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4036-(4) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 204

Panikkar a Gilberto Freire - as linhas mestras do europeísmo, que estudam como valor global, embora com os inevitáveis facetamentos de cada povo de per si.
Por isso, não parece razoável desconhecer o fenómeno de convergência cultural que, a partir dos elementos já citados (a tradição greco-latina, a influência dos povos bárbaros, o baptismo cristão), deu corpo a uma realidade europeia. Visto de dentro, a Europa mostra diferenças tornadas mais evidentes pela potenciação de situações que se tornam igualmente mais sensíveis quando se olha, também do dentro, um qualquer país com diversidade geocultural. Porém, vista de fora, e frente a terceiros, a Europa não é negada como «unidade» e todos indicam com relativa facilidade e clareza onde ela está, ou não está. Tal como os demais espaços caldeados pela história, é unidade na diversidade; ainda na frase schelleriana, é permanência na transformação. Bem vistas as coisas, a separação entre as suas regiões não é maior do que na Ásia; é menor do que em grande parte da África, continente como nenhum outro dilacerado pela oposição racial; e só se mostra menos acentuada nas Américas, pela herança integradora que a própria Europa para lá levou.
Por isso tudo, talvez não valha a pena perdermo-nos demasiado numa discussão teórica sobre a Europa como realidade político-cultural. Se não existe, tudo se passa, aos olhos do resto do mundo, como se existisse. E logo nos convites para a conferência de Bandung (primeiro antecedente histórico do grupo afro-asiático), não houve a menor hesitação em o (reconhecer e em a definir. Nesta base modesta, poderemos estar de acordo no essencial?
Aliás, seria pouco razoável, num mundo que se organizou em «grandes espaços», desconhecer a existência de um «grande espaço» europeu ...

3. Na verdade, a Segunda Guerra Mundial fez nascer, entre outras, duas novas concepções: o grande espaço e a superpotência. E o «grande espaço» não precisa necessariamente de alicerce em realidades culturais prévias: em teoria, é suficiente uma comunidade de interesses materiais, que até pode ser bastante acidental. Ora, que as circunstâncias da geografia - e da política de transportes ... - tornam a Europa livre num conjunto de estados com problemas económicos comuns constitui uma verificação de facto; e as respectivas estatísticas de importação e exportação chegam para o confirmar. Tal como os esforços para «degelar as bases da guerra fria» entre o Leste e o Oeste representariam sempre uma solução lógica, ao prisma do comércio externo e da busca de mais amplos mercados consumidores, com os benefícios correspondentes para os custos da produção e da circulação

As dificuldades surgem na medida em que, na organização do grande espaço, se procura ir mais além. Nesse caso, passa a interessar saber se a Europa é apenas contiguidade existencial ou identidade de essência, com tais semelhanças no plano da cultura que os próprios alinhamentos políticos passem a ser de prever - e de desejar. Por outras palavras: a Europa seria sempre um grande espaço económico, sobretudo encarada a partir dos países .da sua região central; mas pode ou não constituir, além disso, o ambiente adequado para movimentos de integração. E 'nisto reside o problema. Para o compreendermos melhor, vejamos primeiro como se faz, na generalidade', o arramo do Mundo, a este aspecto hoje fundamental.

«Integrar», segundo os dicionários, quer dizer «tornar íntegro; completar». Na política, no direito, na economia internacional significa coisa mais precisa: num sentido restrito, traduz-se em ligar tão fundamente vários países que entre eles se constitua um direito comunitário e se

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criem, com poderes maiores ou menores, verdadeiros órgãos supranacionais de decisão; num sentido mais amplo, abrange todas as formas de organização que, mesmo sem irem tão longe, criam todavia obrigações concretas, significativas e extensas de alinhamentos políticos ou técnicos que reduzam sensivelmente nesses domínios - embora sem as anular ou subalternizar - as possibilidades de decisão autónoma de cada país. Na segunda das acepções, a integração foi sempre grande nos países em guerra, sobretudo durante o segundo conflito mundial; e já havia alguma coisa dela nas uniões aduaneiras, de que o Zollverein constituiu exemplo com muita expressão. Ora, nas imensas extensões asiáticas, os fenómenos in-tegratórios sentem-se pouco, por motivos sociològicamente explicáveis, em larga medida alheios às dimensões territoriais do continente. Na verdade, são características da Ásia:

a) um vasto espaço indiano, vizinho directo de um espaço chinês ainda maior, sempre em luta demográfica na área malaia e indo-chinesa, nas regiões tibetanas, agora também na África Oriental e nas ilhas do Pacífico (a carta étnica da Maurícia é exemplo flagrante);

b) a existência de numerosos países com estreitas ligações euro-cunericanas -r Japão, Coreia, Formosa, Filipinas, Tailândia, estados indo-chine-ses - e até de zonas só geogràficamente asiáticas, num Próximo Oriente onde estão a Turquia e Israel ao lado do Irão, da Síria e do Líbano, para dar exemplos principais;

c) a circunstância de nela se situar a maior parte da União Soviética que Mao-Tsé-Tung não oculta querer «libertar» e tem todavia fora da Ásia a capital do país e a grande maioria dos cidades e etnias política e economicamente dominantes.

Deste -modo, qualquer grande espaço asiático aparece perigosamente ligado a ideia de domínio político, desde a esfera de co-prosperidade nipónica, nos tempos da guerra mundial. E a existência nele de uma só potência dominante alarma os outros estados e não facilita a solução: preferem ser pobres e livres - à sua maneira - do que mais ricos mas colonizados, tão-só pela exportação maciça dos saldos fisiológicos indianos ou chineses. Neste último ponto a situação é até diametralmente oposta à d& Europa, onde quem exporta emigrantes não são os países mais fortes. - Por isso, na Ásia, a política mais desejada é a. das alianças e dos acordos económicos de carácter aoentuadamente bilateral.

Fora da Ásia, porém, e sejam quais forem as aparências, a situação é diferente. No Novo Continente - e tanto na América Central, de países tão pequenos, como na América do Sul - acentuadas rivalidades tornam aparentemente difíceis os entendimentos multilaterais, desde o Acto de Chapultepeo ao plano andino. Contado, no fundo das coisas, e nem sempre com tradução na Organização dos Estados Americanos, a realidade é diversa: existe uma unidade cultural básica aproximando esses países da matriz europeia (e sobretudo peninsular), e existe v.ma espantosa sensibilidade reciproca em relação as alterações políticas em qualquer Estado do continente. Senão, veja-se o que se tem passado, nos últimos dez anos, com Cuba ou a Venezuela, o Chile ou o Brasil: a importância, à escala continental, da evolução interna desses países não tem confronto com as situações paralelas em outra qualquer região, excepção feita quanto à Liga Árabe. Mas esta constitui, apenas, a parte mais politicizada do mundo islâmico em geral.