O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

12 DE NOVEMBRO DE 1982 351

menos como regra, os juizes costumam ser péssimos parteiros!...

Risos.

Por isso o Prof. Eduardo Correia, autor do projecto, havia proposto expressamente a despenalização do aborto terapêutico.
Não, decerto, por ter julgado desnecessária essa proposta na economia do Código!
Na verdade, ou bem que se considera seriamente que a parte geral cobre o aborto terapêutico, ou bem que não. Se sim, é «hipocrisia» - salvo seja - não o dizer no Código. Se não, volta a ser «hipocrisia» dizê-lo no Diário de Notícias.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se sim, a questão deixa de ser do foro moral para passar a ser apenas do foro jurídico.
O facto é que, do afastamento das barreiras ético-jurídicas à despenalização do aborto terapêutico, teriam de necessariamente decorrer consequências jurídicas mais amplas, que o Senhor Ministro não quis assumir.
Daí o ter legislado por artigo de jornal.
E a realidade social qual é?
Esgota-se a problemática do aborto numa dialética de princípios ou numa polémica de doutores?
Todos sabemos que não. Por mais que os que aqui somos homens sejamos imunes a essa amargura específica das mulheres, todos estamos de alma suja por termos assistido complacentes, ou no mínimo resignados, a esse flagelo social, a esse anátema milenar responsável por mortes, aleijões, amarguras e vergonhas sem conta.

Vozes do PS, do PCP, e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Por sabermos que há quem faça disso a sua indústria e quem disso se aproveite para repugnantes formas de sujeição sexual ou de submissão delitiva.
Conhecemos tão bem a solidão agónica da mulher socialmente forçada a ocultar a sua gravidez como Pilatos conheceu a inocência de Jesus.
Sabemos que o aborto se pratica das formas mais sofisticadas, em clínicas de luxo, às formas mais sórdidas, em desvãos de escada, tudo uma vez mais dependendo do dinheiro que se tenha.
Sabemos que, dado o princípio da territorialidade dos crimes, as mulheres ricas podem ir e vão licitamente abortar na Inglaterra, na Itália, na França - só em raros países o não podendo hoje fazer - enquanto que as mulheres pobres vão ilicitamente, pela calada da noite, bater à porta de uma inescrupulosa megera.
Sabemos que, apesar da sua clandestinidade, as cifras negras do aborto - que oscilam entre 100000 e 200000 ano - nos são reveladas por extrapolação dos casos que desaguam no hospital, quando não na morte.
Sabemos que, segundo as estimativas, morrem por ano 2000 mulheres vítimas de abortos clandestinos e artesanais.
Sabemos -hipocritamente sabemos que é comummente aceite a dedução estatística de que o aborto reduz a metade os nascimentos, e continuamos a gloriosamente rejeitar o aborto como expediente de regulação da natalidade e a chamar tonto ao velho Malthus, o frade que teve o desplante de pôr face a face uma população crescendo em progressão geométrica e um potencial de subsistência crescendo em progressão aritmética.
Sabemos que o aborto tem sido rejeitado em situações de opção médica entre a vida da mãe e a vida do filho, e que não falta quem defenda a falsa assepsia moral dessa passividade: O Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos acaba, com discutível oportunidade, de publicar um comunicado em que se afirma que a «Sociedade Civil» (sic) poderá «instituir o aborto criminoso», (sic) Mas - acrescenta-se - «não terá carrascos médicos para o executar».
Dificilmente se poderia, em tão poucas palavras, amontoar tanta pesporrência, tanta ignorância e tanto disparate.

Aplausos do PS, do PCP. da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e dos Deputados do PSD Natália Correia e Amadeu dos Santos.

E seria mesmo necessária a grosseria de chamar «carrascos» aos médicos que em Portugal concordam com a despenalização do aborto ou mesmo o praticam, ou que lá fora respeitam democraticamente as determinações da autoridade legítima?
Ou quererá o Executivo da Ordem dos Médicos contar-nos a história do médico querubim e da abortadeira perversa?
Sabemos que há jovens vítimas de crime de violação fecundante a quem é recusada a liberdade de não quererem ser mães de um filho do seu algoz.
Sabemos que o aborto é hipocritamente «condenado» por mulheres que já não contam pelos dedos os abortos que fizeram. Sabemos - hipocritamente sabemos - que aborta a mulher do rico e a mulher do pobre, a casada e a solteira, a mulher do moralista e a «afilhada» do frade, a agnóstica e a crente.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

Sabemos que o crime e a sua pena são mais velhos do que qualquer de nós. Como sabemos que o pecado e o seu Decálogo são tão antigos como a civilização que é nossa.
Nenhum de nós desconhece, por outra via, que são hoje igualmente inermes o terror do juiz e o temor de Deus, e que se presta um mau serviço à lei -seja humana ou seja divina - insistindo nos correspondentes deveres para além do seu generalizado desacatamento.
A questão que aqui se nos põe é no fundo esta: queremos encarar e resolver em consciência, como responsáveis políticos e legisladores, a problemática do aborto ou queremos ir dormir?
Parafraseando De Gaulle, em discurso aos franceses, permiti, Srs. Deputados, que vos diga que, pelo que me diz respeito, não posso resolvê-lo sem vós.
Não se trata, sequer, de descobrir a água quente. Já foi descoberta.
Muitos são os países que se debateram com as angústias metafísicas e se debatem com o flagelo social que em desigual medida a todos nós amargura.
Mas superaram-nos. Discretearam os doutores, exalou mau cheiro a vida. E foram surgindo leis num ritmo que impressiona os mais audazes. Todas num sentido mais ou menos descriminalizante, ou no mínimo despenalizante, quando não aconteceu -como em alguns países sobretudo do leste da Europa - em que se saltou