12 DE DEZEMBRO DE 1970 1135
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto não pode continuar assim!
Os desastres ferroviários sucedem-se, as mortes avolumam-se e a desgraça enegrece maior número de famílias.
Há poucos meses a Providência. Divina não permitiu, perto de Sabóia, a ocorrência de desastres mortais, mas ontem, meus senhores, aqui perto de Lisboa, a hecatombe deu-se.
A morte ceifou para cima de duas dezenas de vidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os mortos que tombaram impuseram-me estas palavras e que exigisse à C. P. e ao próprio Governo uma actuação pronta e enérgica que evite a repetição de tragédias semelhantes.
Isto não pode continuar assim!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pio Fernandes: - Sr. Presidente: Dentro e fora fronteiras é conhecida a vocação dual de Moçambique para a agricultura e a pecuária, com os seus grandes espaços, a sua ecologia favorável, a diversidade de condições geoclimáticas e outros factores que tornam aquela província propícia a uma variedade de culturas e à criação animal em grande escala.
Embora alguma coisa se venha fazendo no sentido de se aproveitar esse potencial, não exageramos quando afirmamos que, perante as enormes perspectivas que a província oferece para o abastecimento interno e do mercado nacional e até para exportação, ainda nos encontramos no primórdio do seu aproveitamento e, consequentemente, continuamos crònicamente a importar centenas de milhares de contos de produtos para consumo, desperdiçando no estrangeiro valores que de outra forma poderiam estar enraizados na terra, envigorando e enriquecendo a nossa própria economia.
Ao contrário do que vem acontecendo, cremos que num escalão de prioridades do complexo económico e social de Moçambique a agricultura e a pecuária - como fontes produtoras de riqueza do solo e reveladoras de energias das gentes, e ainda como actividades de fixação à terra por excelência - deveriam ocupar o lugar cimeiro, e nelas se deveria concentrar a maior soma de atenções e de esforços de todos, pois constituem o cerne da sua economia e oferecem os melhores meios de elevação das grandes massas, com vista à diminuição do fosso entre a riqueza de poucos e a pobreza de muitos.
A não ser que os milhões que constituem as populações rurais sejam interessados e cooperem a fundo na construção de um futuro comum, beneficiando em maior escala dos progressos da civilização, mesmo com uma indústria e um comércio florescentes difícil e será atingirmos a verdadeira meta do desenvolvimento nacional, que implica a difusão de um nível de vida digno para todos os cidadãos.
É dentro destas premissas que falamos hoje sobre perspectivas e problemas da pecuária de Moçambique, uma actividade que, a sair da sua letargia e a ser dinamizada com condições de rentabilidade, com uma medida de indispensável apoio e com o influxo de capitais nacionais e estrangeiros, poderá vir a desempenhar um papel relevante na vida da província e no panorama económico do todo português.
A falta de carne é hoje um problema que assume proporções de tal gigantismo que os meios científicos internacionais já andam preocupados e atarefados na procura de fontes alternativas para as proteínas animais sob a forma de produtos sintéticos, de origem marítima, etc.
Países como a Argentina e o Uruguai, tradicionalmente exportadores de carne, encontram-se de tal forma assoberbados com as suas próprias necessidades internas e com a demanda exterior que não mais podem ser contados como aptos a satisfazer os grandes mercados mundiais, cujo déficit anual ultrapassa um milhão de toneladas.
O mercado metropolitano também de há muito que vem sofrendo dessa falta, e ainda no corrente ano o ilustre Deputado Dr. Lopes Frazão focou nesta Assembleia o perigo do desfalecimento da agricultura, pondo em evidencia a nossa fraca capitação e a grande carência que, em escassos dois anos, obrigou ao dispêndio de anais de 800 000 contos em importações.
Se considerarmos que esta astronómica quantia não serviu senão para saciar passageiramente as necessidades alimentares da população da metrópole e se «tivermos em mente as potencialidades do ultramar, teremos de concluir que este gasto fugaz não foi dos mais prudentes, por ter ido beneficiar pecuárias estrangeiras, quando, se encaminhadas para o fomento pecuário das mossas parcelas, semelhantes verbas não só concorreriam para que tão elevados valores não fossem sistemàticamente subtraídos ao tesouro nacional, como promoveriam a verdadeira solução do problema da carne no nosso espaço, contribuindo ainda para atenuar o angustioso desequilíbrio da balança de pagamentos interterritoriais.
Encontrando-nos, portanto, face a uma situação francamente má e que ameaça deteriorar-se com o alteamento dos preços da carne no exterior, com a subida em espiral do custo de vida e com a progressão demográfica que se regista não só no nosso território, como no Mundo inteiro, será para nós uma triste prova de incapacidade se não conseguirmos arrancar a produção pecuária ultramarina da sua insuficiência e da sua rotina, dando-lhe as dimensões e a grandeza que a sua vocação agrícola permite e quê os problemas económicos e sociais da própria Nação aconselham e exigem.
Sabemos que nesse sentido se finalizaram recentemente importantes trabalhos no âmbito do III Plano de Fomento, e fazemos votos para que as recomendações dali resultantes sejam, com brevidade, transformadas em medidas efectivas; mas há que chamar a atenção para a sua magnitude e para os seus objectivos finais, que pressupõem verbas avultadíssimas e necessàriamente levarão largo tempo a produzir fruto.
No entanto, há problemas que podem e devem ser desde já encarados, não apenas no aspecto provincial, mas considerando a pecuária de Moçambique como parcela constituinte do produto e do mercado nacional, pois a sua solução não só se impõe como inadiável por mérito próprio, como ainda vai ao encontro das conclusões dos referidos trabalhos.
Começaremos por afirmar que, ao nível da iniciativa privada - que afinal é a principal responsável pelo que de positivo existe no campo da criação de gado e constitui a chave de todo o seu desenvolvimento futuro -, a pecuária de Moçambique não vive em clima favorável, antes enfrenta dificuldades que são de molde a desanimar os mais resolutos.
O próprio dimensionamento dos serviços de veterinária encontra-se de há muito ultrapassado pela grandeza da obra de saneamento e de fomento à sua frente, faltando-lhes recursos para poderem realizar até uma fracção daquilo que decerto sentem ser indispensável.
Para se fazer uma ideia desta insuficiência, basta mencionar-se que, numa área de 780 000 km2 e para um armentio bovino de 1 300 000 cabeças, sem contar com outras atribuições relativas à indústria animal, à caca, etc., o quadro dispõe de apenas duas dezenas de médicos veterinários, incluindo os que desempenham fun-