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6 DE DEZEMBRO DE 1989 791

por forma que, no Conselho Europeu de Junho de 1990 pudessem ser analisadas as propostas para atribuir ao Parlamento Europeu um mandato para elaborar as bases constitucionais da União Europeia, que, como se sabe, é desejada pela larga maioria da população portuguesa, à semelhança da generalidade dos povos europeus.
Tal realização culminaria, do ponto de vista político, uma inegável conquista para a Europa e o mundo, fruto do diálogo alargado, do debate e da discussão tão caros a pessoas tão diferentes como Gorbachev e Eduardo Lourenço.
São deste último as palavras com que concluo, e cito: «Nós acreditamos na fecundidade desse diálogo (libérrimo que constitui a condição do progresso do homem europeu) e defendemos a liberdade que o torna possível.
Em toda a parte, onde existir a consciência da sua necessidade, sempre e onde seja possível entendermo-nos sobre o que significam os tipos de humanidade que recobrimos com os nomes de Homero ou Platão, Santo Agostinho ou Erasmo, Descartes ou Einstein, é aí a Europa. Uma expressão cultural sem limites, porque tomou os limites mesmos do homem. Se quisermos ascender ao nível daquilo que a consciência histórica pede hoje a cada homem desperto, é na Europa que temos de permanecer. É do seu diálogo que temos de comungar.»
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - A Mesa informa que se encontram inscritos para formular intervenções os Srs. Deputados Pacheco Pereira e Marques Júnior e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Encontramo-nos, neste momento, a encerrar o debate, proposto pelo PSD, sobre os acontecimentos e sua evolução na Europa do Leste. Por um daqueles milagres da ironia da história, a velha toupeira da revolução, que tanto entusiasmava os dirigentes comunistas, começou a escavar a terra noutra direcção e apareceu-lhe agora em casa.
Na verdade, o século XX esteve prestes a deixar ao século XXI, em pleno coração da civilização europeia, uma herança de opressão e pobreza, de atraso económico e repressão política, uma mancha de iniquidade cívica e de corrupção, que se consubstanciava nos regimes comunistas da Europa do Leste. Esses regimes, nascidos da ocupação militar pelo Exército Vermelho, de grande parte da Europa do Leste, nunca tinham tido qualquer outra razão de existir senão a pura força, e sempre foram considerados ilegítimos pelos povos a eles submetidos.
Ora, é exactamente no momento em que se torna patente, pela revolta dos povos, essa ilegitimidade essencial do sistema do poder comunista que leve todo o sentido realizar este debate, e teve sentido acrescido fazê-lo agora, porque é agora que o movimento de libertação da Europa do Leste está prestes a locar aquilo que são os poderes fácticos do regime comunista. Na verdade, como se passa em todos os verdadeiros movimentos sociais e políticos, estamos na Europa do Leste, embora de forma desigual de país para país, num momento em que um duplo poder se defronta: de um lado, a população, a sociedade, a opinião pública; do outro, os poderes, nus e crus, em que se baseia a autoridade comunista - o exército, a polícia, a usurpação da propriedade pelo Estado, os serviços secretos, o controlo da defesa e dos negócios estrangeiros, do aparelho de Estado. Qualquer avanço popular que se realize confrontará a ilegitimidade da usurpação destes poderes pelo Partido Comunista e tenderá a diminuí-los ou a apagá-los completamente.
Estamos, pois, num período extremamente delicado dos processos de libertação democrática na Europa do Leste.
Lembre-se o que foi a revolta social e política em Portugal, após o 25 de Abril mesmo nos seus excessos, para se compreender o potencial da conflitualidade latente existente nas sociedades da Europa do Leste. Potencial acrescido, porque os regimes ditatoriais comunistas exerceram uma violência sem paralelo com outras ditaduras europeias do pós-guerra. Lembrem-se as revoltas de Berlim, de Budapeste e de Praga, os processos da «guerra fria» com as suas execuções em série, as torturas e as violências de toda a ordem. Lembre-se o muito recente «golpe de Estado interior» da Polónia. Embora à nossa esquerda bem pensante, habituada a ser selectiva nas suas indignações, custe ouvir isto, a verdade é que nada de comparável aconteceu em Portugal, em Espanha ou na Grécia desde o início da década de 50.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto coloca na ordem do dia, com a maior urgência, as tarefas da reconstrução democrática, inclusive porque não há garantias de que não possa haver tentativas de normalização e de regresso ao passado, e tentativas desse tipo, como o que aconteceu na China, teriam custos gravíssimos. Por isso, os povos do Leste precisam de toda a solidariedade para efectivarem a sua revolução democrática, para obterem a liberdade total de opinião e de associação, a reconstituição do sistema de partidos, a liberdade económica e as privatizações, o desmantelamento do aparelho de Estado comunista, a redefinição de alianças internacionais, sem ser sob pressão de países estrangeiros, a inserção no processo democrático, através da realização de eleições.
É por tudo isto que o que está na ordem do dia na Europa não é a questão da coexistência de regimes distintos, como afirmam os tardios renovadores do comunismo, mas, sim, a superioridade ética e política da democracia. O que os povos da Europa do Leste desejam não é coexistir com a democracia, mas serem eles próprios governados em democracia; não querem sistemas diferentes coexistentes, mas iguais; não querem fórmulas mais ou menos hipócritas de democracias adjectivadas de populares ou avançadas, mas, sim, democracia, pura e simples.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A amplitude da crise do comunismo da Europa do Leste implica consequências a outros níveis, para além do processo democratizadotor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa crise afecta, de forma diferente, todos os agentes políticos e a realidade política nacional, e penso ser útil reflectir sobre isso. É óbvio que os principais reflexos da crise do Leste se verificam no Partido Comunista. De facto, a crise do comunismo é também, inevitavelmente, a crise dos partidos comunistas. Crise que, de algum modo, já era evidente bastante antes.