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20 DE DEZEMBRO DE 1990 955

possível». E não acaba aqui o seu repúdio vivo da tecnocracia, verbera-a com este trecho lapidar:

Menos violento, menos desagradável, mas não menos pesado é o domínio da sociedade tecnocrática, que toma a seu cargo o homem e lhe dá conforto, bem-estar e segurança, que tanto empenho põe na satisfação das suas necessidades, que constantemente lhas multiplica para mais generosa ser, para mais farto o ter. (Estado Totalitário, Estado Tecnocrático, textos n, p. 160.)

No discurso de encerramento do Congresso de Leiria adverte os militantes do seu partido: «Como realidade viva e dinâmica, o partido deve-se a si próprio reflexão crítica e tentativa constante de aperfeiçoamento. Sobretudo, um partido social-democrata não é apenas militância organizada com vista à conquista do poder por meios democráticos. Não é, nem pode ser, uma máquina eleitoral. Há-de ser estímulo pessoal, político e sócio-profissional. Tem de agir como difusor de ideias, como dinamizador de planos, como estimulante de acção pessoal. Sem isso [...]» - diz Sá Carneiro - «[...] renunciamos à dimensão ética e cultural da política que se tomaria um mero jogo de banalidades e conveniências.»
Não foram, todavia, os seus discursos - vibrantes e demolidores na oposição, exigentes e rigorosos no Governo - que lhe granjearam o enorme prestígio pessoal e o apoio popular para os seus projectos. Foi, sobretudo, a acção como Primeiro-Ministro que definiu a personalidade global do nosso homenageado de hoje. Diz um dos seus colaboradores mais próximos e aquele que foi o seu Vice-Primeiro-Ministro: «O ritmo que imprimiu à acção do seu Governo foi veloz. E para isso muito contribuiu a sua extraordinária capacidade de apreensão dos problemas de Estado e do seu invulgar poder de decisão.»
Francisco Sá Carneiro encontrou a morte no zénite do seu prestígio como político, como líder do maior partido português e como primeiro-ministro de uma coligação que soube conduzir com independência, isenção e uma rara devoção à respublica, própria de grandes estadistas.
A melhor homenagem que lhe podemos prestar não é a de orações fúnebres ou apenas de ligar o seu nome às obras materiais do regime. É dizer que Francisco Sá Carneiro continua a ser incómodo a todos os siluacionismos, o que é sinal de que permanece vivo a interrogar-nos a todos com a mesma terrível pergunta que lançara em 17 de Março de 1973: «Seremos uma Nação em projecto ou um País submetido a um projecto?»

Aplausos do CDS, do PSD, do PRD e do deputado independente Carlos Macedo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Convidados, Srs. Deputados: É perfeitamente justificada a realização desta sessão evocativa da figura de Francisco de Sá Carneiro.
As pessoas e as instituições devem ter memória e reconhecimento e daí a obrigação de trazer à lembrança comum figuras e factos que, por formas e por caminhos diversos, influenciaram o rumo da vida colectiva, deixando nela indelevelmente impressa a sua contribuição.
Normalmente os homens e as mulheres que alcançam notoriedade na vida política são alvo de natural controvérsia. Em democracia é assim mesmo. O unanimismo só existe artificialmente e fruto de imposições totalitárias. Tal não significa que as diferenças de opinião e posicionamentos partidários e ideológicos diversos sejam razão justificativa para ataques despudorados que atingem, não raras vezes, o limiar da ofensa pessoal, ultrapassando, de forma inconveniente e indevida, as balizas da desejável e necessária discussão política.
Não é esta, obviamente, a nossa postura.
Em todos os domínios e níveis de intervenção na vida nacional, procuramos pautar a nossa conduta pelo equilíbrio e pela dignidade na apreciação dos actos alheios. Serão estes os parâmetros que limitarão a nossa contribuição para a evocação de Francisco de Sá Carneiro.
Não é fácil nem cómodo falar de uma figura com uma personalidade tão vincada, razão justificativa, aliás, do antagonismo entre situações de conflitualidade e animosidade, por parte de adversários e de seguidismo apaixonado de alguns prosélitos, para além, logicamente, dos que lucidamente comungaram do seu pensamento e o acompanharam na sua acção directa. As figuras carismáticas - e Sá Carneiro pertence, inquestionavelmente, a esse grupo - suscitam sentimentos de adesão incondicional ou de reacção irreflectida.
Ligado desde muito cedo aos movimentos de cristãos conscientes da obrigação apostólica de participação activa e interveniente dos leigos no mundo contribuiu, nas estruturas próprias, para a mudança que os Portugueses reclamavam.
Creio mesmo que a aceitação da sua candidatura à extinta Assembleia Nacional decorreu desse contexto. A assumpção do seu mandato, bem como dos que com ele integraram a chamada ala liberal, foi aplaudida por muitos que, na hora da devolução da democracia aos Portugueses, a consideraram de forma paradoxal como uma abdicação e colaboração com o regime deposto.
A fraqueza dos homens tem destas contradições, esquecendo-se, deliberadamente, do seu importante papel na viragem posteriormente operada.
Se foi difícil e arriscado assumir o confronto directo com os próceres do regime deposto, foi igualmente relevante a sua intervenção no terreno do inimigo, onde, no dizer de muitos, «a luta era desenvolvida no seio de uma Assembleia hostil». E Sá Carneiro fê-lo de acordo com princípios porque, segundo as suas próprias palavras, «a participação política activa é um dever, a que se corresponde, de vários modos, de acordo com as circunstâncias».
Considero que a sua actividade no dito Parlamento foi extremamente eficaz, pela acção deletéria que provocou no edifício do regime, apesar da necessidade de renúncia ao seu mandato de deputado. Este gesto, que poderia ser entendido como capitulação perante o poder instituído, teve, também ele, um carácter emblemático relevante, constituindo mais uma significativa brecha no regime agonizante.
É um facto indesmentível que boa parte da estrutura embrionária do partido de que foi co-fundador começou a desenvolver-se nestes tempos, já que Sá Carneiro, em entrevista concedida ao jornal República, em 1971, defendeu a linha da social-democracia como a mais adequada à solução dos problemas políticos portugueses.
Esta afirmação de adesão ao ideário social-democrata começou a delinear os contornos do partido, que viria a emergir em 1974, para além de congregar, sob a sua égide,