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104 I SÉRIE- NÚMERO 5

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há pouco mais de três anos, o Ministro da Saúde do primeiro e de parte do segundo governos do Dr. Cavaco Silva declarou que resolveria, em dois meses, os problemas da urgência na área de Lisboa. Não cumpriu, como todos sabemos. Há menos de uma semana, o actual Ministro da Saúde do governo do Dr. Cavaco Silva declarou que tinha um plano para resolver o problema da urgência da área de Lisboa até ao fim do ano ou até Fevereiro de 1991. Em poucos meses, portanto. E este, afirmamo-lo nós, também não cumprirá. Infelizmente para os utentes. E, contudo, não é só da urgência na Área Metropolitana de Lisboa que trata este debate que suscitámos. Para essa nem sequer havia necessidade de inventar planos, quando existe no Ministério da Saúde um plano para a urgência na Área Metropolitana de Lisboa desde 1984, no qual colaboraram dezenas de técnicos credenciados e que ainda mantém, no essencial, completa actualidade. No entanto, os governos do PSD têm-no, sistematicamente, ignorado.
O que pretendemos tratar é da urgência a nível nacional, dos seus problemas e das suas múltiplas condicionantes, dos projectos e propostas para a sua resolução, que não pode surgir de um dia para o outro como resultado de um passe de ilusionismo, mas terá de ser o produto de um trabalho metódico e planificado a médio prazo, com meios humanos e materiais, com o empenhamento dos técnicos de saúde e a compreensão das populações, em suma, com credibilidade.
Porque a situação é aterradora, os números - alguns números - aí estão para a ilustrar: cerca de 1,2 milhões de atendimentos/ano na urgência dos principais hospitais centrais: destes, cerca de 300 000 internados/ano pela urgência; mais de 2 milhões de transportes/ano realizados de e para estes hospitais; perto de 2,5 milhões de transportes/ano só na Área Metropolitana de Lisboa.
Para este quadro, as soluções invariavelmente apontadas pelos sucessivos ministros da Saúde são a abertura de novas urgências ou a sua reforma, mas nunca aquelas que preconizamos com um senado de responsabilidade e de futuro: a cobertura adequada do País em cuidados de saúde primários dignos desse nome e, sem pôr em causa a criação de novos hospitais, a diferenciação hospitalar. Pensamos que, a não ser assim, se assistirá ao crescimento constante dos serviços de urgência que, não resolvendo nada, acabarão por devorar os hospitais.
Não vimos, pois, para este debate fazer o «choradinho» das desgraças que, diariamente, têm lugar nos «bancos» dos hospitais distritais e centrais ou em alguns serviços de atendimento permanente de alguns centros de saúde. Pese embora o dramatísmo dessas situações, a sua banalização levou a população a encará-las como uma fatalidade com a qual é preciso viver. Á comunicação social, periodicamente, faz eco destes casos, os profissionais da saúde insurgem-se e denunciam, o Governo promete medidas e a população, essa, sofre.
Mas como a situação é consabida e o próprio Ministro reconhece a sua gravidade, trata-se aqui de analisar as causas e os factores que a condicionam e de encontrar, com a participação de todos, as terapêuticas adequadas, porém sem demagogias eleitoralistas, sem esconder insuficiências, sem enjeitar responsabilidades.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: É hoje um lugar-comum - que nos foi, aliás, repetido por todo o País - dizer-se que a urgência hospitalar está afogada pela falência a montante dos cuidados de saúde primários. Entregues ao regime de instalação desde que existem, as administrações regionais de saúde não conseguiram implantar verdadeiros centros de saúde inseridos na comunidade, com equipas de saúde fazendo prevenção, cura e reabilitação, com hierarquia técnica e funções bem determinadas, com meios humanos e materiais capazes de responder às solicitações da população e às necessidades de protecção da sua saúde.
À chegada à urgência dos hospitais de doentes não referenciados, que, desconfiados das consultas daquilo a que ainda chamam «caixas», procuram quem os atenda atempadamente, afoga, sem dúvida, os «bancos» dos hospitais centrais e distritais com casos que não são verdadeiras urgências. Mas da falência dos cuidados de saúde primários, das suas razões determinantes, das propostas a encarar para ultrapassar tal situação, vos falará a minha camarada Luísa Amorim noutra intervenção.
Tão importante quanto os estrangulamentos e dificuldades a montante são os problemas da urgência hospitalar, espartilhada por uma concepção ultrapassada e anacrónica, mais próxima da visão do século passado do que da do século XXI, que se avizinha.
Com efeito, reina nos nossos hospitais a ideia de multiplicar serviços de urgência em regime de porta aberta, alargando, sucessivamente, a sua dimensão, substituindo, ironicamente no limite, o hospital pelo serviço de urgência.
Na nossa opinião, do que se trata é de substituir o serviço de urgência por um encaminhamento adequado do doente para serviços especializados. Na admissão só restaria, para além desta triagem, uma unidade de reanimação. O fundamental não é um grande serviço de urgência a funcionar 24 horas com um hospital parado, o que importa e um hospital com serviços departimentados, com assistência permanente e com as especialidades fundamentais. A urgência estará nos serviços, não à porta do hospital.
Junto aos serviços devem funcionar unidades de cuidados intensivos diferenciadas e vocacionadas para determinadas patologias, sendo de acabar, progressivamente, com as unidades de cuidados intensivos polivalentes que ainda persistem em muitos hospitais.
Este novo funcionamento implica que os serviços tenham médicos escalados em permanência, para assistência aos internados e aos doentes vindos da urgência.
Os meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica devem funcionar nas 24 horas. Os blocos operatórios, que podem ter uma muito maior rentabilização durante todo o dia, deverão ter disponibilidade para a urgência nas 24 horas.
Nesta perspectiva, acaba a balbúrdia do «banco» hospitalar, onde muitas vezes é materialmente impossível prestar cuidados humanizados, tecnicamente aceitáveis, compatíveis com a dignidade dos doentes que a ele acorrem e com a ética profissional dos que nele trabalham.
Sem o espectáculo trágico e grotesco das portas e corredores dos actuais serviços de urgência, tudo se pode passar calma e eficazmente, através de um encaminhamento correcto para os serviços de internamento por parte de uma reduzida equipa de admissão e triagem.
Se o correcto funcionamento das áreas de cuidados é decisivo para o bom funcionamento da urgência, não o é menos a sua articulação e harmoniosa complementaridade.