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6 DE FEVEREIRO DE 1981 915

Seria então de supor que logo na primeira reunião da Assembleia da República, na II Legislatura, aqueles que empunharam essa bandeira tivessem trazido a público o seu projecto de revisão. E seria natural que assim tivesse acontecido se a Aliança Democrática - que chamou a si esse combate -- quisesse, nessa altura, realizar uma verdadeira revisão, ou seja, uma modificação da Constituição nos termos por ela ordenados, consoante se caracteriza uma revisão em qualquer Estado de direito, em qualquer Estado de democracia de tipo europeu ocidental.

O Sr. Carlos Lage (PS): -Muito bem!

O Orador: -E nem sequer a Aliança Democrática poderia alegar que não possuía a maioria suficiente para conseguir aprovar alterações da Constituição, porquanto o artigo 286.º não impõe a maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções, impõe -o que pode ser diferente- a maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta, e não se tratava - como não se trata- de votar na generalidade ou na globalidade este ou aquele projecto, trata-se de votar na especialidade esta ou aquela alteração.
Longe disso, a Aliança Democrática voltou os seus esforços para uma questão limite, a questão do referendo. Longe de formular concretas propostas de alteração preferiu partir do princípio de que o Parlamento era incapaz de fazer a revisão - porque era incapaz de fazer a sua revisão -, de que um impasse era inevitável ou altamente provável (isto ainda antes de a Assembleia discutir e deliberar) e de que a única saída para tal crise - embora hipotética ou imaginária - era o recurso ao referendo. Daí que o referendo tenha sido tema obrigatório e omnipresente do programa e da campanha eleitoral do candidato à presidência da República apoiado pela Aliança Democrática. Daí que, em contrapartida, o candidato apoiado por outras forças políticas e que viria a ser eleito tenha tido que expressamente declarar - e outra coisa não podia fazer - que, caso fosse eleito não poderia admitir o referendo, porque o Presidente da República jura "defender e fazer cumprir a Constituição" e o referendo não é forma de revisão - não é agora, pode vir a ser introduzido por revisão, obviamente.
Efectuaram-se as eleições os seus resultados envolveram iniludivelmente a recusa de rupturas inconstitucionais e, por conseguinte, a recusa do referendo preconizado pelo candidato da Aliança Democrática. Equivaleram - numa expressão que do prisma jurídico não é correcta, mas se antolha significativa do prisma político - a um referendo a dizer não ao referendo. E isto mesmo perceberam os sectores mais lúcidos da Aliança Democrática, como ainda há dias aqui assinalou a deputada Helena Roseta.
Acrescente-se que, ainda quando os resultados das eleições presidenciais tivessem sido diversos e ainda quando, porventura, pudesse então afirmar-se que o povo teria dito sim ao referendo, nem por isso ficaria resolvido o problema da revisão constítucional. Independentemente de razões jurídicas sempre haveria que duvidar do sentido da vicissitude constitucional que assim se produziria e sempre haveria que perguntar sobre se, então, se reforçaria ou formaria uma constituição democrática...

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - ...aceite pela generalidade dos cidadãos e com condições para durar mais que certa e determinada maioria parlamentar. Se o próprio método, o referendo, era contestável e seria contestado, como pressentiu que o resultado fosse duradouro e indiscutível? E escusado é dizer, neste momento, mais uma vez, que a nossa rejeição do referendo não era do referendo em si, como forma mais ou menos democrática, imas do referendo em concreto, como forma inconstitucional e, mais do que isso, como forma equivalente à, não procura, a todo o custo, do consenso. Ora, como pode confundir-se democracia ou a "democracia plena" sem diálogo, negociação e consenso?
Mas existem neste momento, entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sectores menos lúcidos do que aqueles que, vendo afastada a possibilidade de referendo, falam em consenso. Há sectores nos quais se começa a sugerir que por a revisão não poder ser agora a revisão desejada, é melhor que não haja revisão; nos quais se começa a sugerir que é melhor esperar por futura oportunidade - por mais cinco anos ou, quiçá, mais cedo; nos quais se começa a sugerir que é melhor até que não se faça revisão para o sistema apodrecer e para, depois, mais facilmente se substituir esta Constituição por outra Constituição. É uma opinião que vem insinuando-se e que tem de ser denunciada como correspondendo à ideia de "quanto pior, melhor" e como podendo implicar um risco para o regime constítucional democrático.
A única maneira, contudo, de prevenir ou ultrapassar este risco será fazer a revisão, fazê-la o mais cedo possível e fazê-la larga e profunda, embora com respeito pelos limites materiais da Constituição - que não são tantos os que constam de fórmula declarativa e da garante do artigo 290.º quanto os que enformam todo o texto constitucional e corporizam a ideia de direito de 25 de Abril de 1974 e de 25 de Abril de 1975.
Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tão errado e tão perigoso para a nossa democracia seria uma revisão golpista ou uma ruptura com uma não revisão, fosse um adiamento sine die da revisão ou uma mera revisão de fachada. E também importa dizer que, se as eleições de 7 de Dezembro mostraram que o povo português continuava entranhadamente fiel ao regime democrático e à Constituição, as eleições de 5 de Outubro mostraram, do mesmo passo, que queria uma revisão. Nem se configura aqui qualquer contradição: uma verdadeira e própria revisão não pode pôr em causa os princípios fundamentais, o conteúdo essencial da Constituição; mas, na observância destes princípios, bem podem encontrar-se diferenciadas concretizações, adaptações e transformações.
De resto, cabe ainda lembrar que a primeira revisão tem um regime jurídico distinto do regime das revisões subsequentes, conforme se vê dos artigos 286.º e 287.º À maioria requerida não é a mesma, a Assembleia com poderes de revisão é uma Assem-