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954 I SÉRIE-NÚMERO 28

politicamente amadurecidos e definidos: ambos democratas, com gosto pela política, cada um à sua maneira desiludido com o regime marcelista, ambos militantemente humanistas cristãos e defensores dos direitos dos homens e os dois desesperadamente ansiosos por participar, em plenitude, na vida pública do seu país. Viveram freneticamente os seis anos e oito meses de democracia e liberdade e, em tão breve período, souberam deixar a marca imperecível e inconfundível das suas caminhadas.
Adelino foi o principal arquitecto do Centro Democrático Social, partido fundado a 19 de Julho de 1974 - por sinal, o dia de aniversário de Sá Carneiro. Abandonara a função pública - director-geral do Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa, organismo umbilicalmente ligado à reforma educativa de Veiga Simão, que chegou até nós - para se dedicar exclusivamente à vida política.
«A Declaração de Princípios» do partido, que ajudou a constituir, é exclusivamente da sua autoria, como foi da sua pena que, durante vários anos, saíram os principais textos programáticos e de combate do CDS pela liberdade e democracia pluralista. Define, com clareza, aos Portugueses o que é o centrismo:

Uma base doutrinal ampla - de raiz acentuadamente personalista - e por isso bem mais rica e complexa, própria para fecundar e legitimar os programas políticos, com um marcado pragmatismo, hostil à tecnocracia, receoso de ideologia globalizante, mas que não recusa entrar em processo dialéctico com a ideologia, uma vocação de governo em função harmónica dos fins a alcançar pela sociedade.

Mas é no Parlamento que ele se agiganta e revela a sua grande qualidade, razão por que foi chamado de «animal político». Definiu-se, assim, na sua veste de tribuno parlamentar:

A figura de um parlamentar identifica-se, perante a opinião pública, com a de um político puro, isto é, com a combinação de três profissões: actor, jornalista e jogador de futebol. Um político tem de ser actor, porque tem de interpretar um papel que os eleitores lhe atribuem; jornalista, porque tem de captar as correntes de opinião pública e conhecer os factos em relação aos quais tem de intervir. Mas também não lhe basta estar diletantemente a analisar os factos, ou a interpretar papéis, tem de servir valores e pontos de vista daqueles que o elegeram, tem de chutar à baliza e marcar golos.

Eis o auto-retrato que Adelino Amaro da Costa deixa na Galeria do Palácio de São Bento.
Como primeiro titular civil da pasta da Defesa, tinha um programa de acção definido para um período de transição que então se vivia. Costumava dizer:

Se os Portugueses e Portugal não quiserem desperdiçar este ano e meio que medeia até à aprovação da lei da revisão constitucional há muita coisa que tem de ser feita, e pode ser feita, na preparação da normalidade democrática, que é uma normalidade civil, acima de tudo.

A revisão constitucional viria a adoptar a sua doutrina quase na íntegra. Não chegou, porém, a assistir à votação da nova lei constitucional.
Até ao último minuto esteve ao lado de Fransciso Sá Carneiro lutando por ideais, que eram comuns a ambos, tendo os dois, na própria hora da morte, irmanado a social-democracia de Sá Carneiro com a democracia cristã de Amaro da Costa.
Francisco Sá Carneiro é das raras personalidades portuguesas que tem sido «o ausente» sempre presente na construção da nossa democracia. Começou por estar presente na luta reformista da democratização do regime da Constituição de 1933 e. desde então, fê-lo em nome do humanismo cristão e do ideal do Estado de direito, de que, como activista católico e jurista militante, foi um dos principais epígonos.
Voltou a estar presente depois de 25 de Abril de 1974 na luta pela construção da democracia pluripartidária e representativa, primeiro contra as ameaças do «totalitarismo sem a pele do cordeiro» e, depois, contra o «totalitarismo doce» do pós-25 de Novembro.
Reduzir Sá Carneiro a uma indefinida social-democracia, mesmo que não seja via para o socialismo mas via para se sair do socialismo (que o digam os ex-partidos comunistas do Leste e de África, que agora se cognominam de sociais-democratas), é esquecer que o último combate de Sá Carneiro foi por uma mudança política assente naquilo que poderia ter sido a revolução cultural e moral da Aliança Democrática, isto é, a criação da «casa comum» do humanismo cristão português.
Combateu até ao fim. E combateu debaixo de ataques cerrados dos seus adversários políticos.
Combateu mesmo quando alguns desses ataques se revestiram de forma indigna, de uma violência até hoje inaudita e ímpar, na luta política do pós-25 de Abril.
Combateu em nome da coerência do seu projecto, mesmo quando a vitória era difícil, e, por isso, era para ele adrenalina e entusiasmante.
Após a vitória da AD nas legislativas de 1980, Sá Carneiro, juntamente com toda a AD, decide dizer «não» ao situacionismo conformista de um Presidente da República, supostamente suprapartidário e independente, que representava os valores que não eram os seus. Sá Carneiro não se conforma, nem desiste, perante o espectro da derrota. Bate-se com alma e denodo pela eleição do general Soares Carneiro, em defesa do seu projecto de sociedade e de Estado.
Cristalizar o pensamento político de Sá Carneiro nas conveniências políticas conjunturais de alguns dos seus herdeiros partidários assumidos é delapidar uma herança que pertence a uma bem ampla família político-cultural. Na verdade, o seu pensamento inteiro pertence a toda a família democrática portuguesa e todos os seus combates essenciais ainda estão por cumprir.
Não se deve subestimar que Francisco Sá Carneiro foi sempre militante de um ideal que, por ser ideal, no exacto momento em que se alcança, parece imediatamente inadequado, como é próprio da democracia - um regime com muitos defeitos, mas para o qual não há melhor sucedâneo.
Para Sá Carneiro, o Estado de direito era o Estado de legitimidade e justiça, da conformidade com os direitos naturais da pessoa e não apenas da legalidade. Como costumava ensinar: «É ião pernicioso o Estado totalitário que absorve toda a sociedade como o é o próprio Estado tecnocrático.» E o Estado tecnocrático é aquele em que «o Estado é encarado como uma grande empresa confiada aos tecnocratas em ordem à obtenção da maior eficiência