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20 DE OUTUBRO DE 1989 67

é de agora. Não tivemos de esperar pela evidência dos seus efeitos ou que a opinião pública tivesse a mesma percepção da tentação hegemónica para a denunciar. Nunca nos deixámos seduzir por um discurso que a propaganda tentou maquilhar, mas onde eram já evidentes os sinais do que hoje todos reconhecem. Mas isso agora pouco importa, não subi a esta Tribuna para colher louros da capacidade de avaliação política do PS, mas para lançar um debate que considero essencial para a consolidação do regime democrático.
Numa frase que não podia deixar de ser mais sintética, afirma-se no início das considerações que acompanham o texto desta moção de censura: «A democracia não se resume ao Governo da maioria.» Esta é, infelizmente, a fronteira que, desde logo, separa as águas do entendimento que o PSD e o PS fazem da democracia.
Este Governo tem uma maioria parlamentar de legitimidade inquestionável e entende por isso que tudo lhe é permitido, e, devo mesmo dizê-lo, que tudo lhe é devido. Para encurtar razões, parece que nunca ninguém explicou a este Governo e a esta direcção do PSD que uma parte, qualquer que seja a sua dimensão, não é o lodo. E que em política o respeito pela diversidade do todo se chama democracia, e o contrário sabemos o que se chama. Naturalmente a tanto não chegam nem ambicionam aqueles que governam Portugal. Mas a democracia não esta posta em causa apenas quando se implanta; por exemplo, uma ditadura.
Nem os riscos de deterioração hoje evidentes tom de prenunciar o seu derrube para se tornarem preocupantes e serem, em si, um problema nacional na base do qual deve ser posta a questão da confiança política.
O que está em causa é saber se se quer para Portugal uma democracia mitigada e predominantemente formal ou uma democracia moderna, onde se valoriza, por exemplo, a intransigente defesa da neutralidade partidária do Estado, a eficaz administração da justiça, a dinamização da sociedade civil.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O estado da democracia portuguesa depende necessariamente da sua própria pedagogia, e esta é feita quer ao longo da formação do cidadão, como parte essencial da sua aprendizagem, quer pelo modo como os titulares dos órgãos de soberania exercem os seus mandatos. Por isso é sobre o Governo que pendem amplas responsabilidades, quer na educação e formação, quer na administração da justiça, quer no relacionamento institucional, quer na própria forma como, através do Orçamento do Estado, se disponibilizam meios para uma actuação condigna dos órgãos de soberania.
Em tudo isso este Governo tem falhado. Pior do que, isso, tem deliberadamente falhado. O Executivo tem ao seu dispor meios que nenhum outro teve para dignificar as funções do Estado, para nos atermos primeiro aos aspectos formais e de funcionalidade. Não vou longe buscar exemplos, basta ver o que não se fez -por responsabilidade da bancada da maioria- para dotar esta Casa de condições para um melhor e mais plural funcionamento; basta recordar as dificuldades postas até agora à votação sobre a independência financeira de outro órgão de soberania.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O primeiro e mais grave problema é um problema de ética e de cultura políticas. De forma inequívoca, sistemática e convicta o Sr. Primeiro-Ministro comete o erro, e digo, grosseiro, de identificar o interesse público governamental e as oposições como meros agentes de «interesses privados».

Aplausos do PS.

Fá-lo, essencialmente, porque a sua cultura política não inclui o conceito de alternância, mas apenas o de hegemonia. Por isso recorre a um falso maniqueísmo, destruidor dos princípios mais elementares dos regimes democráticos. A falta de consideração manifestada pelo Governo em relação às oposições parlamentares, sectoriais, empresariais, sindicais ou outras, mina qualquer pedagogia da democracia, é um grave factor de instabilidade e impede a indispensável institucionalização de formas mais aperfeiçoadas de representação de interesses legítimos na sociedade portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É por entender deste modo o regime democrático que o Governo incentiva e promove a aproximação sistemática entre as 'estruturas do partido e as estruturas do Estado, como forma de consolidar clientelas, que quer cada vez mais vastas, e de contornar a todo o custo o princípio, da alternância, que naturalmente não cultiva como atributo essencial ,da democracia. Os exemplos são inúmeros: são as nomeações que traduzem esmagadoramente critérios políticos, algumas retribuídas mais tarde em serviços de propaganda, de que temos, recentemente, um exemplo deprimente.

Aplausos do PS.

São depois as nomeações administrativas onde o critério também é frequentemente partidário, violando o princípio da neutralidade do Estado. São ainda as mais variadas formas de pressão para tornar evidente às elites locais, autárquicas ou outras, que o sucesso das suas carreiras ou depende do partido no Poder ou não existe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao tentar garantir por todas as formas a sua hegemonia política, este PSD rompe com qualquer tradição social-democrata, o que é, em si mesmo, um problema seu, mas por arrastamento destrói a imagem da democracia política, rompe a confiança entre o cidadão e os políticos e entre os agentes económicos, culturais e sociais e o Estado, e esse já é então um problema de todos nós.
Pela manipulação do aparelho do Estado e pelo desvirtuamento da natureza democrática do regime, o PSD tenta, sempre que pode, eliminar a competição interpartidária nas instituições de legitimação eleitoral. É disso exemplo o modo como conduziu o processo autárquico, onde frequentemente proeurou aliciar por todos os meios autarcas alheios, mais do que afirmar a autonomia de qualquer produto seu. O que lhe importa é fortalecer a sua rede clientelar, construída, consolidada e alimentada à sombra dos aparelhos do poder central e local.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Este PSD, este Governo e este Sr. Primeiro-Ministro são os responsáveis, em Portugal, pela