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4036-(2) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 204

nosso vizinho mais próximo, e os adeptos das expedições marítimas para longes terras acrescentaram-se as contraposições entre as correntes conservadoras e as simpatias «europeias» de Damião de Gois e dos mais que a Inquisição importunou, com razão maior ou menor. Mas seria erro identificar -, em valor absoluto, qualquer dos grupos de opinião com o melhor caminho para o progresso social ou cultural. Houve sempre tradicionalistas «avançados» e internacionalistas «retrógrados»... Apenas acontece que, na vivência geral dos fenómenos colectivos, são em regra as correntes internacionalistas que se apresentam - ou são consideradas - como mais conformes aos ventos da história da respectiva época. E assim beneficiam, quiçá sem razão, do prestígio correspondente.
Depois, houve noiva confrontação, no tempo de Ribeiro Sanches e de Luís António Verney. Com ela se chegou à geração «das luzes», do iluminismo ou Aufldarung, no limiar da Enciclopédia e da difusão do pensamento cartesiano. Estava-se em pleno despotismo esclarecido, com a sua regressão absolutista, tão avessa ao fundo ideológico das instituições portuguesas, de estrutura paternal e popular. Era o tempo dos seremos do Paço e dos botequins (revolucionários. E como progressistas apareciam de novo os «estrangeirados»: os homens que se diziam «abertos as lições dos outros países». Às vezes, apenas para as traduzir e copiar; outras, para as transcender e integrar na idiossincrasia nacional.
Desde então o debate reacende-se em todas as gerações, ora com visos literários (e aparentemente só isso), ora em termos mais acentuados de opção política ou até de revolução social.
Nos princípios do século XIX chegou-se à guerra civil. Vemos alinharem nela, de um lado, vultos como José Agostinho ou Acúrsio das Neves, grandes patriotas e grandes pensadores, firmes no granito das suas convicções e apontando com clarividência as consequências, para a nossa sócio-cultura, dos conceitos e concepções emergentes da Revolução Francesa, com o seu liberalismo espalhado em Portugal por efeito de uma ditadura imperial d de três invasões. No campo adverso enfileiravam cos bravos do Mindelo» e os seus correligionários, largos anos emigrados em França ou na Inglaterra, tão conhecedores de muito do que entre nós infelizmente se desconhecia, como esquecidos dos limites postos às ideias importadas pelas realidades do Pais, e tendo na vanguarda outros grandes patriotas e grandes pensadores como Alexandre Herculano ou Almeida Garrett. - A esta distância, quando o tempo libertou os acontecimentos da ganga do acidental e do secundário, foz perua verificar a cegueira com que tilo rudemente se combateram homens que tanta coisa aproximava, em quanto a vida pode ter de essencial.
Mas a contraposição entre «europeus» e «tradicionais» não ficou por aí. Vamos encontrá-la, na geração seguinte, a propósito, por exemplo, das Conferências do Casino ou nas polémicas acerca da escola naturalista, entre escritores como Eça ou Ramalho e romancistas como Camilo Castelo Branco. No fundo das coisas, e para além da cortina de fumo das discussões ocasionais, paralelo é também o significado último do contraste entre os teóricos da República, como Sampaio Bruno, e os políticos e parlamentares da monarquia, excepção feita, talvez, quanto ao partido regenerador liberal; e, todavia,, ao lado de erros difíceis de perdoar (como a reforma ortográfica feita à margem do Brasil), o novo regime demonstrou possuir um escol com preparação suficiente para pôr de pé, em pouco tempo, muitas soluções adequadas às exigências objectivas do País. No matizado dos planos em que se situaram, semelhante foi - ou ainda é - a expressão profunda do confronto ideológico entre a Seara Nova e o Integralismo Lusitano; ou da intervenção, na vida cultural mais recente, dos poetas do Novo Cancioneiro e dos romances populistas; ou dos debates entre as teorias do policentrismo político e da convergência cultural e, do outro lado, as atitudes de mais acentuado culto das ideologias, com a correlativa aceitação do seu primado; ou até da atitude, frente ia estruturas anquilosadas ou acusadas de o serem, dos movimentos de contestação global da sociedade contemporânea, sejam quais forem os 'aproveitamentos políticos ou outros que deles se façam depois emergir.
A história regista, portanto, e em coda geração, o troço do encontro, natural e não raro violento, entre as aspirações revolucionárias de mudança e «s tendências conservadoras de manutenção. A boa ou má lição do estrangeiro está quase sempre presente, e comprometida, nesse encontro sucessivo; e alinha, em regra, entre os argumentos a favor da transformação. - Todos sabemos ser assim. Mas todos também podemos verificar que, após cada choque (quando o há, pois nem sempre tal sucede), depressa se regista a inserção, nos estruturas da época, dos elementos afinal positivos de um vector por muitos facilmente apelidado de «estrangeirismo», mesmo quando só remotamente tinha origem alheia nos aspectos fundamentais.
As inovações, quando conformes ao bem comum, tendem a integrar-se na alma das nações e cedo passam a fazer parte do património cultural - e político - de cada país. (Não foi Almeida Garrett um truculento inovador de formas que breve se incluíram no que de mais lídimo caracteriza o pensamento português?) E que, bem vistas as coisas, a tradição é isto mesmo: o conjunto das forças que, em cada momento histórico, fazem com que uma nação se defina como corta nação; e, simultaneamente, o constante enriquecimento desta - e da sua estabilidade - com os sucessivos contributos geracionais.
Na polémica entre os partidários das ideias «só nossas», rui fala ingénua dos José Lúcio Castanheiro, e os adeptos da experiência alheia, desconhece a realidade, ou não logra ser objectivo perante ela, quem imagina que os altos espíritos e os bons portugueses pensam todos igualmente. De porte a parte estão sempre grandes homens, pois essa constitui a lei da vida; e ninguém detém o monopólio do patriotismo, pois as verdades absolutas não gostam de constituir apanágio de um lado só, nas apressadas opções de qualquer dia-a-dia, quando o examinamos a distância e sem ideias pré-conceituosas. Aliás, no confronto entre as várias teses (e nada existe aqui de transigência ante o agressivo exclusivismo dialéctico dos pensadores marxistas do século XIX e da primeira metade do século XX) pode haver - e muitas vezes há - uma razão importante de progresso paira o país: ajuda a definir a Unha portuguesa, entre as atitudes extremadas. Linha essa que a geração seguinte (como também é lei da história ...), em regra considera «clássica» e acusa de ser demasiado tradicional.
Os exemplos que se deram podem ser ou não os mais expressivos. Alguns serão discutíveis. Mas traduzem, com aproximação suficiente, uma ideia clara de uma das forças que mais têm feito caminhar a nossa cultura, desde a literatura até à política. Decerto nem sempre o confronto tem lugar com doutrinas importadas: no século de ouro, por exemplo, saiu de Lisboa e de Sagres a «revolução da experiência», que, aliada a outras contribuições portuguesas, ajudou decisivamente a moldar a Idade Moderna, no campo científico e fora dele. Muitas vezes, por seu turno, o vector estrangeiro serve apenas - e sem vantagem especial - para apoio a ideias que