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12 DE NOVEMBRO DE 1982 355

Sr. Deputado Almeida Santos, que não é apenas no aborto mas em qualquer crime - no furto, por exemplo, alguém furta porque tem fome- que se deve pensar. Pergunto se há algum direito penal que diga expressamente que quem roubar para matar a fome está automaticamente isento de pena.

Vozes de alguns deputados do PSD: - Muito bem! Protestos do PS.

Srs. Deputados, gostaria que tivessem o mesmo respeito por mim que eu tive expressamente pelo vosso camarada que fez a intervenção.

Aplausos do PSD e do CDS.

Não se pode desconhecer que no Direito Criminal há um conflito entre o facto criminoso em si, que se considera em abstracto como punível e que está previsto na Lei Penal, e a pessoa que viola uma determinada norma. Creio que o Sr. Deputado Almeida Santos concordará comigo quando digo que infelizmente, não podemos, em caso algum, dar a prevalência que desejaríamos, numa perspectiva humana e humanitária que perpassou no discurso do Sr. Deputado Almeida Santos, à pessoa do agente desconhecendo o facto criminoso.
A triste realidade e eu tantas vezes o lamentei e faço-o aqui publicamente - é a de que os factos criminosos são na generalidade, considerando o sistema do nosso Direito Penal e de todos os países civilizados, mais importantes do que a personalidade do criminoso.
Conheci de perto muitos cidadãos portugueses que expiavam nas cadeias penas por factos criminosos e devo dizer-vos que fiz muitas vezes esta reflexão: se, quem quiser analisar momento a momento a vida completa de alguém que comete um crime, se colocar numa perspectiva humana, raramente chegará à conclusão de que afinal de contas aquela pessoa merecia estar na cadeia. Mas as sociedades também têm que se defender e toda a gente concorda que no Direito Criminal não está em causa apenas a prevenção especial, mas também a prevenção geral e a protecção de valores de uma sociedade.
Pergunto, pois, ao Sr. Deputado Almeida Santos se se tem que levar, tão longe quanto propôs, a regulamentação de crimes, como o aborto, ao ponto de deixar de lado as cláusulas gerais do Direito Criminal que penso que felizmente prometem, se a magistratura corresponder, uma consideração muito maior da personalidade dos criminosos do que acontecia no Código Penal anterior, ou se devemos enveredar pelo facto de. abstractamente e à partida, arranjar logo uma série de desculpas gerais e abstractas que não têm que ver, no caso concreto, com a personalidade e as motivações do próprio agente.
Considerando como causas de desculpa e de ilibação da pena factos que em abstracto até podem ter essa orientação mas que em concreto podem não a ter, não será preferível caminharmos cada vez mais no sentido da consideração real do criminoso e deixar para as cláusulas gerais do Direito Penal a consideração de todos os problemas humanos que, tal como o Sr. Deputado Almeida Santos, penso que se levantam no caso do crime do aborto.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Mas quem é que diz que o aborto é um crime?! É isso que tem que ficar aqui definido!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, julgo oportuno colocar uma questão que se liga ao assunto que aqui debatemos. Ao colocá-lo, peço-lhe que não pense que o faço sob um ponto de vista feminista, que não sou.
Não acha o Sr. Deputado que haverá uma espécie de aberração no facto de serem os homens aqui representados em força que terão de legislar sobre um assunto que essencialmente se prende com a mulher?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

A Oradora: - Sei que as estruturas de representatividade tradicionalmente patrísticas a tanto obrigam, mas não será oportuno apontar este absurdo no momento em que historicamente aqui se discute uma questão que diz respeito à libertação da mulher e sobretudo à decisão da sua consciência?

Vozes do PS e da UDP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, sobretudo hoje acho que devo começar pela pequena gentileza de responder primeiro a uma senhora.

À Sr.ª Deputada Natália Correia, a quem eu hoje de manhã ouvi com tanto enlevo e com tanta admiração, pois fez uma intervenção a todos os títulos notável - e aproveito para a saudar por esse facto porque há bocado não o fiz -, queria dizer-lhe muito simplesmente só isto: sinto-me efectivamente muito mal. e creio que a minha intervenção deixou alguns traços desse sentimento, com este facto real de os homens conceberam as leis e as mulheres conceberem os filhos.
Sr. Deputado Amândio de Azevedo, realmente o aborto não é o único crime que conhecemos. Então nós, juristas, meu Deus! Basta folhear o Código... Só que -e também não queria deixar de agradecer as palavras amáveis com que introduziu a sua intervenção - o exemplo que apresentou, o do furto, foi um exemplo terrivelmente mal escolhido. E foi mal escolhido por duas razões: a primeira é a de que. embora, salvo erro, os textos sagrados não digam «não furtarás» e digam «não matarás», a lei penal do furto ainda é eficaz entre nós. Em regra não se furta, enquanto que em regra faz-se o aborto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em regra pune-se penalmente pelo furto, enquanto que em regra não se pune penalmente pelo aborto. O aborto cai em desuso; o furto é muito usado, talvez até excessivamente usado no Direito Criminal pelos nossos juizes nos tribunais.
A segunda razão é simples e elementar: ê que não tenho conhecimento de que morram em Portugal por ano 2000 ladrões. Não tenho.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

Por outro lado, o Sr. Deputado Amândio de Azevedo disse-me que dei mais importância ao agente do que ao