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12 DE NOVEMBRO DE 1982 357

assim falam fariam análise similar se não tivéssemos submetido a votação os nossos projectos e hoje acusariam o PCP de criar falsas expectativas, com objectivos eleitoralistas. E não deixariam de dizer que afinal deixávamos morrer os projectos nas gavetas das comissões parlamentares, que afinal se comprovava que os projectos não eram para valer.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas há ainda quem diga que. com a votação feita agora, 8 meses depois da entrega dos projectos, teríamos vindo impedir que a Assembleia se debruçasse séria, serena ponderada e exaustivamente sobre temas cuja apreciação só nesses termos deve ser feita.
E é preciso dizer que teriam alguma razão se não conhecêssemos bem o Parlamento onde estamos e se não se tratasse simplesmente de uma votação na generalidade de 3 projectos e não da aprovação imediata de todo e cada um dos artigos que os compõem. A elaboração das leis exige debates e votações na especialidade na comissão ou comissões competentes, onde -se houver disposição para tal por parte dos deputados dos outros partidos- não só pode como deve ser realizada essa apreciação ponderada, minuciosa e exaustiva, como desde a primeira hora o PCP propõe.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Srs. Deputados, esperar mais tempo para submeter à votação na generalidade estes projectos de lei, aguardar que as comissões especializadas desta Assembleia sobre eles fizessem um estudo profundo e largo, seria aceitar que os projectos ficassem na gaveta até novas eleições. Basta referir, por exemplo, que o deputado encarregado de dinamizar o estudo, de fazer o relatório, de incentivar o debate sobre o projecto de lei relativo à interrupção voluntária da gravidez na Comissão de Direitos Liberdades e Garantias era o Deputado Morgado do CDS.

Risos do PCP.

Imagine-se o profundo, o científico trabalho que daí iria resultar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Pela nossa parte, entendemos que nada justificava adiar por mais tempo este debate. Mais: que essa era precisamente a única forma de permitir que a Assembleia da República assumisse a responsabilidade que tem de discutir e decidir sobre este problema fundamental. Hoje pensamos, Srs. Deputados que é justo salientar a forma como o debate tem decorrido e que há muito tempo não se via nesta casa.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Para nós, comunistas, estes 3 projectos resultaram do trabalho de um grande colectivo em que participaram, além de deputados e dirigentes do nosso partido, médicos, psicólogos, juristas, pedagogos, sindicalistas e outros trabalhadores, bem como representantes de movimentos de mulheres. Procurámos colher a experiência de outros países, dos debates neles travados, da legislação e jurisprudência existentes à escala mundial, das consequências tanto da penalização como da legalização da interrupção voluntária da gravidez. Procurámos também reunir e apreciar os contributos que, ao longo dos anos, foram sendo dados no nosso país para o conhecimento da problemática do aborto, tanto do ponto de vista médico, como jurídico e sociológico.
Esse trabalho era necessário e valeu a pena. Foi nele que fundamentámos as propostas que, não se reclamando do absoluto da perfeição, têm sido objecto de generalizado apreço mesmo de quem delas diverge.
Mas essas propostas só foram possíveis pelo conhecimento da realidade nacional e porque a dramática realidade nacional as exige.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Talvez não valesse a pena, após todos estes meses em que tanto se disse, se escreveu e se falou do que é o flagelo do aborto clandestino, trazer a esta Assembleia impressões e informações adicionais sobre a matéria. Dois factores, porém, tornam necessário que lhe façamos referência.
Por um lado, porque ainda há aqui nesta Assembleia quem tente escamotear e minimizar essa realidade. Mas, em segundo lugar e acima de tudo, porque durante estes meses nos vieram ao conhecimento, em debates públicos, em testemunhos, depoimentos, cartas - ainda hoje recebemos várias dezenas de cartas relatando-nos casos - ou através da comunicação social, casos tão dramáticos que, se a imagem com que partimos para a elaboração dos nossos projectos era terrível, temos hoje consciência de que essa imagem inicial ficava muito aquém da trágica dimensão da realidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ainda na passada semana, visitámos os serviços de urgência de 3 hospitais - a Magalhães Coutinho, Santo António do Porto e a Maternidade do Hospital de Coimbra. Em qualquer deles pudemos observar dezenas de mulheres internadas vindas dos meandros do aborto clandestino, com o drama e o medo estampados no rosto.
Que fazer, Srs. Deputados? Mandá-las prender?
Encontrámos, por exemplo, em Leiria, uma mulher que, depois de um aborto clandestino, ficou impossibilitada de ter filhos. Tem 19 anos.
Em Santarém, encontrámos uma mulher que já com 2 filhos casados engravidou aos 43 anos e nos apareceu com uma criança grande deficiente nos braços.
Na Caixa Nacional de Pensões, em Lisboa, num debate onde estavam deputados de outros partidos que se encontram presentes nesta Sala, uma mulher relatou o que é a sua vida e a do seu marido desde que têm uma filha, hoje com 18 anos, grande deficiente, em consequência de uma rubéola nos primeiros meses de gravidez. Essa mulher fez um apelo aos deputados presentes naquela sessão, um apelo terrível: «não consintam, Srs. Deputados, que isto continue a acontecer!».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E este apelo vem praticamente de todo o país, porque por todo o país há gente que vive casos destes.
A decisão de interromper a gravidez é sempre drama-