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6 DE DEZEMBRO DE 1989 787

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, sociais-democratas, saudamos jubilosamente tudo que no Leste europeu está acontecendo, porque esses fenómenos constituem para nós motivo de singular satisfação. É que esses acontecimentos são a demonstração cabal de que os totalitarismos dogmáticos do socialismo real e do Estado todo-poderoso só conduzem à opressão e à miséria.
Tudo, portanto, nos vem confirmar na nossa razão: só a via reformista que defendemos - e que já se desenha nalguns desses países como solução - pode conciliar, nas sociedades modernas, a defesa da dignidade e da liberdade do homem, que é o nosso valor primeiro, com as exigências do progresso e de uma verdadeira justiça social.
Assim reforçados no nosso pensamento, continuaremos, à sua luz, a desenvolver coerentemente a nossa acção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se António Sérgio aqui pudesse estar teria dito, com certeza: abaixo o reino cadaveroso! E teria pedido um pouco mais de Europa, é o mínimo que nos exige a grandeza dos sucessos que constituem o objecto deste debate. Mas, afinal, alguns - parece que também o próprio Sr. Ministro - só queriam chegar a Lisboa. Não sei se conseguimos sair de cada um dos nossos bairros, talvez um novo debate seja necessário!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Temos o privilégio de assistir, por vezes quase incrédulos, a acontecimentos que dia a dia estão a mudar a história da Europa e do mundo. Vimos cair um muro e dogmas que suo já passado. E somos, pela primeira vez, como queria o filósofo, contemporâneos do futuro. De Ialta a Malta é um ciclo histórico que se fecha. Uma ordem acaba. Uma vez mais se constata como é grande, afinal, a desordem das ditaduras. Uma nova era está em marcha. Mas ninguém pode dizer com segurança qual a nova ordem dos séculos.
Em estilo quase telegráfico, tentarei destacar alguns pontos.
Em primeiro lugar, o mérito histórico de Gorbatchev. Sem a perestroika nada teria sido possível. É de elementar justiça saudar - como aliás o fez o Presidente Bush - a lucidez e a coragem do líder soviético. O processo reformador por ele iniciado transformou-se já num processo libertador sem precedentes na história recente da Europa.
Em segundo lugar, a força irresistível dos ideais de liberdade e democracia que constituem o cerne da civilização democrática europeia. 200 anos depois, os direitos do homem proclamados pela Revolução Francesa ganham uma nova dimensão, uma nova pujança, uma nova universalidade. É de novo o primado do homem e do indivíduo contra a ideia abstracta de massa, de classe, de partido ou de Estado. Razão linha Jaurés quando intuiu que o socialismo ou seria a realização histórica do individualismo ou não seria.
Em terceiro lugar, a falência de um sistema que, em nome de um grande e belo ideal de libertação, trouxe consigo o goulag, a supressão das liberdades, o partido único e o controlo do Estado, da economia e da sociedade pelo seu aparelho dirigente. E mais: a pretensão de controlar as próprias consciências, que é sempre o pior erro e o pior crime de todos os totalitarismos, como muito bem disse o escritor soviético Anatole Ribakov.
Em quarto lugar, a razão histórica daqueles que, na esquerda e de um ponto de vista de esquerda, sempre recusaram a teoria leninista do partido de vanguarda e o modelo totalitário construído por Estaline.
Razão de Martov, de Plekhanov e de muitos outros sociais-democratas russos. E também daqueles bolcheviques que só muito tarde e à custa da própria vida compreenderam quem era afinal Estaline e o logro em que estava a transformar-se a revolução que tinham feito.
Razão de Léon Blum quando, no Congresso de Tours de 1921, teve a coragem de recusar as 21 condições impostas pela Internacional Comunista e de defender, com extrema clarividência, uma concepção democrática do socialismo.
Razão de Mário Soares e do Partido Socialista quando, em 1975, perante o silêncio, as omissões, a incompreensão e a cobardia de muitos, ousou combater e vencer, em nome da liberdade e da democracia, a tentação totalitária.

Aplausos do PS.

Em quinto lugar, os acontecimentos no Leste europeu exigem dos países democráticos uma nova atitude e uma nova responsabilidade. Uma nova atitude no que respeita à necessidade de repensar e revitalizar, também aqui, o funcionamento das instituições democráticas, por forma a evitar um divórcio entre estas e os cidadãos. Uma nova responsabilidade traduzida no dever de contribuir solidariamente, sem egoísmos nem uma visão tacanha de campanário, para a consolidação das reformas democráticas nos países do Leste.
Em sexto lugar, sabe-se o que está a desaparecer, não se sabe ainda que formas institucionais vão surgir. O problema está em saber se os actuais dirigentes são capazes de ir até às últimas consequências, submetendo-se a eleições livres, única via para consolidar e estabilizar os processos de mudança.
Em sétimo lugar, os equilíbrios surgidos com o fim da II Guerra Mundial estão já a ser postos em causa. O estabelecimento de novos equilíbrios não se fará por certo sem crises, sobressaltos, interrogações. O problema alemão voltou à ordem do dia. Na ordem do dia está a necessidade de uma nova reflexão sobre os blocos militares, bem como sobre o futuro das instituições europeias.
No que respeita à CEE, o reforço da coesão económica e social e, para já, a condição necessária para a Europa comunitária poder responder aos desafios que são postos pela urgência de repensar a Europa toda. Mas esta é também a hora de rejeitar o euroburocralismo e de assumir a Europa na diversidade das suas culturas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Um novo papel cabe ao velho Conselho da Europa, que deverá ser o fórum privilegiado do diálogo entre europeus do Leste e do Oeste.
Em oitavo lugar, a falência do modelo comunista tradicional não é, como alguns gostariam, o fim do socialismo nem o fim da esquerda. Trata-se de certo modo de um regresso às origens e à matriz democrática do socialismo europeu.
É uma nova e histórica responsabilidade para os partidos socialistas e sociais-democratas, que tem agora um novo espaço de irradiação e debate, por forma a impedir