786 I SÉRIE-NÚMERO 22
e limitar a minha intervenção ao que ela tem de essencial por elementar respeito pelos tempos dos oradores que se hão-de seguir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há quase meio século, precisamente no Verão de 1941, e num dos momentos porventura mais sombrios da Segunda Guerra Mundial, a Carta do Atlântico prometia a todos os povos, vencedores ou vencidos, o direito de no futuro escolherem livremente a forma de governo que preferissem e o respeito pelas liberdades fundamentais. Posteriormente, em Ialta, os três grandes retomaram e confirmaram solenemente esses princípios. Porém, a realidade cedo se mostrou ser outra.
Finda a guerra, e no tempo que imediatamente se lhe seguiu, os partidos comunistas desses países fizeram tábua rasa desse compromisso e, por processos não democráticos, cedo se instalaram em todos e em cada um desses países férreas ditaduras colectivistas.
As tentativas de libertação e de reposição dos respectivos direitos humanos foram sempre cruel e violentamente esmagadas, como aconteceu na Hungria em 1956 e na Checoslováquia em 1968.
É certo que acabamos de saber que os países da Europa Oriental, com inclusão da União Soviética, condenaram agora a invasão da Checoslováquia de há 20 anos. É uma atitude que merece o nosso aplauso, mas dificilmente, e apesar disso, se esquecerá o sofrimento dos povos humilhados e sacrificados, e também não será por isso que se perderá a memória de lan Palach, o jovem que voluntariamente se imolou ao seu amor pela liberdade e pela sua pátria. Ele permanecerá como um símbolo na lembrança de todos os homens livres, como permaneceu no coração do povo checoslovaco.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: durante as últimas dezenas de anos, assistimos ao desenrolar de uma intensa e hábil propaganda, que porfiadamente proclamava as excelências da vida no Leste Europeu. Todavia, e ao arrepio dessa mesma propaganda, o que se verificava é que os cidadãos desses países, sempre que podiam, procuravam refúgio no Ocidente; e fizeram-no em tão grande número que para evitar esse êxodo em massa de tal paraíso se tomou necessário construir a cortina de ferro e o Muro de Berlim, agora felizmente já destruído pelos Berlinenses e para alegria nossa, com uma participação decisiva da juventude de ambos os lados desse muro.
Simultaneamente, os teóricos do socialismo marxista continuavam a profetizar como inevitável o triunfo final da sua ideologia: segundo eles, seriam as contradições do sistema ocidental a determinar o seu afundamento e a emergência do socialismo real em todo o Ocidente.
Todos os acontecimentos recentemente ocorridos nos países do Leste vêm demonstrar de modo evidente que tudo está a acontecer ao contrário do que tais profecias prenunciavam.
Os países ocidentais, pesem embora as suas limitações, e até possíveis erros, souberam construir um alto nível económico e social, e o que é de tudo o mais importante é que todos construíram também instituições e sistemas políticos que são modelos de liberdade e de respeito institucional pelos direitos humanos.
O confronto desta realidade com o que ocorre nos países socialistas explica as dissidências cada vez mais numerosas e as constantes fugas do Leste de intelectuais, artistas, e de tantos outros milhares de cidadãos que, muitas vezes, com o risco da própria vida, procuraram no Ocidente a liberdade que nas suas pátrias lhes era negada.
E explica também o facto a que assistimos agora de serem nações inteiras que se levantam, e que irreprimivelmente proclamam também a sua liberdade e o seu desejo de verdadeira democratização, rejeitando definitivamente as soluções ditatoriais e colectivistas.
Assim, o que há escassos meses nos parecia ainda um bloco monolítico aparece-nos agora tal qual é: um sistema caduco, de economia em grave crise, que ele não sabe nem pode superar, e uma estrutura política burocratizada e ditatorial, completamento desadequada das exigências das sociedades modernas.
Afinal, e ao contrário da futurologia que fizeram os referidos profetas, são as contradições e a inépcia do «socialismo real» que estão determinando o seu afundamento. São elas que projectam os povos do Leste europeu no caminho do pluralismo democrático e da reforma das suas estruturas políticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nao obstante, muito de decisivo aconteceu já nos países do Leste europeu, de decisivo e de irreversível, e todos sentimos que, seja qual for a evolução futura dos acontecimentos, nada voltará a ser como foi antes.
Nesta hora exaltante, a Europa Ocidental deve, assim, considerar como um imperativo ir ao encontro dos povos do Leste que estão construindo os alicerces da sua liberdade e facultar-lhes a ajuda e a cooperação de que carecem e para os quais Portugal deve estar também disponível na medida das suas possibilidades.
Mas também penso que tal ajuda deve ser actuada sem prejuízo - e até com o possível reforço - da solidariedade das nações ocidentais, traduzida nos tratados e nas instituições que as unem e que têm sido a inequívoca causa - a causa principal - do seu progresso económico, da sua crescente aproximação cultural e da preservação da paz nos últimos quarenta anos.
É verdade que assistimos já a recentes reformas na União Soviética que, pela sua importância, são sinais inequívocos do espírito de mudança e de revisão da sua política instaurada por Gorbatchev.
No entanto, e apesar de todas as boas intenções que ouvimos anunciar, o Pacto de Varsóvia e as forças armadas soviéticas, só por si, continuam a dispor de forças convencionais várias vezes superiores às da Aliança Atlântica e que excedem em muito as necessidades militares de simples defesa.
É assim certo que se a hora que estamos vivendo é de esperança, ela deve também ser ainda, por algum tempo, de prudência e de firmeza. Porque em política, se as esperanças estimulam, só as certezas contam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em qualquer caso, na perspectiva imediata em que se centra o nosso debate, é para todos nós sinal altamente positivo e extremamente emocionante o facto de os povos do Leste Europeu estarem lutando pela sua liberdade e conseguindo a democratização das suas pátrias.
Eles estão, assim, corajosamente, a demonstrar que o direito não é nem pode ser nunca um simples instrumento do poder; que o reconhecimento da liberdade humana não é uma mera faculdade jurídica que o arbítrio do legislador possa dar ou tirar; que cia é ainda mais do que um valor ou uma referência ética, porque faz parte integrante da própria natureza humana; porque sem liberdade não se pode viver nem ser integralmente um homem.
Esses povos merecem, assim, e só por isso, a nossa total e entusiástica solidariedade.