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4 DE DEZEMBRO DE 1970 1063

nome da Assembleia, transmitir ao Governo os votos expressos pelo Sr. Deputado Oliveira Dias. Vão ser lidas as suas conclusões.

Foram lidas.

Consultada seguidamente a Câmara, foram aprovadas.

O Sr. Miller Guerra: - Sr. Presidente: Consta que se projecta a construção de um novo hospital em Lisboa. É caso para nos congratularmos, porque as carências são cada vez maiores: em primeiro lugar, pelo aumento das necessidades médicas; em segundo lugar, por diminuição da rentabilidade dos hospitais.

Não é, porém, a análise do estado das instituições hospitalares que motivou esta intervenção. Tencionamos versar a matéria Desenvolvidamente ainda nesta sessão legislativa. Com efeito, mau grado as diligências feitas no passado, as que se tentam no presente e aquelas que se anunciam, a assistência dos hospitais preocupa todos os que por necessidade ou profissão os frequentam.

Aproveitando o ensejo proporcionado pelo hospital que se projecta, tecerei considerações acerca do ensino da medicina, concluindo por um alvitre dirigido a quem de direito, ou seja às entidades governantes.

Presentemente tende a abandonar-se a noção de hospital escolar, porque a função de ensino é comum a todos os hospitais, desde que possuam determinadas características. Ã. função assistencial primitiva somam-se funções educativas e de investigação como tarefa normal, e não se compreende que se construa um hospital de categoria que se não consagre simultaneamente ao progresso cientifico, à assistência e ao ensino.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em suma, pode afirmar-se que o papel dos hospitais modernos consiste na transmissão e pesquisa do conhecimento e na sua utilização completa, ou, segundo a fórmula habitual, no tratamento, ensino e investigação.

Este enlace da teoria com a prática observa-se no currículo médico e prolonga-se, fortalecendo-se, ao longo da carreira profissional. Daqui decorrem duas consequências: a primeira, é que não se faz bom ensino da medicina em maus hospitais; a segunda, corolário da desta, é que o mau ensino prepara médicos medíocres, e estes, por sua vez, reflectem as suas insuficiências nos hospitais. Assim se estabelece um círculo vicioso, no qual, felizmente, ainda não calmos, mas que infalivelmente nos espera se se não interrompe a marcha da decadência.

Não merece a pena repetir o que disse no aviso prévio que apresentei a esta Assembleia em Abril passado sobre as Universidades tradicionais e a sociedade moderna.

Peço licença para recordar os pontos essenciais: o desproporcionado número de alunos em relação ao corpo docente, às instalações, ao equipamento pedagógico e aos meios financeiros, precipitou catastroficamente a crise que estava latente no ensino superior. Hoje os alunos formam multidões compactas nos anfiteatros, cuja capacidade foi há muito excedida; acumulam-se no teatro anatómico e nos laboratórios, disputando um lugar incómodo; e, pior que tudo isso, invadem as enfermarias e as consultas, onde o objecto de estudo não é o cadáver, a peça anatómica, a preparação histológica, mas seres humanos que generosamente prestam a sua colaboração ao ensino. Aqui, o caso muda de figura: além da questão pedagógica banal, levanta-se um problema ético. O ponto é delicado em extremo e não o desenvolvo por motivos óbvios; mas não prescindo de o assinalar para que se veja o estado a que chegou o ensino da Medicina.

Se todos os estabelecimentos universitários suportam o efeito das improvidências e dos erros passados, no que respeita a modernização e planeamento a Faculdade de Medicina suplanta os demais, em virtude de os prejuízos atingirem ao mesmo tempo o campo universitário e assistência! Já não bastava o mau ensino, era preciso que o prejuízo molestasse os que nada têm a ver com isso - os doentes que esperançadamente procuram os hospitais.

Continuemos. É de sobra conhecido que a medicina experimentou nas últimas décadas um avanço prodigioso. Este surto é simultâneo com o desenvolvimento geral.

A elevação do nível de vida, a extensão dos seguros sociais e a intensificação das aspirações e expectativas aumentou grandemente as necessidades médicas, e daí vem a afluência aos serviços de saúde. Para responder à pressão social e ao progresso das ciências médicas operou-se a transformação dos hospitais nos países avançados, transitando de instituições artesanais para "empresas hospitalares". As principais características são as seguintes: concentração dos meios humanos e materiais, eficiência, rentabilidade, planeamento, predomínio da investigação e procura das soluções inovadoras sobre as práticas e comportamento tradicionais.

Ora, DÓS não acompanhávamos o movimento modernizador ou, melhor dizendo, acompanhámo-lo no que tem de mais fácil e espectaculoso: a construção de hospitais.

Dos elementos propulsores da medicina cuidou-se mal: pouco e, sobretudo, com intercadências e atrasos. Passa-se isto numa época em que o factor humano e científico ocupa- lugar. O resultado da contradição enfare o período de progresso que a medicina atravessa e os limitados meios de que dispomos tornou mais flagrantes as deficiências. Ë preciso agora encarar os tarefeis difíceis da reforma que bem sido diferida - mudar os hábitos e os processos de trabalho, quebrar as resistências, abrir caminhos, meter ombros à grande empresa modernizadora.

Estamos persuadidos de que este desiderato só se alcança no caso die se fundarem hospitais modernos, que incluam também funções educacionais. Os antigos hospitais escolares, por causas e motivos que examinámos noutra altura, suo refractários à reformação. Dizendo de outro modo: as instituições universitárias não se auto-reformam, o que não significa, está bem dei ver, que sejam incapazes de se modificar. Parece-nos, todavia, com proves assente ma história e na- actualidade, que é necessário uma força estimulante externa (a sociedade, o Estado, uma fundação poderosa) que as obrigue a modernizar. Esta é condição sine qua non. A outra é possuírem forças internas (grupos de docentes e discentes) capazes de tomar a iniciativa, dinamizando-os por dentro.

Em qualquer das nossas Faculdades existem pessoas e grupos renovadores, mas são impotentes contra a inquebrantável resistência dos comodistas e conservadores, bem defendidos pelas estruturas tradicionais. O sistema domina sem custo os desejos, a vontade e as iniciativas. Pode consentir pequenas alterações sem alcance, que não modifiquem nem ameacem o statu quo, mas não vai além disso. E o pior é modificações deste teor criarem. a ilusão de se estar reformando, quando, na verdade, se está apenas restabelecendo o equilíbrio perturbado.

A Faculdade de Medicina de Lisboa, que se debate com angustiosas carências de instalações e de meios, pediu uma nova Faculdade há algum tempo. Porém, os seus intentos parece estarem contrariados, porque se vai dar outro destino ao antigo edifício do Campo de Santana. É claro que o reinstalação de parte dos serviços na antiga Faculdade não resolvia as dificuldades, mas atenuava-as.