esboçar ante a Assembleia uma tentativa de explicação e resposta para as dúvidas e perguntas que, não raro, perturbam a tranquilidade de consciência política de muitos portugueses:

Por que vota contra Portugal a esmagadora maioria dos países representados na O. N. U.?

Não seria possível, mediante u na acção diplomática mais interna, ou a ravé de qualquer outro processo, modificar sem [...ilegível...] estado de coisas, de que resul a um, pelo [...ilegível...], aparente isolamento internacional?

O "processo" das Nações Unidas está feito.

Produto do idealismo norte-americano do pós-guerra, a organização nasceu com o fim de transplantar para a ribalta internacional as práticas da democracia americana. Integrada, porém, a União Soviética no grupo dos nações vencedoras, lego aí se iniciou o equívoco que haveria não só de perdurar, mas até de vir a acentuar-se com o decorrer do tempo. Esculpidas ao sabor da democracia, como símbolo reluzente da vitória desta sobre a ditadura, as Nações Unidas começaram por albergar no seu seio o mais feroz e inequívoco exemplo de governo tirânico que alguma vez imperou sobre a face da Terra; constituídas a sombra das bandeiras desfraldadas pêlos "ventos da história", admitiram como membro permanente do seu Conselho de Segurança o mais implacável e porventura o maior de todos os imperialsmos; nascidas no dealbar da chamada libertação dos "povos oprimidos", reconheceram como pedra fundamental do seu xadrez o mais flagrante exemplo de colonialismo que a história regista. Com tamanhos vícios a nascença, as Nações Unidas haviam de não mais saber ou poder libertar-se do seu "pecado original".

A fórmula mágica que os Americanos cultivam quase religiosamente, one man one voto, foi trasladada para a organização internacional, cobrindo de ridículo ou falseando resultados de votações, em que países com menos de 500 000 habitantes surgiam no areópago internacional com expressão idêntica à de impérios albergando centenas de milhões!

Mas não eram só os "princípios" que os Norte-Americanos pretendiam conservar e homenagear: convictos de que a pulverização de Estados das Américas Central " do Sul sempre lhes haveria de proporcionar o domínio numérico da Assembleia, limitaram-se a conceder - ao arrepio do tal princípio ono state one voto - o direito de veto aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança. A Baseia não deixou os seus créditos por mãos alheios, e, enquanto aguardava que o despertar rios povos colonizados . . . pêlos outros, balcanizasse a África e a Ásia, foi tornando (praticamente sinónimas as duas palavras Dão parecidas, mas de significado quase oposto: o voto e o veto . . .

Com a estrada de todo esse mundo novo, o desequilíbrio dos blocos desfez-se e a América do Norte para não perder completamente o controle da organização - teve de passar a preocupar-se com o sentido dos votos dos novos Estados que as Nações Unidas iam acolhendo . . .

Entretanto, o Ocidente ia-se retirando da África e da Ásia, não só porque a resistência militar contra os frémitos de independência lhe seria penosa e a guerra contra as potências do Eixo o havia deixado exaurido, como também porque sentia e sabia que já havia explorado suficientemente as terras e as gentes que colonizara.

Quer isto dizer que, além de se ter retirado, o Ocidente fê-lo com um complexo de culpa cujo palco não podia ter mais feliz localização do que os auditórios da O. N. U. E ninguém admitiu ou quis admitir que, pelo menos relativamente a Portugal, a realidade fosse diversa e não houvéssemos de seguir exemplos alheios gerados à sombra de circunstâncias que de forma alguma eram as nossas.

Esteva criado o caso português; aí se insere e então se inicia a mais rude e não sei sã a mais decisiva batalha diplomática da nossa história.

Penso que dentro do contexto que acabo de esboçar - e que a minha recente experiência terá ajudado a tomar mais vivo - não será difícil à Câmara um ligeiro esforço de compreensão no sentido de situar autenticamente a posição de Portugal nas Nações Unidas e mo xadrez político internacional, ambos porventura, nuas erradamente considerados idênticos quando são inteiramente diversos.

É claro que não pode deixar de impressionar os Portugueses - sejam os poucos a quem é dada a possibilidade de conhecer e de participar ma vida da Organização, se jam aqueles que apenas pêlos órgãos de informação ou outras fontes acompanham a actividade da O. N. U. -, não pode deixar de os impressionar a expressão das votações que surgem a fustigar as mais variadas resoluções condenatórias daquilo a que lá se chama "a política colonial portuguesa".