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1882 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96

determinação dos dois povos irmãos, para que, unidos na estrada do futuro, construam um mundo melhor onde possam viver em ordem e progresso sob os desígnios da Providência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Não é sem alguma emoção que, ao subir a esta tribuna no dia em que se celebra a comunidade luso-brasileira, saúdo respeitosamente V. Ex.ª pela oportunidade desta intervenção. Emoção que tem um outro ângulo, pois, quando nesta Casa, já lá vão alguns anos, os suficientes para separarem uma juventude da madureza da vida, subi pela primeira vez a esta tribuna, foi para tratar de problemas que respeitavam à comunidade luso-brasileira nos anos já distantes de 50. E depois, noutras oportunidades, aqui estive para versar o mesmo tema.

Sr. Presidente: Os meus respeitosos cumprimentos e as minhas homenagens repetidas.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Diz-se que o historiador é um profeta voltado para trás. E Paul Valéry asseverava que a história «é o mais perigoso produto elaborado pela química do intelecto», porquanto a história «faz sonhar, embriaga os povos, engendra para eles falsas recordações, exagera os seus reflexos, alimenta as suas velhas querelas, inquieta-os no seu repouso, condu-los ao delírio das grandezas ou da perseguição e torna as nações azedas, insuportáveis e vãs».

Mas sem história não haveria nações, como sem o sangue não haveria a vida, como sem a seiva não frutificariam as árvores. Sem história o futuro não teria alicerces, sem história tudo seria como o homem despido de carácter. Não é o repouso, não é o remanso, que faz a história, e sim a acção criadora e dinâmica. Hoje se memora, e honra e exalta a comunidade luso-brasileira. Hoje é o dia do espírito sobrepujando e animando a matéria, realizando a ascensão da natureza, dando forma e claridade as coisas. Hoje é dia da história, construída, em gerações solidárias, em comunidade de pessoas, ideais, vontades. A história é a marca do homem no mundo, é o espírito harmonizando e libertando, é o esforço épico para sair do egoísmo e da fatalidade material. Na história se afirmam os povos e se distinguem, isto é, honram-se.

Ultrapassando-nos a nós próprios, dominando o peso do instinto e do mundo externo, nós fazemos esplender a luz, alar-se a actividade e o munido, espiritualizados e verdadeiramente livres, porque sem contradição com o bem, com a verdade e com a unidade. Este poder de ultrapassamento, esta dádiva à acção comum, esta construção de vida sempre mais alta, eis a manifestação do mundo lusíada, da comunidade luso-brasileira, nobilitarão autêntica, humanização perfeita. A virtude, a força, o carácter, residem nessa vocação e nesse imperativo que os dois povos sentem, unindo-nos, para a continuidade da missão, pela qual a criação comum se transmite, e se desenvolve, e expande.

A própria cultura não é museu de valores, mas «herança conquistada», na lapidar expressão do autor da Condição Humana. Quando o presente ressuscita o passado, nem por isso deixa de o transfigurar. A Renascença, por exemplo, redescobre os deuses da Antiguidade, mas se Praxíteles rendia culto a Afrodite, nem Botticelli nem Rafael a vêem como «deusa», .pois a conquista da cultura a transformara em obra de arte. E que, afinal, cada geração recria a sua carteira de valores culturais

E em cada século se refazem as antologias. Se não houvesse cultora, existiriam os «ié-ié», mas soem Mozairt, nem Villa Lobos; existiria publicidade, mas nem um Nuno Gonçalves, nem um Portinari; haveria jornais, mas nem Camões nem Machado de Assis; haveria James Bond, mas nem o Amadis de Q aula, ou a Peregrinação, ou A História Trágioo-Marítima. Os nossos mestres vivos estão intimamente ligados ao passado. Assim como «Hemingway é mais parente de Shakespeare do que do Now York Times», também Lins do Rego ou Jorge Amado estão mais próximos de Camilo do que dos portentosas jornais do Rio ou de fl. Paulo.

Ao celebrarmos hoje a comunidade luso-brasileira, nós queremos exprimir um actual desafio de combate contra o crespuscularismo doentio da nossa época, contra a massificação brutal da vida moderna, numa encruzilhada em que há-de contar o coração dos homens para edificação da paz, da acção, da subida ininterrupta, cumprindo humanamente, gloriosamente, os caminhos do mundo nas certezas cristãs que estão no cerne dos dois povos.

Acentua Paul Morand que alguns conquistadores, ao porem pé no continente americano, logo comandavam: «Fogo!», sendo esta a merca da sua colonização. Outros, como os holandeses, ao transporem a Wall Street, em Nova Iorque, principiaram por estoutra palavra: «Quanto? Hoeweel?» Este «quanto» igualmente permanece na feição colonizadora. Os portugueses, ao aportarem a terras de Santa Cruz, logo, e antes de tudo, se prostraram de .joelhos, rendendo graças ao Senhor. Foi essa a marca decisiva da história comum do Brasil e Portugal. Aquela cruz que se conserva na Sé Primacial em Braga e que serviu na primeira santa missa celebrada por Frei Henrique de Coimbra no ilhéu de Porto Seguro, após a descoberta, é bem um símbolo, e por isso ela foi também a cruz da primeira missa de Brasília, capital do novo, imenso e esplendoroso Brasil.

Sr. Presidente: O Tratado de Amizade e Consulta entre Portugal e o Brasil foi assinado no Rio de Janeiro em 16 de Novembro de 1058; foi aprovado para ratificação em 21 de Dezembro de 1954, mediante resolução da Assembleia Nacional, que, em 6 desse mês, precedendo o debate, escutara uma primorosa comunicação sobre o assunto feita pelo Presidente Salazar. Em 4 de Janeiro de 1955 entrava em vigor aquele instrumento diplomático. Uma portaria de 23 de Março de 1955 constituiu a comissão portuguesa para o estudo das medidas de natureza legislativa e administrativa necessárias ao cumprimento do tratado em Portugal. Dois meses depois, pelo Decreto n. 37 874, de 23 de Maio de 1955, foi criada no Brasil a comissão nacional brasileira.

Em declaração conjunta dos Presidentes dos Estados Unidos do Brasil e de Portugal, reunidos no Rio de Janeiro em 11 de Junho de 1957, foi instituída a Comissão Mista Brasil Portugal, destinada a dar seguimento ao resultado dos trabalhos dias duas comissões nacionais. São dessa declaração as seguintes afirmações solenes - mas:

Portugal e Brasil, na realização de uma concepção em que os ideais e interesses nacionais encontram seu lugar no quadro mais lato dos ideais e interesses comuns, tomam posição, de mãos dadas, na política mundial.

Por decreto desse mesmo dia - 11 de Junho de 1957 - o Brasil criou a sua comissão permanente. Em Março de 1960 foi criada a comissão permanente portai-