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23 DE ABRIL DE 1971 1877

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para se ocupar deste assunto, e outro não preencherá hoje o nosso período de antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Franco Nogueira. E, dada a dignidade da matéria, peco-lhe o favor de subir à tribuna.

O Sr. Franco Nogueira: - Sr. Presidente: Por imposição de lei, e tanto no Brasil como em Portugal, celebra-se hoje o dia da comunidade luso-brasileira. Por imposição de sentimentos nacionais, partilhados no Brasil e em Portugal, invocamos hoje a fraternidade incomparável que liga os dois países. Mas não seria necessário para esta celebração que a lei o dispusesse: o querer dos dois povos antecedeu a iniciativa dos legisladores, e foi tão claro e tão forte que estes se limitaram a dor expressão a uma vontade colectiva.

E nem seria preciso tão pouco marcar um dia para nos recolhermos num pensamento comum: porque este é uma constante íntima de que as duas nações se não podem apartar. Mas foi bem, Sr. Presidente, que se tivesse escolhido como símbolo para esta comunhão a data em que no ano remoto de 1500 as naus portuguesas «houveram vista de terra».

Foi bem, Sr. Presidente, que se designasse um momento em cada ano para que desviássemos das preocupações quotidianas o nosso sentir e os nossos pensamentos, e os concentrássemos nesse objectivo superior, que é a comunidade luso-brasileira. Será assim ajustado no dia de hoje olhar o passado, e ver o que se fez, e evocar o futuro, para averiguar o que se deva ou possa fazer. Não pretendo decerto anunciar numa palavra breve os passos maiores que nas últimas décadas têm sido dados no campo das relações entre o Brasil e Portugal: são já complexas por de mais para que caibam numa síntese rápida. De festo, julgo saber que outros colegas se ocuparão de muitos outros aspectos. Mas os caminhos percorridos são já longos.

Desde o Tratado de Amizade e Consulta até aos acordos de 1966, muito se tem construído, muitas pedras fundamentais têm sido dispostas, e pode talvez afirmar-se que o quadro jurídico da comunidade está traçado nas suas grandes linhas. Está pelo menos delineado com nitidez bastante para que aos dois povos sejam viáveis as mais arrojadas iniciativas e possam, se esse for o seu querer, rasgar os mais audaciosos horizontes. No imediato, e além do problema em debate nos dois países, sobre o estatuto jurídico - político de brasileiros em Portugal e de portugueses no Brasil, outras questões poderiam acaso ser ventiladas com proveito, e decerto o seu estudo e solução estará no ânimo dos dois Governos. Neste particular, serão de referir problemas culturais, como o do acesso do livro português ao mercado brasileiro, já que não sofre embaraços o do livro brasileiro ao mercado português; ou problemas de cooperação técnica- e de intercâmbio de especialistas e investigadores; ou problemas de colaboração económica e comercial; ou até problemas de defesa que importam «os dois povos e que aparecem coda vez mais evidentes.

Moa todos estes aspectos, Sr. Presidente, e muitos outros, podem ser havidos como secundários e de somenos importância e urgência perante a questão básica, e que me atreveria a formular deste modo: que Ideia, que visão, que conceito político - sociológico queremos nós, de um lado e outro do Atlântico, fazer da comunidade luso-brasileira? Posta assim a questão - e creio que esta é, pelo menos, uma forma de a apresentar com toda a sua profunda seriedade e alcance -, logo Vemos que estamos num terreno político que deveremos examinar com frieza e com realismo. Com uma frieza e com um realismo que não esqueça os problemas imediatos, mós que os ultrapasse e que não se alheie dos aspectos sentimentais, mas que os supere, porque se trata, em última análise, de edificar em permanência e de construir em grande. Se partirmos destas premissas, haveremos logo de tirar mais de uma conclusão.

Antes de mais, não devem os relações luso - brasileiras sofrer de insegurança e de instabilidade, e isto quer dizer que não podem estar à mercê de dúvidas ou interrogações periódicas; nem devem processar-se em função de conjecturas políticas de uni ou outro dos dois países, e isto significará que devem constituir coordenadas constantes da política nacional de ambos...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - nem devem ser conduzidas em termos de modas ideológicas de ocasião, e isto implica a sua independência quanto a conceitos teóricos ou idealistas, efémeros e transitórios, que num dado momento histórico beneficiem no mundo de maior ou menor audiência ou tenham maior ou menor curso internacional...

O Sr. Júlio Evangelista: - Muito bem!

O Orador: - ... e nem devem finalmente subordinar-se a desígnios de terceiros ou a pressões interesseiras de alguns, e isto implicará a recusa de seguir oportunismo políticos alheios para apenas considerar os interesses permanentes e vitais do Brasil e de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E estes dados singelos, Sr. Presidente, parecem-me importantes, porque apenas a partir dos mesmos julgo ser viável construir obra duradoura que acredite na história a visão dos dois povos. Mas aqueles dados são ainda importantes, porque dos mesmos decorre toda uma filosofia e uma economia da comunidade luso-brasileira e que se podem desdobrar naquelas ramificações que descem às minúcias e abrangem os aspectos relevantes da vida de portugueses e brasileiros. Neste sentido, o quadro comunitário poderia bem constituir uma maneira de ser, uma maneira de sentir, uma maneira de actuar no mundo como luso-brasileiros - perante nós próprios e sobretudo perante outros.

Dever á daqui deduzir-se que a comunidade luso-brasileira se cinge a um estado de espírito, construído sobre a mesma língua, caldeado no mesmo sangue, firmado na mesma religião, assente na mesma cultura? E isso, é tudo isso. Mas é e pode ser muito mais do que isso. Pode ser a influência, perante terceiros, de um conjunto de mais de 100 milhões de pessoas, actuando no Mundo com desígnios paralelos; pode ser o peso de vastas áreas na América, na África, na Europa, com os seus recursos, as suas posições estratégicas, os seus portos, as suas vias de penetração, os seus contactos com outros povos. Mas se tudo isto é uma visão possível, também, por outro lado, tudo isto é incompatível com quaisquer restrições que um dos - países faça à estrutura política ou territorial do outro, ou com quaisquer hesitações quanto à defesa dos valores que são essenciais a ambos, ainda que hajam de caminhar ao arrepio do que terceiros, no seu próprio interesse e não no nosso, possam acaso advogar.

Vozes: - Muito bem!