17 DE ABRIL DE 1971 1823
forma subtil desse «desemprego invisível» que atinge todos aqueles que, em maior ou menor grau, voluntária ou involuntariamente, trabalham sem produzir.
O Governo, só por si, não pode fazer o milagre de mudar subitamente as mentalidades. de desenraizar num só dia velhas rotinas.
Porém, se todos nisso colaborarmos, ajudando-o na indiscutível boa vontade e devoção com que pretende servir o País, sem dúvida caminharemos mais depressa!
E esse, pois, o sentido da moção que, conjuntamente com outros ilustres colegas, tive a honra de submeter à consideração desta Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
O orador fui cumprimentado.
O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pretendo ser extremamente breve neste depoimento sobre as Contas Gerais do Estado de 1969. Ao fazê-lo, não quero repetir-me nem tão pouco reforçar opiniões de ilustres Deputados que me antecederam nesta tribuna. Pretendo apenas procurar cumprir o que considero um dever inalienável, chamando a atenção do País para o que se não lê ou apenas se subentende no documento em questão.
Em primeiro lugar, não é difícil depreender que a nossa situação económica se está progressivamente deteriorando. Não adianta ignorá-lo ou tentar ocultar o facto. Importa, sim, que um número cada vez maior de portugueses tome consciência da realidade e se prepare para os inevitáveis sacrifícios a que não poderemos fugir. Se a tarefa for repartida por todos, o fardo tornar-se-á menos pesado.
É também evidente que a guerra condiciona cada vez mais a economia portuguesa. Com o tempo, as forças produtivas estão-se adaptando a uma situação que não pode deixar de ser considerada anormal. Só não se sabe em que medida o processo é reversível e até que ponto as situações de emergência poderão transformar-se, a médio prazo, em elementos motores de progresso económico e social. Torna-se extremamente difícil programar e decidir conscientemente nestas condições, e só com o recurso a muita prudência, bom senso e devoção à causa comum se poderá conseguir algum êxito.
Na verdade, que ambiente se vive hoje em Portugal? Serão as nossas atitudes pautadas pela perfeita consciência da gravidade do momento que se atravessa? Puseram-se de lado ambições pessoais, interesses mesquinhos, orgulhos ridículos, agravos e disfunções? Arregaçaram-se as mangas para trabalhar mais e melhor, para produzir o que nos falta e vender o que nos sobra?
Ou, pelo contrário, aderimos mais ou menos inconscientemente à doutrina do «salve-se quem puder», do «não vale a pena», ou do providencial! Mas que ainda acredita nos rasgos pessoais de alguém que há-de vir para conduzir a nau a bom porto?
Pois, meus senhores, quando o Governo orienta e comanda o esforço renovador, planeia, propõe e executa as reformas necessárias, não esquece que cada vez mais a sorte do País depende da capacidade, da resolução, da tenacidade dos seus cidadãos. Disse-o Marcelo Caetano, com a convicção e a autoridade de quem, nesse capítulo, está dando ao País um impressionante exemplo.
Não se ganham guerras e superam crises com discursos inflamados e louvaminhas; ganham-se com trabalho, com sacrifício, com fé e audácia. Ganham-se em cada escola, em cada fábrica, em cada empresa agrícola.
É aí, nos postos de trabalho e no íntimo de cada um de nós, que se joga a sobrevivência da Pátria. 15 por isso que eu tanto espero da nossa juventude, da sua generosidade e capacidade de aderir às causas nobres; e é por isso também que eu abomino todos os vendilhões de drogas e falsidades, que, por todos os meios, a querem corromper e trair. Refiro-me tanto aos traficantes que a induzem a consumir «quilómetros de prazer», como àqueles outros que a anestesiam com a miragem da vida fácil, irresponsável, em que se salientam apenas direitos e se esquecem deveres.
É tempo de vivermos da harmonia com a grandeza do momento que passa e de olharmos para o futuro com a disponibilidade de quem já pouco espera do passado.
Impressionado com o que vi e ouvi na grande Angola que visitei há meses, ansioso por ajudar II acelerar a mobilização dos enormes recursos que lá existem, lancei aqui um repto aos homens da minha, geração - técnicos, professores, cientistas - para que dessem um pouco do seu esforço ao desenvolvimento do ultramar. Nem sequer ouvi o eco da minha voz.
Será que o espírito de missão foi totalmente esquecido?
Será que interessa mais saber o preciso sentido da palavra autonomia do que lutar para que todos os portugueses, de cá e de lá, vivam melhor e se sintam cada vez mais ligados à sua terra?
Ao fazer esta pergunta, penso angustiadamente no drama de tantos dos nossos irmãos a quem não foi dada a oportunidade de se valorizarem, integrando-se de pleno direito, e em tem a portuguesa, numa sociedade evoluída.
Mas, neste momento, já não são necessários apenas dirigentes. A mobilização que preconizo tem de ser mais ampla. Não pode deixar de lado a enorme massa de jovens estudantes que anseia por ocupar os tempos livres nas tarefas mais diversas, contribuindo utilmente para o desenvolvimento de muitas actividades. Mas, para além das colocações a que normalmente se candidatam, quantos não estarão dispostos a participar em vindimas, colheita e calibragem de frutos, cursos de aperfeiçoamento para rurais, acompanhamento de núcleos de emigrantes e tantos outros- serviços!
Em países mais desenvolvidos do que o nosso há a preocupação de não deixar que se percam colaborações tão preciosas pela qualidade e a alegria com que são oferecidas.
É importante que este assunto seja encarado por qualquer via, ainda antes que o quadro demográfico legado pela última década nos mostre, em toda a sua crueza, quão profundamente o surto emigratório está a alterar as estruturas tradicionais das áreas pobres do País.
Mas não me quero cingir apenas à mobilização das pessoas e dos bens de produção; não quero pedir apenas que se distribua melhor um rendimento que deve ser de todos; não quero pôr apenas em causa o desperdício, a inépcia ou a cupidez. Quero lembrar também que existe um trunfo ainda mal jogado e que pode vir a pesar decisivamente nesta arrancada em que todos nos temos de empenhar. Refiro-me ao interesse estratégico da localização do nosso país numa das maiores encruzilhadas do mundo actual. Ainda que se não queira considerar e valorizar devidamente os preciosos pontos de apoio que são as ilhas dos Açores e Cabo Verde, bastará dedicar um pouco de atenção a um mapa do hemisfério ocidental para se concluir pela actualidade dos factores geográficos que fizeram de nós os principais protagonistas da epopeia dos Descobrimentos.
Hoje a situação é outra, evidentemente. Mas a nossa posição de finisterra num continente superocupado como