4360 I SÉRIE - NÚMERO 112
Ora, se isto já de si é um dos aspectos mais graves do problema, não deixa de ser incrível, por outro lado, que as dotações de verbas para tudo isto só sejam atribuídas aquando da entrada desse mesmo período crítico dos incêndios florestais, ou seja, em Julho - como foi denunciado e lamentado pelo Sr. Presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil, Sr. General Neves Cardoso.
Foram atribuídos para o efeito 600 000 contos; nós dizemos que até poderiam ter sido atribuídos 10 milhões de contos que o efeito seria rigorosamente o mesmo. Não são possíveis acções de prevenção contra o fogo quando aquele já grassa por todo o lado e também não é possível adquirir, distribuir e gerir meios de intervenção em cima dos acontecimentos e muito menos é concebível, depois de tudo isto, que o Sr. Ministro da Administração Interna apareça, em pleno mês de Agosto, quando as chamas já devoraram nessa altura milhares e milhares de hectares, a dizer que o Governo vai tomar medidas em tempo adequado. Isto é ridículo e só não é jocoso porque é trágico.
Depois, como se não bastasse todo este absurdo o Sr. Ministro da Administração Interna acaba ainda por pretender lançar a responsabilidade da prevenção dos incêndios florestais para cima das autarquias.
Sobre isto poderíamos, desde logo, perguntar-lhe que meios financeiros e materiais foram postos à disposição das autarquias para o efeito, mas parece que a questão é bem mais complexa do que isso.
É evidente que as autarquias têm um papel importante e devem participar, também, na busca de soluções para o problema. Mas também é evidente que isso exige uma prévia, clara e precisa definição e atribuição de responsabilidades e dos correspondentes meios. Também é evidente que isto exige o funcionamento concertado das comissões especializadas, em todas as autarquias, envolvendo o Governo, o Serviço Nacional de Protecção Civil, os serviços florestal e os bombeiros.
A verdade é que nenhum destes pressupostos, de per si, se verificaram ou se verificam, e muito menos se conjugam. Resulta, pois, daqui que, no actual contexto, a tentativa de responsabilizar as autarquias é, no nosso entender, um acto de má fé que visa alijar as responsabilidades a um governo que, nesta matéria, se mostra manifestamente irresponsável. E o mais preocupante, depois de tudo isto, é a persistente manifestação de incapacidade para enquadrar toda a problemática dos incêndios florestais.
E porque é que fazemos esta acusação? É porque se a detecção e combate aos incêndios florestais depende fundamentalmente do planeamento, dos meios e da sua implementação e coordenação, e prevenção, que é talvez a fase mais importante, essa, impõe o entendimento da origem dos fogos e a intervenção ao nível das suas causas.
Ninguém desconhece que, infelizmente, a maior parte dos incêndios florestais tem origem criminosa. E também ninguém duvida que não são os pirómanos os maiores responsáveis por esses incêndios criminosos. Aqui reside a raiz do problema. É que a política florestal desenvolvida e a estrutura dos circuitos e do regime de escoamento e comercialização das madeiras estão intimamente ligados aos fogos florestais criminosos, e é aqui que importar actuar.
Ouve-se dizer que não é pela via coerciva. Nós diríamos que não será pela via coerciva que se sensibiliza a população para a necessidade de acautelar os potenciais factores geradores de fogos florestais. Bom, mas esta é uma área restrita, pois o grosso do problema está nos incêndios de origem criminosa. Para esses tem de haver a força coerciva da lei, sob risco de uns quantos criminosos, actuando, muitas vezes, dependentes de outros bem mais criminosos, que não aparecem a pegar o fogo mas que o pagam, dizimarem um dos mais importantes patrimónios do nosso país, não apenas pelo seu aspecto directo - o económico -, mas também pelo que ele representa na fixação das populações e no combate à desertificação humana em vastas regiões do interior deste país.
Diríamos que a priorização anárquica da floresta industrial, a ruptura que tem sido criada quanto à concepção da utilização da floresta de uso múltiplo - também ela geradora da fixação de populações, que são um elemento importante para a detecção e para o combate dos fogos -, a ausência de um ordenamento florestal, têm muito que ver com esta calamidade e com a razão da existência dos fogos criminosos.
Temos circuitos comerciais dominados por um regime que, mais do que permissivo, fomenta a ganância de madeireiros. Não pretendemos incluir todos os madeireiros, como é lógico, nesta área, mas, infelizmente, existe um número importante deles que não hesita perante certos meios para atingir os seus fins.
Em devido tempo apresentámos nesta Assembleia um projecto de lei que visava criar, entre outras acções, parques de recepção e triagem de material lenhoso, que desincentivassem os fogos criminosos na busca do lucro fácil. Na altura chamaram-nos colectivistas, como se algo tivesse que haver de colectivismo nos parques de recepção e triagem de material lenhoso. Mesmo este governo chegou a anunciar que iria criar esses parques. Não os criou e contribuiu, efectivamente, para alimentar a gula de uns quantos criminosos gananciosos que vão destruindo este património florestal e ceifando vidas para atingir o lucro fácil.
Concluo com mais uma questão que tem a ver com as vidas que têm sido ceifadas, daqueles que, abnegadamente, têm lutado no combate aos incêndios e na defesa das populações. Julgamos que é tempo de acabar com as lamentações a este respeito, de fazer votos de pesar e de se continuar a permitir que estes homens, que voluntariamente arriscam a sua vida em defesa da comunidade, possam morrer sem que sejam minimamente acautelados aos seus familiares os direitos à vida e à existência digna. Julgo que esta situação exige não apenas palavras, mas actos.
Pela nossa parte, estamos dispostos, na próxima sessão legislativa, a imediatamente tomar providências no sentido de que seja viabilizada uma solução para acorrer a estes casos, sendo certo, também, que uma política correcta na prevenção dos incêndios florestais, na correcção dos factores que contribuem para a criminalidade a este nível, deve ser tomada, porque se assim não acontecer o Governo e esta Assembleia serão responsáveis pelas vidas que se perdem e pelas economias que se destroem.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições e como não temos ordem de trabalhos, dou por terminados os nossos trabalhos, desejando-lhes que tenham um período de férias parlamentares auspicioso e que os vossos trabalhos de campanha corram para todos o melhor possível.
Srs. Deputados, declaro encerrada a reunião.
Eram 16 horas e 25 minutos.
A REDACTORA, Maria Leonor Ferreira.
PREÇO DESTE NÚMERO 18$00
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.