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1740 I SÉRIE - NÚMERO 44

falha e a razão não se impõe, ganhariam talvez se meditassem no exemplo de 20 anos de ditadura militar no Brasil.
Imposta em nome dos valores morais da honradez, da isenção, do espírito de servir, em nome do progresso e da paz social, o que deixa essa ditadura atrás de si?
A corrupção erigida em regra suprema da administração, o caos económico, uma situação social degradada, para além dos limites do suportável.
Do «milagre económico» dos anos 60 - revelado apenas a uma franja de privilegiados e erguido sobre a miséria da grande maioria o que é que fica?
Talvez os arranha-céus das grandes metrópoles e os palácios nos ghettos residenciais. Mas, para além deles, a pobreza acrescida, estendendo-se das favelas do Rio aos mangues do Recife, dos bairros da lata de São Paulo aos alagados da Baía, das vidas secas dos retirantes de Fortaleza ao drama dos Nordestinos arrancados ao sertão para se consumirem no desastre a que a grande eloquência dos propagandistas chamou «o desafio amazónico».
É esta a herança com que o Brasil e com ele V. Ex.ª, Sr. Presidente, hoje se defrontam.
Mas, ao recebê-la, recebe também V. Ex.ª a força imensa de um povo que acredita em si próprio, de um povo a quem, ao longo de 20 anos, terão tirado quase tudo, mas não tiraram a coragem e a vontade de vencer. De um povo que, porque as soube guardar, soube também reconquistar a democracia - porque a nova democracia brasileira não é uma dádiva, mas uma conquista - e saberá, por isso mesmo, cumprir a promessa do seu reencontro com a liberdade.
Sr. Presidente eleito do Brasil, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: O Brasil, mais do que qualquer outro país da América, está ligado ao velho mundo e as suas raízes culturais, sociais e políticas mergulham profundamente na tradição europeia.
Ao contrário de uma outra grande nação do continente americano - os Estados Unidos - que se afirmou no corte entre os colonos e a sociedade que deixavam, o Brasil, tal como o conhecemos hoje, foi-se desenvolvendo e implantando nos mais recônditos lugares desse país imenso, sem pôr em causa o passado cultural que nos é comum.
Daí que os laços entre o Brasil e a Europa e, em particular, entre o Brasil e Portugal, sejam a um tempo conflituais e profundos: mais do que laços de amizade entre povos e nações hoje tão diferentes, são complicados e indeléveis laços de família.
Foi também essa consciência de sermos ramos de uma mesma raiz que nos fez vibrar de alegria ao termos conhecimento da eleição de V. Ex.ª, Sr. Presidente.
E é também a consciência do papel que pode ser o do Brasil que nos deixa a convicção de que a construção de uma sociedade democrática no maior país da América do Sul contribuirá, não apenas para uma nova forma de relacionamento entre os países do continente americano - no respeito e na salvaguarda até agora tantas vezes desmentida da independência de cada um deles, mas entre todos os países do mundo. E, se com essa nova ordem democrática, de justiça social e de paz se encontrarem novos laços de cooperação e solidariedade com a Europa, tal haverá, forçosamente, de se repercutir de forma positiva no precário equilíbrio a que a política dos blocos nos tem submetido.
Sr. Presidente eleito do Brasil, sabemos como é árdua a tarefa de reconstruir um país e fazer vingar a democracia sobre as ruínas que são sempre o legado das ditaduras. É uma longa reaprendizagem dos valores que anos e anos de despotismo subverteram; é um penoso esforço de perseverança e de paciência quando o mar dos anseios tanto tempo reprimidos rompe o dique da opressão que os continha e esmagava.
Sabemos que os caminhos da democracia são, por vezes, bem difíceis. Mas sabemos também que são os únicos que merece a pena percorrer.
Nessa caminhada tem V. Ex.ª, Sr. Presidente, tem o povo brasileiro, a nossa solidariedade.
Solidariedade cujo único valor talvez seja o de ser autêntica. Mas esse valor, Sr. Presidente, reivindicamo-lo.
Autêntica, hoje, na euforia da vitória, como autêntica o foi, ontem, nos dias da adversidade.

Aplausos gerais,

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do Movimento Democrático Português, Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Exmo. Sr. Presidente eleito da República Federativa do Brasil, Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes dos Tribunais, minhas senhoras e meus senhores: Nada do que se passa no Brasil nos é indiferente.
Este longo, líquido e azul abraço tem entrelaçado, mais estreitamente do que a terra firme, os nossos dois destinos. Nessas duras estradas do Atlântico, de onde tivemos glórias e misérias, fomos encontrar os nossos rumos que secularmente se têm identificado. Uma identificação, porém, que só pode ser autêntica e fecunda quando, como entre nós, assenta na afirmação da personalidade própria e do destino que a cada um cabe traçar. Não seria assim se de um favor ou de outorga se tivesse tratado.
Contra todos os que por várias formas o quiseram evitar, contra todos os que depois se recusaram a aceitá-lo, o acto libertador, determinado e consciente, foi o passo mais largo na nossa aproximação histórica. Assim sejamos nós capazes, assimilando esta experiência do passado, de responder em toda a extensão às exigências que o presente nos coloca.
Hoje, como ontem, nada do que se passa no Brasil nos é indiferente. Assim como no Brasil tivemos irmão compreensivo e acolhedor durante o meio século de opressão fascista em Portugal, também nós vivemos e sofremos os dois decénios de privação da liberdade e igualmente acolhemos fraternamente muitos dos que aqui procuraram abrigo.
Dizia-se que a natureza radicalmente democrática do povo brasileiro não permitiria a opressão. Contrariada, via-se como essa natureza, porém, nunca se extinguira, era a raiz funda que não tardaria a florescer. Por isso, ao lado do sofrimento desesperado, houve também a luta e a esperança, toda essa resistência, que nós tão bem sabemos, feita da bravura exemplar e feita também dos pequenos actos simples e não menos heróicos da vida de todos os dias.
Essa corrente que foi engrossando, nos actos e nas mentes, veio a desembocar nas grandes manifestações públicas, que foram das demonstrações de afirmação