O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

20 DE DEZEMBRO DE 1990 957

dos delitos políticos e infracções disciplinares da mesma natureza.» E podia ter acrescentado as visitas aos presos políticos que conseguiu fazer.
O sentimento de frustração levou-o a ter para com a sua actuação política, nessa época, um juízo mais severo do que aquele que a história lhe reservou. Chega a empregar expressões como «não valeu a pena» e «decepção total». Diz mesmo: «A minha actuação não teve quaisquer resultados.»
Nesse ano de 1973 fervilhava o movimento popular na luta contra o regime. Incontáveis lutas abalavam os alicerces do aparelho político-repressivo. A demagogia liberalizante de Marcelo esborondava-se na resistência popular e nas promessas não cumpridas. Na Guiné-Bissau era proclamada unilateralmente a independência. Nascia o movimento reivindicativo de oficiais que prenunciava o movimento dos Capitães e o 25 de Abril!
Ao longo dos mais de seis anos em que interveio na história do Portugal democrático muita coisa construímos em conjunto. Mas muitas mais vezes divergimos de fundo. Assim sucedeu no caso Palma Carlos; na perspectiva para a Constituinte; nas perspectivas para a evolução da sociedade portuguesa ao longo de todo o conturbado ano de 1975; na acção legislativa de 1977, quando foram aprovadas leis contra o sector público e a reforma agrária; na apreciação dos governos de iniciativa presidencial; e, centrando a atenção fundamentalmente no que aqui hoje nos reúne (a evocação de Francisco Sá Carneiro enquanto Primeiro-Ministro), divergimos quanto ao Programa e prática do VI Governo Constitucional, como já o afirmei.
Mas, olhando em volta, quantos não divergiram também de Sá Carneiro? Quantos nos partidos da oposição? Quantos no próprio PPD/PSD e nos que por lá passaram?
As características pessoais de Francisco Sá Carneiro, como político, emergiram também na sua actuação de estadista.
Foram anos de duros embates políticos, de projectos diferentes, projectos em grande parte opostos e que dividiram a sociedade portuguesa.
Com Sá Carneiro sabiam-se as divergências. Não se escondiam, não se mascaravam. Havia clara separação das águas.
A 10 anos de distância da morte prematura, da controvérsia das presidenciais de 1980 e da sua denota anunciada, a 10 anos do texto carregado de simbólico fatalismo, que, então, Maria João Avilez publicou no Expresso, o que caberia perguntar é que balanço teria ele próprio feito da tanta pressa, da tanta sofreguidão com que foram vividos esses dias.
A história prosseguiu o seu ziguezage; ocorrem formidáveis transformações (que ninguém previu ou podia prever); a vida estonteante ultrapassa o pensamento e a capacidade de analisar; novos embates e lutas perpassam o mundo.
Esta reunião plenária não encerra nenhum ciclo histórico.
A história que todos fizemos e fazemos continua, sem hiatos, sem compassos de espera, mais exigente, mais complexa. A história de que Francisco Sá Carneiro foi também protagonista.

Aplausos do PCP, do PSD, do PS, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime
Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Assembleia da República invoca hoje a memória de Francisco de Sá Carneiro, ilustre homem político, parlamentar distinto e governante com profundo e vasto sentido das responsabilidades públicas, tragicamente desaparecido há 10 anos, com, entre outros, Adelino Amaro da Costa e António Patrício Gouveia.
O Partido Socialista expressamente se associa a esta homenagem - e cumprimenta de forma especial os seus familiares e o PSD - porque sabe assumir com clareza o respeito e a consideração devidos aos adversários na competição política e porque, à luz dessa mesma frontalidade, possui o distanciamento suficiente para começar a ser capaz - sem para tanto reescrever a história - de entender o passado com objectividade e de reconhecer o mérito, o talento e o valor onde quer que se encontrem na comunidade nacional, independentemente de posicionamentos recíprocos específicos em circunstâncias determinadas.
As homenagens são sempre o que são, e se valem, acima de tudo. pela intenção, bem podemos dizer que a nossa é, nesta hora, a mais singela de todas. Não nos queremos mimetizar com uma liderança ou um estilo que não foram nem são nossos, não pretendemos disputar a partilha de um legado que inequivocamente não nos pertence, não nos move o tacticismo frágil de usarmos esta cerimónia solene para qualquer utilidade empírica menos institucional. Tomemos, então, a figura de Francisco de Sá Carneiro na simplicidade com que hoje a minha bancada a pode e deve recordar nesta Casa - com responsabilidade, com correcção, com sentido respeito.
Sublinhamos, em primeiro lugar, o seu combate pelos direitos e pela liberdade.
Num regime bloqueado pelo autoritarismo e pela ditadura, com as oposições discriminadas e perseguidas, Sá Carneiro soube erguer a sua voz do lado da democracia e alargar poderosamente o campo de irradiação dos seus valores no Portugal do tempo. Da organização judiciária e do processo penal à lei de imprensa e à liberdade religiosa, passando por cooperativas e associações, revisão constitucional ou amnistia dos delitos políticos, a intervenção pública de Sá Carneiro é dominada, no início dos anos 70, pela profunda coerência de um projecto de mudança política, cuja matriz fundadora era o pluralismo, a alternância, o Estado democrático de direito.

O Sr. António Barreto (PS): - Muito bem!

O Orador: - No centro do seu compromisso, o empenhamento claro num sistema de garantias, a liberdade de expressão, a redistribuição da riqueza, a participação política, os direitos do Homem.
Destacamos, em segundo lugar, o método político de Sá Carneiro.
Quando hoje se instala a desvalorização da política como finalidade em si própria das ideologias administrativas ou da mera ignorância, o antigo presidente do PPD/PSD sobressai na categoria dos homens políticos por excelência e assume, até à sua morte, essa dimensão tensa e lotai que caracteriza, na sua plenitude, a vida política desde os seus primórdios. Definição clara de objectivos, frontalidade na sustentação de argumentos, capacidade para resistir a situações de oposição ou minoria, convicção para accionar o recurso ao apoio popular e firmeza para o saber conduzir.