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21 DE DEZEMBRO DE 1988 771

se contrapõe a imagem «cor-de-rosa» empresa privada/eficácia/lucros/êxito.
É importante deixar claro que a noção de serviço público de transportes, apenas, significa a indispensabilidade de enquadramento prévio, regulamentar ou contratual, da organização da prestação de transporte pelas entidades públicas competentes. Portanto, o serviço público será prestado, quer por empresas públicas, quer por empresas privadas não se identificando, de modo algum, com a propriedade jurídica dos meios de produção.
c) Para um melhor entendimento e perspectivação das questões anteriores, não é despiciendo relembrarmos, numa breve sinopse histórica, o que tem sido a evolução das políticas dominantes no sector de transportes, no pós-guerra.
Assim, os anos 50/60 são dominados pela exploração e crescimento acelerado do automóvel e da rodovia, na convicção eufórica de que o automóvel era a solução mágica para todos os problemas de transporte de passageiros. Os anos 70, sobretudo a partir da primeira grande crise enérgica, são anos de reflexão e da tomada de consciência da necessidade de se planear integramente o sistema de transportes, promovendo os transportes colectivos e articulando, na sua complementaridade vocacional, os diversos modos. Esta necessidade de organização planificada do sistema de transportes aparece, ao mesmo tempo, ligada à necessidade de compatibilizar e integrar o desenvolvimento do transporte com o ordenamento do território e ligada a preocupações ecológicas e enérgicas.
Os anos 80, sobretudo a partir da experiência inglesa da liberalização deste sector, aparecem divididos entre os que defendem a continuidade da política propugnada no período anterior e os que pretendem seguir o modelo ensaiado na Inglaterra.
Vista esta questão à luz das tendências que se manifestam no seio da CEE, o problema de fundo é o estabelecimento de normas equitativas a serem cumpridas igualmente por todas as partes.
Entretanto, no nosso país, a Lei n.º 2008, de 1945, produto da política de condicionamento industrial e proteccionista do caminho de ferro, nem conseguiu promover o transporte ferroviário, antes pelo contrário, como todos sabem, nem enquadrar o desenvolvimento do transporte rodoviário.
Na sua sequência lógica e na legislação complementar geram-se profundos condicionamentos e constrangimentos, redes irracionais decorrentes das concessões «linha-a-linha», processos burocratizantes, centralismo decisional, predomínio da oferta sobre a procura, enfim, um modelo organizacional que urge ser substituído por um modelo alternativo que se enquadre nas modernas tendências de políticas de transportes e que corresponda às reais necessidades do nosso país.
É assim, com agrado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que registamos a atitude e a iniciativa do Governo em apresentar uma proposta de lei de bases do sistema de transportes.
No entanto, na apreciação concreta desta proposta de lei não podemos manifestar, infelizmente, o mesmo estado de espírito.
Com efeito, mesmo à luz dos objectivos e princípios gerais consagrados na proposta de lei, cuja formulação, de qualquer modo, se considera bastante deficiente, não podem deixar de constatar, objectivamente, as seguintes situações críticas:

a) Uma profunda contradição entre os princípios enunciados e as disposições constantes no corpo da proposta de lei.
Assim, por exemplo e sem pretender ser exaustivo, a liberdade de escolha dos utentes, em muitas parcelas do território nacional, fica confinada à posse/utilização ou não do seu automóvel, por que apenas poderão contar com algum transporte que a livre iniciativa em regime de concorrência, poderá ou não estabelecer.
Aliás, quando a situação de serviço público fica apenas confinada aos transportes locais e à rede ferroviária, está-se a configurar uma situação de profunda injustiça em relação a muitas parcelas do País (a muitos cidadãos), não só por não se atingir o princípio da liberdade de escolha (só para alguns), como também por se ferir gravemente um outro princípio enunciado que é o da igualdade de tratamento dos utentes.

Vozes do PS: - Muito Bem!

O Orador: - Não há igualdade quando, por exemplo, um cidadão pode deslocar-se em caminho de ferro (serviço público) entre Lisboa e Porto, e um cidadão que pretenda deslocar-se de uma localidade, não servida por caminho de ferro (para Lisboa ou Porto) terá de o fazer sem dispor de um serviço público, apenas podendo contar com o que os mecanismos de mercado lhe apresem em.

b) A omissão e ou a falta de reprodução nas disposições da proposta de lei de alguns princípios enunciados, como a articulação com o ordenamento do território e as necessidades de segurança.
No primeiro caso, apenas se faz uma referência ao ordenamento do território quando se trata do plano de transportes nas áreas metropolitanas.
Quanto ao princípio da segurança, a sua omissão é gravíssima porquanto se torna fundamental explicitar, no corpo da lei, critérios referentes à segurança técnica dos veículos e às condições sociais de prestação do trabalho de condução, como factor fundamental da segurança global do sistema e também como factor indispensável à balizagem dos critérios que deverão enformar um quadro de uma concorrência sadia. Não é este último aspecto a causa fundamental de recentes e dramáticos acontecimentos ocorridos nas nossas estradas?
c) Um profundo centralismo perpassa por todo o corpo da proposta de lei. Esta não consegue sequer configurar o modelo organizacional decorrente dos princípios da regionalização, consagrados na Constituição.
Exceptuado a descentralização de competências em matérias de transportes locais para os municípios, aliás na sequência lógica da descentralização já efectuada pelos governos do PS dos transportes escolares e do previsto Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Março, que até à presente data, ainda não foi regulamentado, a proposta de lei omite, em termos institucionais, o nível regional ou seja as regiões administrativas.
Mesmo quando pretende dar uns laivos de regionalismo, como é o caso das áreas metropolitanas, o poder local aparece misturado num ramalhete decorativo em que o poder central tudo nomeia e tudo decide.