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528 I SÉRIE - NÚMERO 16

vergonhado» mas, sim, o «rigor arrependido» - «crónica de um rigor arrependido» poderá, com toda a certeza, vir a chamar-se a conta do Estado de 1991.
Desconfiei sempre que assim seria, mas confesso que a abertura do debate, com o Sr. Ministro das Finanças a confessar, embora veladamente, aquilo que sei serem as suas convicções mais fundas e autênticas sobre o papel do Estado na economia, animou-me um pouco.
O Prof. Miguel Beleza recorreu, talvez um pouco de mais, ao pensamento e às palavras de terceiros. Mas, apesar disso, confesso que admirei o desassombro com que citou Adam Smith sobre o papel do Estado, ao pedir desculpa pelo agravamento fiscal efectivamente contido na sua proposta.
E o que se passou com o Sr. Ministro das Finanças passou-se um pouco, e mais agravadamente, com os outros membros do Governo. É certo que o «ministro do discurso» não foi bem o «ministro do relatório», onde a boa doutrina, mesmo que em doses moderadas, aparece sempre justificada e desculpada com a ameaça europeia - como, aliás, tive ocasião de salientar no primeiro dia do debate.
De tal modo assim foi que, se não fosse o discurso e os esclarecimentos fornecidos à Câmara, ficaríamos sem saber se as opções correctas de diminuição da despesa, contenção do défice e uso da política orçamental para combater a inflação são assumidas pelo Governo como opções correctas e salutares ou, simplesmente, sofridas como as primeiros beliscaduras na soberania nacional impostas como ablativos da unidade europeia.

or isso falamos de orçamento sem autonomia, que, justamente por isso, presta um mau serviço à ideia da Europa, brandida um pouco à laia de Fundo Monetário Internacional dos anos 90, desculpa para as «economias» que o Orçamento tem de impor.
Foi esta mesma ideia de «rigor envergonhado», espécie de «jóia» para entrar no clube europeu, que acabou por ser confirmada com as intervenções dos outros membros do Governo.
Quando esperávamos, por exemplo, que o Sr. Ministro da Saúde viesse aqui delinear um quadro de actuação em que a aplicação da nova lei de bases da saúde possibilitaria conter o Orçamento, aumentando a capacidade de resposta ao direito à saúde, assistimos precisamente ao contrário.
O Ministro da Saúde não apenas se esqueceu de que a dotação do Serviço Nacional de Saúde para este ano foi já oficialmente reforçada com mais 15 milhões de contos, para insistir na ideia de que vai ter um aumento real de dotação, como também se esqueceu de revelar como e que tenciona resolver o magno problema de um orçamento em que quase dois terços do montante global correspondem a despesas de pessoal.
É claro que, de esquecimento em esquecimento, não se lembrou de que tem uma nova lei de bases da saúde para implementar, enformada por um espírito que, felizmente, já nada tem a ver com o monopólio estatal do serviço proposto pelo Dr. Arnaut.
Quer isto dizer que, em vez da pedagogia do novo entendimento do modo de satisfazer o direito à saúde, do que aqui se tratou foi de uma disputa acerca de montantes; com os socialista a dizer que é pouco e o Ministro a dizer que estão enganados, ambos, porém, completamente entendidos acerca do modo de gastar.
E o que se passou com o Ministério da Saúde passou-se também com os outros Srs. Membros do Governo, à excepção do Ministro da Educação, único que confessou que tinha saído defraldado com este Orçamento.

Vozes do PS: - Confessou?!...

O Orador: - E isto para não falar nas externalidades condicionantes a que nos referimos na abertura e que, pese embora a justiça que concretizam, vão dar um contributo muito sério ao incremento da despesa, para além, é claro, da influência recíproca que vão exercer entre si, com o Acordo de Concertação Económico-Social a influenciar a negociação salarial da função pública e vice-versa.
Estamos, pois, convictos de que a história da execução orçamental vai transformar-se, como disse, numa crónica de rigor arrependido».
Pena é que os repetidos atrasos dos governos - e não apenas deste actual -, conjugados com a falta de meios técnicos da Assembleia da República, não tenham permitido, desde 1975, um único julgamento público e político das contas do Estado.
Sem prejuízo da importância e do significado que, sem dúvida, assume a discussão e votação do Orçamento do Estudo, não restarão dúvidas a ninguém de que este significado resultaria muito valorizado se estivéssemos também em condições de discutir as contas do Estado, avaliando o grau de execução das previsões e promessas que aqui somos chamados a discutir e aprovar.
Seria interessante, por exemplo, apreciar a conta respeitante a este Orçamento. O que significará, no fundo, que, novamente este ano, vão ser as políticas monetária e cambial a suportar o peso da política de combate à inflação, com todas as consequências que os agentes económicos já conhecem, nomeadamente: crédito mais caro, para que haja menos crédito; crédito externo limitado; desvalorização deslizante e programada do escudo a chegar ao fim e a ser substituída, com toda a probabilidade, por uma valorização.
E o mais curioso, dando razão à teoria do «rigor envergonhado», é que o Ministro das Finanças, quando apresentou as linhas mestras destas políticas, acrescentou, à laia de garantia, que em ordem a preparar a sua implementação foi já conferida maior autonomia ao Banco de Portugal. Sabe o Sr. Ministro do que fala e sabe-o também o Sr. Primeiro-Ministro: de facto, o banco central está mais habituado ao rigor do que o Governo.
De qualquer modo, não desanimamos com o clima da discussão na generalidade do Orçamento do Estado para 1991 e vamos formular propostas, aquando da sua discussão na especialidade, que possam conduzir a um mais sincero rigor, consagrando limitações aos quadros de pessoal, de preenchimento temporário, bem como aos meios ao seu dispor e, ainda, à realização de viagens e a certo tipo de aquisições.
Vamos também pugnar por um verdadeiro, e não aparente, alívio fiscal dos contribuintes, principalmente dos que são titulares de rendimentos médios.
Finalmente, não deixaremos de tentar a viabilização, em sede do Orçamento, das nossas propostas de revisão das indemnizações, aproveitando esta oportunidade para demonstrar, mais uma vez, que aquilo que propomos e nos termos em que o fazemos não tem implicações a prazo médio sobre a despesa e mesmo a sua repercussão em matéria de necessidade de financiamento será muito reduzida quando perspectivado o processo no contexto da política das privatizações.