12 DE DEZEMBRO DE 1970 1137
compensando sequer o valor intrínseco da carne, independentemente da sua qualidade ou da natureza rústica ou racional das explorações donde é originária, tornam mais pobres os detentores da maior parte dessa classe de animais, ou sejam, as numerosas populações envolvidas na sua criação, afectando adversamente o seu nível de vida e o seu poder de compra, pois para quase todas elas o gado que possuem constitui o seu único mealheiro.
A urgentíssima valorização do gado bovino em Moçambique - não sob forma de um paleativo, imas sim representando uma actualização realística que coloque o seu preço justo acima de qualquer outra argumentação - é uma medida, indispensável à rentabilidade, ao progresso e ao próprio futuro da sua pecuária.
Sendo também condição essencial à existência de interesse, à atracção de capitais para aquele sector e à consecução de um nível de qualidade e quantidade que possa vir a permitir a exportação, essa valorização deve ser promovida resolutamente, com visão e sem delongas.
Estamos convencidos de que, para a restauração do equilíbrio da sua balança económica, muito particularmente no que diz respeito a bens de consumo, cuja produção local é viável, a província de Moçambique deve nortear-se pelo lema de «produzir, não importar».
Neste quadrante avulta o caso dos lacticínios, que pode e tem de ser encarado com energia e quanto antes, pois em cerca de cinco anos despendemos escusadamente em importações do estrangeiro perto de meio milhão de contos de produtos que nós mesmos poderíamos produzir.
Na realidade, se temos condições para nos encaminharemos para auto-suficiência, só por incapacidade nossa ou por falta de uma política positiva e dinamizante em todos os aspectos é que continuaremos a adquirir lacticínios lá fora em tão grande escala, pois a nossa produção própria, estrangulada pelos aumentos sucessivos nos preços de tudo quanto lhe é necessário, pela concorrência desregrada de produtos importados e por outros empecilhos, regista uma evolução insignificante.
Estão lançados os princípios de uma produção e de uma meritória industrialização própria, que muito bem podem atingir essa finalidade desde que sejam rodeadas de condições que permitam e animem a sua mais rápida evolução.
Ajudando a construir sobre fundações já lançadas, o Estado é chamado não a intervir, mas, sim, a apoiar esse esforço local verídico com directrizes gerais que defendam a sua expansão.
Julgamos que se comete um erro de raiz ao permitir-se que a província constitua um desprecavido descarregadouro para lacticínios que ali são colocados em regime de dumping por países estrangeiros que os exportam a uma fracção do seu custo, graças a consideráveis subsídios ou outros apoios concedidos pelos respectivos governos, ansiosos por se verem livres dos seus montanhosos excedentes.
Para ilustrar a situação, citaremos que 1 kg de leite em pó importado custa, posto em Lourenço Marques, a bagatela de 6$20 e que o preço da manteiga orça por 13$ o quilograma.
Como não vigora ali qualquer regime anti-dumping nem outro dispositivo visando proteger a indústria local, surgiram «indústrias» que, aproveitando o considerável diferencial de preço entre o adquirido ao desbarato e o produzido na província e beneficiando ainda de isenção ou redução de direitos aduaneiros pelo facto incrível de se importarem esses lacticínios acabados como matéria-prima, os têm lançado no mercado em condições fáceis de se imaginar.
Assim, vêm sendo comercializados como produtos de «indústria moçambicana» - por vezes até a preços inferiores aos praticados ao público nos próprios países de origem - diversos lacticínios, tais como leite em pó, que não é mais do que o leite em pó importado e enlatado depois de se lhe ter juntado algum aditivo, queijo fundido, fabricado a partir do derretimento de queijo importado, manteiga importada em blocos e simplesmente misturada ou empacotada, e até leite condensado, que não pode obedecer às normas portuguesas e internacionais que definem este produto (uma vez que o processamento industrial do dei-te é tão irreversível como do chouriço fazer o porco) e que não passa, de leite em
pó importado, doseado com água e açúcar, acrescido de gorduras ou vitaminas importadas e embalado em latas de chapa importada ...
Moçambique goza, neste capítulo, da triste reputação de ser o único território no Mundo com potencial para produzir os seus próprios lacticínios, a permitir indústrias deste soez, sendo Significativo o facto de, numa delas, estarem envolvidos capitais do próprio país interessado na colocação de excedentes.
Que aconteceria à vinicultura na metrópole se alguém se lembrasse de aqui montar uma «indústria» que importasse um concentrado de uva congeminado pela técnica moderna e, depois de lhe ter adicionado água, o lançasse no mercado com o rótulo de vinho e em livre concorrência com o produto local?
São óbvias, pois, as razões por que a produção de lacticínios de Moçambique atravessa, grandes dificuldades e não pode enfrentar a desnudada concorrência do estrangeiro, e são claros os motivos por que tais «indústrias» não podem estar interessadas na utilização do leite local quando a matéria importada lhes sai a uma fracção do custo deste.
Não foi possível obtermos elementos concretos sobre os montantes que o proteccionismo dado àquele género de indústrias representa, mas calcula-se que nos últimos cinco anos tenha custado ao Estado muito acima de 30 milhões de escudos, sob a forma de regalias pautais concedidas na importação de lacticínios, chaparia para embalagens, etc.
A conjuntura que a Nação atravessa e a necessidade absoluta de se perfilharem soluções que, em vez de favorecer uns poucos, contribuam para o maior bem-
estar de todos exigem a apresentação clara dos factos, para que a Assembleia possa julgar com conhecimento e imparcialidade e para que se possam promover- medidas atinentes à defesa do interesse geral.
Dizemos mesmo que uma maior vitalidade económica e a possibilidade de se manterem de pé com os seus próprios pés são essencialidades para a anunciada autonomia das parcelas do ultramar.
Forçoso é, portanto, trilhar o caminho da sua auto-suficiência básica, a partir dos bens alimentares, dando à produção destes a prioridade e o estímulo que merecem, mas que no passado lhe têm faltado.
No tocante a leite e lacticínios, esse caminho não poderá ser percorrido sem que primeiramente se assegurem melhores condições a todo o ciclo da sua produção, do seu transporte, da sua industrialização e comercialização, objectivo que, além de medidas disciplinadoras, implica a existência de amplos recursos materiais.
As bases que já existem são prometedoras, e felizmente que o Estado, no exercício de uma superior função, tem onde ir buscar receitas para esse fim, pois poderá fazê-lo com lógica através da constituição de um fundo de fomento de leite e lacticínios, para onde faria convergir o