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1744 I SÉRIE - NÚMERO 44

minhos do exílio. Não podemos esquecer tão-pouco os que noutros países do continente americano, com os olhos agora postos no Brasil, lutam ainda pela conquista da liberdade. Para todos vai, em nome do Partido Socialista, uma saudação fraterna.
Terminarei com palavras de Miguel Torga, tiradas de um livro que se intitula Traço de União, dedicado precisamente a temas portugueses e brasileiros:
Portugal e Brasil terão pelos séculos dos séculos a alegre penitência de estarem continuamente presentes na lembrança um do outro. E nada mais. Mas esse nó é tão firme, tão apertado que, embora nos deixe ser diferentes, não permite que sejamos alheios. [...] Do Brasil, o Portugal do futuro só quer a alegria desse subtil encontro fraterno. [...] E que os deuses permitam que a nova história dos descobrimentos comece aqui.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, meus distintos convidados, Srs. Deputados, Sr. Presidente eleito do acarinhado e querido Brasil:
Estamos aqui, neste admirável hemiciclo, pelo inefável prazer de estar com V. Ex.ª, aqui, onde Portugal pretende modelar o presente e pensar o futuro; aqui, onde ao longo do tempo, foi escrevendo grande parte da sua história; aqui, onde pulsa, com frémitos de angústia ou com a emoção das certezas encontradas, o coração de um povo; aqui, onde se luta pelas ideias, onde se fazem e se concretizam projectos, onde se filtram intenções e se dissecam resultados; aqui, onde se pretende que o povo se reveja nos seus eleitos, quis V. Ex.ª estar presente, acedendo amavelmente ao nosso interessado convite.
Penso que o Parlamento de Portugal é um dos lugares mais apropriados para que nele se faça ponto de convergência, ponto de encontro de dois povos, de duas pátrias.
Mas este seu privilégio será ainda mais ajustado se esses dois povos, se essas duas pátrias, são as duas componentes de uma mesma e glorificada Raça.
Pela alegria que nos dá, pelo prazer que sentimos, pela honra que nos concedeu com a sua apetecida presença, quero endereçar a V. Ex.ª, muito comovidamente, os meus, os nossos agradecimentos.
Muitos são os portugueses que têm no Brasil prolongamentos lembrados de parentesco familiar.
Poucos serão os brasileiros que em Portugal não tenham ou não sintam o apelo ancestral do regresso às origens.
Este entrelaçar de vidas e sentimentos faz do Brasil e de Portugal facto único na história das nações: flectindo muito embora por caminhos diferentes ou evoluindo por vias paralelas, que as flutuações da política foram traçando, sempre estiveram ligados por outros laços que se eternizam na maravilha da língua herdada, e que, fortalecidos pelos misteriosos imperativos do passado, nos ligam necessariamente ao futuro.
Há uma força afectiva, indomável e persistente que é fonte maravilhosa dos enlevos, dos interesses, do carinho que sentimos por tudo quanto é brasileiro.
Por isso, há dias, quando a rádio transmitiu os resultados da eleição, logo um distinto deputado - que acabou de usar da palavra - interrompendo os trabalhos do Plenário, dava a notícia do facto, como o maior acontecimento dos últimos tempos da história que o Brasil vem escrevendo.
Chegara-lhe a notícia de que Tancredo Neves fora eleito Presidente do Brasil.
Não se contivera o Sr. Deputado e, de pronto, viera a esta Câmara dar a notícia com a ansiedade com que se transmitem as boas novas.
É que, com a eleição de V. Ex.ª, aquele distinto deputado sabia que naquela história admirável se estava virando a página para um novo relacionamento político naquela grandiosa Nação. A democracia franqueara com alegria e entusiasmo as portas para um novo horizonte de promissoras esperanças.
O generoso povo brasileiro estava em festa.
Nesta Assembleia ressoaram, então, os aplausos que vitoriavam uma conquista que também fazíamos nossa.
Por isso, a Assembleia da República exprimiu a sua mais viva satisfação e formulou, solenemente, um voto para que tal facto representasse uma nova era de paz e democracia para o povo irmão do Brasil.
Para além da unanimidade da aprovação daquele proclamado voto, conta muito mais a alegria, o entusiasmo, a esperança que perpassaram pelo coração de todos os Srs. Deputados que, pela força emotiva da sua vontade, estavam a dar expressão autêntica ao desejo profundo de sentir, como coisa própria, o que na Nação irmã se vivia.
Sentimos então quanto Portugal, os Portugueses, amam o Brasil. É que sem o Brasil não se compreende a história e a vida de Portugal.
A eleição de V. Ex.ª abriu e fecundou a esperança ... A força, o prestígio e a glória do Brasil, terão encontrado naquele histórico acto a brecha alargada para refazer a reivindicada democracia.
Democracia que vai ser conquista permanente e constante do quotidiano. Luta sem tréguas para que ganhe raízes fundas, floresça e dê frutos, de tolerância, de justiça e de insuperável rectidão moral.
Velho é o seu conceito. Tão velho como a aspiração e o pulsar do coração dos homens; mas sempre renovado ao sopro forte dos que fazem da liberdade a razão e o supremo sentido da dignidade humana.
O povo brasileiro vai reviver, aprofundar e enriquecer aquela dignidade.
Povo ágil, vivo, jovem, que sabe moldar com graça e adoçar com ternura o carácter dos que no seu solo se radicam para viver; povo de uma imaginação surpreendente, de uma lucidez incomparável, vai dar à sua próxima vivência política a beleza e a harmonia que dão carácter a tudo o que se faz com entusiasmo e com fé. Fé que, neste caso, não será segurança, mas o desafio que se aceita com a certeza de se ganhar a aposta.
Esse admirável e grandioso Brasil, país da esperança, vai escrever o futuro com a certeza da vitória. A sua imensidão, a grandeza da alma do seu povo, que pela alegria abre perspectivas de um optimismo voluntarioso e sadio, são razões seguras para apontarmos o êxito com a convicção com que formulámos os nossos desejos realizados.
País que é força, país que é esperança, país que está crescendo e que se vai agigantando aos olhos do Mundo, admirados e surpresos, como se um colosso se movimentasse, rasgando o tempo, com a audácia e a confiança, que reduz ao ridículo as incertezas ou as dúvidas que a cegueira ou a ignorância se atrevam a inventar.