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7 DE MARÇO DE 1987 2013

O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria bom que, politicamente, se falasse menos de jornais e muito mais dos jornais. Ao menos para se acabar, de uma vez por todas, com certas ideias herdeiro-românticas, para não dizer oportunistas, de um espírito tão barroco como bacoco.

O Sr. Joio Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - Barroco, porque se insiste em fazer do espelho e do desengano a consciência da informação; bacoco, porque também nesta matéria não sabemos o que queremos, ou, se queremos, disso não sabemos.
A verdade é que neste comércio do entendimento dos meios de comunicação social, somos um país onde os índices de surdez e de cegueira suplantam, de longe, os do analfabetismo. A tal ponto que, parafraseando Paulino Garagorri, nós, Portugueses, somos, com efeito, um povo que frequentemente faz um problema de si mesmo. E os jornais são uma espécie de janela da nossa individualidade colectiva, um miradouro voltado para a literatura do descontentamento dos poucos que os lêem, dos muitíssimos que nunca os leram ou jamais lerão, a despeito das campanhas feitas ao jeito de «ler jornais é saber mais», cujos resultados práticos são tão positivos como aqueles que poderia esperar quem pretendesse vender gelados na Lapónia.
Antes que o fumo alastrasse e se não desse fogo, há dias o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares voltou a soprar as chamas dos milhões de contos gastos com a comunicação social, incendiando o juízo dos que sempre teimaram em dizer que «ler jornais é dissipar mais os dinheiros públicos».
Ora, quando um Governo diz «mata», logicamente espera que o som de retorno seja «esfola», porque para isso está convenientemente preparada a opinião pública. De que jeito? Ou destapando feridas e atando ligaduras nas partes sãs do corpo ou procurando provar que, a exemplo dos ingénuos, também os governantes não são tocados pelo pecado da memória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabe-se, há milénios, que as palavras voam e os escritos permanecem. E no relatório da 1.ª Comissão Parlamentar, elaborado sobre as Grandes Opções do Plano e Orçamento do Estado para 1987, estão transcritas, ipsis verbis, as seguintes declarações do Sr. Secretário de Estado Marques Mendes: «No que compete ao Estado, o Governo considera o problema de O Comércio do Porto resolvido. Através da constituição de um fundo, por despacho conjunto publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Setembro de 1986, atendeu-se à indemnização por motivo das reformas antecipadas e ao investimento necessário à aquisição de uma rotativa. Nos moldes solicitados pela empresa contemplaram-se as pretensões e o fundo permitirá as indemnizações aos trabalhadores reformados e, ao mesmo tempo, servirá de aval a um financiamento bancário para a aquisição da rotativa.» E prossegue: «A informação do administrador de O Comércio do Porto, quanto ao fundo, só em parte é menos correcta, pois não refere a questão da rotativa; oculta elemento essencial e que é dado adquirido. Outra questão verdadeira é a de que a empresa de O Comércio do Porto suportou 115 000 contos com as antecipações aos pré-reformados, quantia essa que vai ser regularizada, de imediato, pela Secretaria de
Estado da Segurança Social [(...)] O assunto de O Comércio do Porto, em termos financeiros, é muito grave. A empresa tem um passivo de 1 200 000 contos, com a gravidade de que este passivo não se conheceu na sua real dimensão. Trata-se de uma questão que daria pano para mangas. O Governo não percebe como se pôde deixar chegar O Comércio do Porto à presente situação, sobretudo quando não se conhecia a real situação da empresa até há três meses a esta parte, caso muito grave, sobretudo porque se assistiu, impávidos e serenos, durante anos, a esta situação de o banco, que é proprietário, se assumir como credor e não como proprietário. Muitas orientações das seguidas até agora terão de ser definidas. Vão sê-lo a curto prazo e com as partes interessadas.»
Fim de citação, mas de modo algum fim da confusão. E por uma razão muito simples: estamos em Março de 1987 e O Comércio do Porto vai de mal a pior. Primeiro, porque sendo um caso com pano para mangas - como disse o Sr. Secretário de Estado -, nem sequer se pegou nele pelos colarinhos; em segundo lugar, porque nem 115 000 contos foram repostos, nem o fundo de 150 000 contos foi aplicado. Aqui chegados, entramos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no chamado anedotário nacional.
É verdade, verdadíssima, que, de acordo com o tal despacho conjunto de 27 de Setembro de 1986, se determinou «A constituição no Banco Borges & Irmão, pelo Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, de um fundo no montante de 150 000 contos, destinado a libertar um rendimento suficiente para suportar os encargos que ao Estado cumpre assumir no tocante às reformas antecipadas dos trabalhadores da empresa O Comércio do Porto, durante o período de 1986 a 1996, ou seja, até ao final do período excepcional decorrente da aplicação da citada Resolução n. º 52/84, de 26 de Dezembro». Novo fim de citação, outro começo de estupefacção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O poeta Reiner Maria Rilke começa por dizer, creio que logo na primeira das suas Elegias: «Eu também tenho os meus mortos e eles falam-me.»
O Governo vai mais longe: também tem os seus mortos mas ressuscita-os, mantém contactos com o Além, acredita na metempsicose, põe os mortos a gerir a rés pública. De outro modo, como compreender que, em Setembro de 1986, encarregue o Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego de constituir um Fundo de 150 000 contos em favor de O Comércio do Porto, quando extinguiu esse mesmo Gabinete de Gestão pelo Decreto-Lei n.º 40/86, de 4 de Março? Que conclusão tirar deste bruxedo, desta autêntica trapalhada? O que se passa afinal e com que intenções? Um jornal em situação grave é mantido na tenda de um oxigénio que se promete e não se dá, são-lhe diagnosticados os males maiores e é o próprio médico (o Governo) que brinca com o resto da saúde do doente, apertando-lhe o gasganete. Enquanto isso, o Sr. Secretario de Estado Marques Mendes está convencido, e procura convencer os outros, de que o coxo tem pernas para andar.
Tudo isto daria para rir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se não estivesse em causa o jornal diário mais antigo do País e se não se estivesse a jogar com o presente e o futuro de 518 trabalhadores.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.