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358 I SÉRIE - NÚMERO 12

tica. E são sempre terríveis as situações que levam a tal decisão. Mas no aborto clandestino manifestam-se também, de forma aguda e chocante todas as diferenças, todas as desigualdades sociais. As meninas e as senhoras das famílias de Cascais abortam numa boa clínica ou vão um fim-de-semana a Londres. As mulheres do povo, as operárias, as camponesas, as empregadas ou as desempregadas fazem-no em curiosas ou em parteiras e, se a situação económica é muito difícil, sem anestesia. E quando de todo lhes faltam os meios, fazem auto-aborto com mezinhas venenosas ou corrosivos que tantas vezes matam. As boas clínicas aí estão mas são só para algumas.

Aplausos do PCP, do PS e da UEDS.

A lei que proíbe o aborto não tem, pois, nenhum efeito, nenhum resultado que não seja remetê-lo para a clandestinidade. Pior ainda: como tudo isto escapa aos serviços de saúde, salvo quando há acidentes, tivemos oportunidade de ouvir, nos debates públicos em que participámos, depoimentos que mostram bem como a clandestinidade só aumenta e intensifica o recurso ao aborto clandestino.
Quantas mulheres nos apareceram dizendo que fizeram na sua vida múltiplos abortos porque a parteira lhes dizia que a pílula fazia muito mal à saúde?!
Na Maternidade Magalhães Coutinho uma médica relatava-nos, por exemplo, que agora lhe estão a aparecer numerosos casos de mulheres vindas do aborto clandestino que tiveram de pagar não 10 ou 15 mas 20 ou 30 contos porque depois do aborto a parteira lhes disse que afinal «eram gémeos». Mais ainda: quantas vezes a mulher não está grávida, não recorre porque tem medo a nenhum técnico de saúde para se certificar da gravidez e acaba por ir a uma parteira pagar muitos contos por um aborto que não fez.
Mas no meio de tudo os casos que mais nos impressionaram dizem respeito a menores. As jovens, muitas vezes com o receio da repressão social e familiar, escondem ate muito tarde a sua gravidez. Por vezes ignoram-na mesmo. E nestes casos pagam mais caro na parteira, ou sujeitam-se. E há quem lhes provoque, de qualquer maneira, manobras abortivas aos 6 ou aos 7 meses de gravidez. E o aborto é proibido, Srs. Deputados! E a educação sexual não existe! E o número de partos de menores, daquilo a que tantas vezes de chama as mães-crianças, aumenta todos os anos assustadoramente no nosso país!
De entre aqueles dos Srs. Deputados que vão votar contra a legalização da interrupção voluntária da gravidez algum é capaz de afirmar que o seu voto contribui no que quer que seja para pôr fim a esta realidade dramática?

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Como soa a falso vir aqui, em nome dum principio a que todos devemos respeito, o direito à vida. consentir e logo contribuir para que esta situação se mantenha e para que vidas e vidas continuem a perder-se, quando nós temos a possibilidade e a responsabilidade de evitá-lo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Todo o país sabe, todas as mulheres e homens sabem que a lei que proibe o aborto não é cumprida. E nem sequer é sentida como obrigatória e vigente pelos encarregados de a aplicar. Permitam uma pequena história, Srs. Deputados: nesta mesma Assembleia, no dia em que apresentámos os projectos de lei do PCP e durante uma das sucessivas meias horas que alguns partidos pediram, um dos guardas da PSP deste Palácio dirigiu-se-me perguntando que lei ia eu apresentar. Quando lhe disse que era uma lei para revogar a proibição do aborto fez um ar de espanto, dizendo: «Mas então o aborto é proibido?!» E comentou: «A minha mulher fez!...»

Risos do PCP e do PS.

Quem ignora que nos jornais, nas revistas de grande circulação entre as mulheres diariamente se publicam anúncios que rezam «parteira diplomada» chegando ao preciosismo de, como alguém salientava, acrescentar: «trata doenças de senhoras. Telefonar para o número tal a partir das x horas». Claro que toda a gente acredita e está mesmo a ver que são telefones para acorrer a partos domiciliários ou para tratar doenças súbitas...
As estatísticas policiais e as estatísticas judiciárias remetidas a esta Assembleia mostram como é ínfimo o número de casos em que a lei é aplicada: 34 condenações de 1968 a 1980. Mas a questão é que não poderia deixar de ser assim.
Eminentes críminologistas com assento nesta Assembleia poderiam falar-nos dos seus estudos em que é demonstrada não apenas a ineficácia do proibicionismo como as suas causas profundas. Temos na verdade muita pena que, por exemplo, o Dr. Costa Andrade não traga a este debate o contributo que nos seus trabalhos de investigação tem dado para o conhecimento dos mecanismos que explicam esta realidade.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Mas o que todos sabemos e que. ao contrário do que sucede com os roubos - e aqui chamo a atenção do Sr. Deputado Amândio de Azevedo- os assassinatos, as agressões e outros crimes, no caso do aborto a regra é que ninguém denuncia ninguém, ninguém descobre ninguém. Essa é a prova de que a lei nada tem a ver com a consciência social.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS e da UDP.

A realidade traz-nos pelo contrário as provas de uma enorme solidariedade humana e de uma grande compreensão pelos dramas com que se debatem as mulheres. Por exemplo, é frequente que em aldeias ou em fábricas as mulheres emprestem umas às outras dinheiro porque «ela tem de ir à parteira». E é ainda mais frequente passarem de mão em mão certos números de telefone de «uma que é muito segura e tem anestesia».
Será que, com a votação que hoje se vai fazer, os Srs. Deputados que votam contra vão alterar esta realidade? Vão alterar o que as pessoas sentem e fazem?
Foi por tudo isto que a iniciativa do PCP desencadeou, logo após a sua apresentação um debate de dimensão sem precedentes. Desse debate ressalta, com toda a evidência um consenso nacional em torno da necessidade de acabar com a situação hipócrita e injusta que hoje se vive, admitindo em condições bem delimitadas e como último recurso a interrupção voluntária da gravidez.
Para lançar luz sobre essa realidade e este consenso, foi fundamental a acção da comunicação social, de todos