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26 DE JANEIRO DE 1985 1681

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem de trabalhos de hoje é a continuação do debate na generalidade das propostas de lei n.ºs 94/III (Grandes Opções do Plano para 1985) e 95/III (Orçamento do Estado para 1985).
Como os Srs. Deputados têm em vosso poder uma nota da distribuição dos tempos disponíveis por cada um dos grupos e agrupamentos parlamentares, não vale a pena repeti-la.
Assim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Falcão.

O Sr. Meneses Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Um orçamento de Estado, como qualquer outro, não será um instrumento de precisão a funcionar como espartilho na Administração Pública, mas é uma regra aritmética e uma definição de critérios a disciplinar o comportamento dos gestores, que hão-de subordinar-se aos meios de que dispõem para praticar uma administração fiel aos conceitos de justiça distributiva.
Não foi para citar estas banalidades que aqui vim.
Estou aqui porque sou um voto que hei-de praticar conscientemente, como portador de milhares de votos. Poderão não ser os que traduzem a estratégia ou a interpretação dos responsáveis dos diferentes partidos. E até no meu, outros fizeram e farão a sua análise dos instrumentos em apreciação, com a precisão e a responsabilidade de quem sabe falar a linguagem da ciência jurídica e penetrar no mundo da economia política em termos de mais credibilidade técnica.
A minha linguagem é outra e é determinada por três factores que correspondem a outras tantas linhas de força, significando a voz do povo, coberta por autoridade democrática e com assento neste Parlamento.
Três realidades distintas, colhidas através do chamado conhecimento em segunda mão: «o País, por força das dívidas no quadro dos empréstimos, juros e amortizações, está à beira de uma situação ingovernável», disse-o o Sr. Primeiro-Ministro.
A verdadeira independência nacional já não existe - dizem-no os condicionalismos e exigências dos nossos credores.
E a fome já não se esconde em casa. Dizem-no os que vêm à rua a reclamar o salário devido ao seu trabalho, a denunciar a exiguidade dos seus rendimentos ou a gemer o peso das tributações e desigualdades sociais. Como corolário destas enunciações, temos que o nosso edifício económico tem os alicerces minados; mas fingimos ignorá-lo e continuamos a pintar a fachada.
A incerteza no dia de amanhã, sucessivamente eleita em processos de boas intenções, subiu ao podium e tem como damas de honor a crise moral e a crise económica.
Não trago aqui estas afirmações sérias em alegorias de trágica ironia para as despejar no caldeirão do Orçamento do Estado, onde, normalmente, cabem todos os desabafos consentidos pelos preceitos regimentais. Pretendo, tão-somente, traduzir o pensamento de muitos milhares ou até milhões, cuja voz aqui não pode chegar directamente, sabendo embora, os riscos que corro com a minha maneira de dizer o que toda a gente sente.
Mas esse risco não é nada comparado com a tranquilidade de consciência que pretendo preservar.
Conheço o argumento de que até as nações ricas apresentam défices nos seus orçamentos, mas todos sabemos que, nos países bem governados, essas situações
deficitárias funcionam com conta, peso e medida, e têm uma cobertura localizada no tempo e em dados concretos.
Mas quando verificamos que o Orçamento de 1985 contém «o maior défice da história de Portugal» - como se lê em títulos de caixa alta - atingindo 335,7 milhões de contos, qualquer cidadão de letras gordas se interroga e quer saber como é possível compatibilizar tal situação com uma carga fiscal que já não aguenta mais, com o custo de bens essenciais que atingiu o estado de alarme e com uma dívida astronómica ao estrangeiro! Quando o povo se interroga há que dar-lhe uma resposta.
Ora bem, não serei eu a fazer comentários quanto ao significado destes números no exame comparativo com os anos anteriores, à redução na balança de pagamentos, ou outros factores que pesam positiva ou negativamente no trabalho dos governantes que dirigem os nossos destinos. Pertenço até ao número dos poucos que lamentam o embaraço dos responsáveis pela administração central e acreditam na sua boa fé e sacrificado esforço em busca de soluções úteis.
Mas não podemos ignorar que os juros da nossa dívida exigirão 25 a 24 milhões de contos/mês - afirmação do Sr. Secretário de Estado do Orçamento; que 76 milhões de contos devem as empresas à Segurança Social - afirmou-o a Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social; que 77 milhões de contos devem as autarquias à EDP. O Estado também deve.
A EDP, certamente por estas e por outras, deve ao estrangeiro 357 milhões e vai-se defendendo aumentando as taxas para isso e outras coisas mais...
Na crista da onda estão também as dívidas da imprensa estatizada e privada à banca nacional, banca suportada por quantos vão resistindo, quer seja na benéfica exportação dos vinhos, quer seja na incrível importação de passas de uva.
Sinto, por isso, que a esperança dos Portugueses não pode nascer num signo tão complicado...
É altura de admitir que devo interrogar-me ou até que me interroguem no sentido de saber com que propósito encaminho esta intervenção.
A resposta é muito simples: não acredito nos sábios que entendem que o nível de vida das populações se constrói por decreto. Não acredito nos moralistas que entendem que os desníveis de vida - entenda-se, desigualdades sociais - podem suportar-se por força da força bruta dos privilegiados. Não confio numa administração que não sabe estabelecer escalas de prioridades. Não atribuo lucidez de espírito onde se teima em viver com aquilo que não existe. Não dou confiança política a quem reclama credenciado por simples boas intenções.
Dir-se-ia que neste país todos sabem e ninguém aceita que o Orçamento do Estado é uma manta de retalhos com a qual todos pretendem agasalhar-se.
Não chega para tudo nem para todos, nem pode chegar.
É pouco para a saúde, pouco para o ensino, pouco para o equipamento social, pouco para as autarquias, e assim por diante.
Que medidas se tomam para fazer compreender aos cidadãos que também em política administrativa a ambição é inversamente proporcional à satisfação dos anseios?
Que medidas se tomam para impedir o abuso de alguns servidos e servidores da saúde pública, que ab-